Quando o gato quer rugir na sala

A saga do Erval, o fura-greve. Ele já mostrou sua lealdade aos patrões e sua carência em quarentena. Foi patinho feio dos poderosos da diretoria, escroto-mor até com sua prole e se gabou de ser “amigo de espião”. Mas, que pesadelo o aflige sobre os recentes batismos verde-oliva às plataformas da Petrobrás?

Por Rôney Rodrigues | Ilustração: Vitor Teixeira

Foi tudo meio de repente. Erval preparou seu gordo filé na manteiga, serviu-se de uma taça de vinho do Porto e, enquanto seu prato fumegava, despejou aquela insossa ração no comedouro de Roberto, seu estimado e, até então blasé, gato angorá. Ficou estarrecido: o bichano amarelinho, com olhos vidrados e ronronos virulentos, inexplicavelmente o intimidou – e o pobre aposentado não quis criar caso. Enquanto observava seu pet saborear seu mignon malpassado e dar lambidinhas no fino tinto português, o faminto Erval engolia, resignado, os trocinhos sabor atum-industrial, enriquecidos com selênio. É só hoje, tentou justificar-se na cachola, depois coloco o Betim na linha.

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Mas a relação só piorou. O feroz gatinho instaurou um despotismo gatuno. As refeições humanas foram só as primeiras apropriações – logo, Erval foi escorraçado de seu sofá para o carpete, tendo que se contentar em assistir a longos documentários da Discovery sobre a vida felina, impostos pelo bichano. Ao menos, pensava o aposentado, seu intestino passou a funcionar feito um reloginho com a nutritiva e balanceada ração – agora, todo dia ia a caixinha de areia.

Erval estava domesticado. Por vezes, em lapsos classistas, encanava que era ele, um trabalhador humano, que provia tudo naquele apartamento – “se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence”, mais ou menos pensava, quando submetido a situações mais ou menos vexatórias. Mas seu ethos fura-greve contra-argumentava que, afinal, o gato sabia o que era melhor, que respeitar hierarquias era necessário e que há muita dignidade em abanar o rabo – só esperava nunca ser confundido com um rato.

Roberto, disposto a estalar o chicote da “dominação simbólica” sobre Erval, rebatizou os espaços do lar em homenagem a “heróis do panteão felino”: a cozinha seria chamada de Almirante Gatosso, a sala de Almirante Tigredanré e o banheiro, claro, de Bacia de Bichanonaro. Informou a seu human sobre a nova diretriz doméstica, que nem fez caso, entretido que estava com uma bolinha de lã.

Essas artimanhas eram apenas parte do Grande Plano de Felinização do Brasil. Uma caserna de tigres, onças, suçuaranas, jaguatiricas, leopardos e gatinhos nutriam um saudosismo patológico dos tempos em que a classe felina podia estraçalhar gazelas e saborear carcaças a vontade. Para isso, bolaram uma estratégia de dominação, usando a fofura de bichanos, em vídeos e memes nas redes sociais, disparados de forma massiva e articulada pelo Gabinete do Miau – e, assim, conquistaram corações e mentes, adentrando em milhões de lares humanos. Facilmente, venceram a batalha de pets, ao suplantarem os ultrapassados cachorros, hamsters, coelhos e o efêmero gosto por porquinhos da índia. Agora, os felinos se preparavam para enfrentar os “bípedes”. Já tinham lastro: infiltraram-se, por meio da manipulação de seus tutores, em diversos cargos públicos, ministérios, estatais, no Congresso Nacional e até na Presidência da República. Ganharam espaços de poder, mais vozes estridentes e, por conseguinte, filés na manteiga. O Golpe Felino estava montado, a espreita de condições oportunas de pressão e temperatura – e a humanidade parecia alheia ao perigo. Exceto Erval.

O aposentado decidira dar um basta naquela dominação – ao menos, a que se instaurou no seu apê. Tomou uma vassoura e se dirigiu à sala, em busca de Roberto. Mas o gatinho angorá ganhara mais musculatura. Estava maior. As garras, mais afiadas. Os dentes, pontiagudos como lâminas. Sua coluna estava curvada em posição de ataque. Fios de saliva se precipitavam de sua arcada dentária, ameaçadoramente exposta. Virei, enfim, o rato, tremeu Erval. O bichano deu passos ariscos em sua direção:

“Roar! Rawww!”, rugiu Roberto, achando-se tigre, num pulo sobre Erval que…

…Despertou, suado e confuso. Acendeu o abajur. Ufa, era apenas um sonho. Ao seu lado, estava seu doce animal de estimação, também acordado, olhando-o com ternura. Erval cobriu-se com o edredon, a espreita de qualquer movimentação sinistra ou conspirativa de Roberto.

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