Falta de respostas da Petrobrás resume desrespeito do governo ao direito de informação

Em meio a inúmeros casos de violência e falta de transparência com a imprensa brasileira, Petrobrás corrobora discurso antidemocrático do governo federal ao ignorar perguntas em coletiva

Em 2020, os ataques contra profissionais da imprensa aumentaram em mais de 100% em relação ao ano anterior, e parte deles partiram do presidente da República (Foto: Adobe Stock)

Por Andreza de Oliveira

Na primeira quinzena de maio, em coletiva de imprensa para discutir os balanços da Petrobrás com os diretores da companhia, jornalistas de diversos veículos que realizaram perguntas referentes ao preço do gás e possíveis medidas a serem adotadas tiveram suas perguntas ignoradas na pauta.

Apesar de discutir pela primeira vez os balanços da empresa sob a gestão do general Joaquim Silva e Luna, indicado ao cargo por Jair Bolsonaro (sem partido), a conversa, que ocorreu por teleconferência, não contou com participação ao vivo do presidente da empresa – que mandou uma vídeo-mensagem dizendo que pretende continuar com as estratégias da última gestão, de Roberto Castello Branco.

Os jornalistas, ao solicitarem esclarecimentos sobre fala de Jair Bolsonaro, que dizia estar “trabalhando com o novo presidente da Petrobrás em como diminuir o preço do botijão de gás na origem”, foram ignorados pela diretoria da estatal e, após a coletiva, receberam o comunicado da assessoria de que os diretores não comentariam as falas do Presidente da República, mesmo que envolvessem o nome da companhia.

Para Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a atitude de uma companhia pública como a Petrobrás em não esclarecer a dúvida dos comunicadores é uma tentativa explícita de impedir a livre produção e circulação da informação e, apesar de não ser um caso isolado de censura, atenta contra a liberdade de imprensa. “Partindo dos servidores públicos é ainda mais grave, porque estão ferindo os princípios da publicidade e transparência”, complementou.

Entretanto, apesar das empresas públicas possuírem um compromisso com a política de transparência, não está previsto em lei que representantes de órgãos públicos sejam obrigados a se manifestarem a respeito de qualquer assunto, o que, na visão de Eduardo Viné Boldt, diretor no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP), pode ser equivocado.

A falta de respostas por parte da Petrobrás é antidemocrática na medida em que não responde uma questão de interesse público, porque são questões que a população precisa saber.

Eduardo Viné Boldt, jornalista e diretor no SJSP

Nestes casos, em que o representante do órgão público não esclarece de maneira objetiva os questionamentos da imprensa, o diretor alerta para a utilização da Lei de Acesso à Informação, que garante a todos os brasileiros a obtenção de dados públicos. “Eventualmente, um gestor público, caso não esteja sob julgamento, pode preferir não se manifestar dentro de uma entrevista e, se isso ocorrer, os jornalistas podem utilizar da Lei de Acesso à Informação”, comentou Eduardo. 

Lei de Acesso à Informação

Vigorando no território brasileiro desde maio de 2012, a Lei de Acesso à Informação (LAI) garante a liberdade de imprensa e acesso a dados de interesse público. Contudo, no mês em que se comemoram nove anos desde sua implementação, uma pesquisa levantada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apontou que 48,44% dos jornalistas brasileiros nunca fizeram uso dessa lei – e parte deste impedimento é causado pela burocracia.

Além da dificuldade na hora de exigir os documentos públicos via LAI, o retorno ao requerente destes dados costuma levar em torno de 20 dias. “A LAI, apesar de ser um processo democrático, demora para fornecer os dados. E é importante que os jornalistas entendam, assim como a população, como utilizar esse artifício para obter informações sobre qualquer atividade pública, como por exemplo, a de uma estatal”, apontou o diretor do SJSP, Eduardo Viné.

De maneira semelhante, Maria José entende que o fator impeditivo para uma maior quantidade de requerimentos por parte dos jornalistas seja os prazos. “A principal limitação é o prazo de resposta, que pode ser prorrogado por mais 10 dias. Então [a LAI] só pode ser utilizada para reportagens especiais e não para a obtenção imediata de dados”, informou a presidente da FENAJ.

Liberdade de imprensa em risco

Na linha da dificuldade que os jornalistas têm enfrentado no Brasil, uma pesquisa, realizada anualmente pela FENAJ, apontou que o ano de 2020 foi o mais violento para a imprensa brasileira desde os anos 90. Somente no último ano, foram registrados 428 casos, o que representa um aumento de 105,77% em comparação a 2019.

Um retrato para esta violência foi registrado no domingo (23), em meio a manifestações pró-governo: um jornalista da emissora CNN, ao cobrir o ato, foi hostilizado por manifestantes e precisou ser escoltado, com ajuda da polícia, até um carro.

Segundo o estudo da FENAJ, parte destes ataques tem uma origem em comum, o presidente da República. O levantamento mostra que, somente no último ano, Jair Bolsonaro foi responsável por 175 ataques à imprensa, incluindo descredibilização, agressão verbal e até mesmo ameaças diretas.

Fundamental nas democracias, o trabalho jornalístico precisa de liberdade para divulgar os assuntos de interesse público da maneira correta. Depois das eleições de 2018, de acordo com Maria José Braga, com a implementação de uma extrema-direita no Brasil, instituições que buscam garantir a democracia no país têm sobrevivido com dificuldades.

O presidente Jair Bolsonaro ataca jornalistas e veículos de comunicação e, agindo assim, autoriza os membros do seu governo a fazerem o mesmo, além de incentivar que seus apoiadores também o façam. Isso faz parte da estratégia de promover a desinformação adotada pelo governo federal, ou seja, descredibilizar a imprensa para que parte do eleitorado continue se informando somente pelas bolhas bolsonaristas e, portanto, continue sem condições de avaliar criticamente o governo

Maria José Braga, presidente da FENAJ

Assim como outras instituições, a FENAJ recorreu à Justiça para pedir providências ao gabinete de Segurança Institucional. “Nossa expectativa é que as outras instituições voltem a agir a favor da democracia e do Estado de Direito”, finalizou a presidente da instituição. 

 

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