Pior matança policial da história brasileira escancara política de segurança que despreza a vida e utiliza os corpos mutilados como palanque político

[Por Marcelo Aguilar]
Mais uma vez o Brasil chocou o mundo pela violência extrema da sua polícia. No dia 28 de outubro, forças a mando do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, entraram nos Complexos de favelas do Alemão e da Penha, numa ação militar que terminou com a morte de 121 pessoas, dentre elas quatro policiais. As imagens dos corpos enfileirados estamparam as capas de jornais mundo afora. Eles haviam sido recuperados pelos moradores na Serra da Misericórdia, no alto do morro, após a retirada da polícia. A operação já é a mais letal da história moderna brasileira, superando o massacre do Carandiru, em 1992, quando tropas da Polícia Militar de São Paulo assassinaram 111 detentos no presídio do mesmo nome.
O mesmo alvo
Os dados do informe do Fórum de Segurança Pública de 2024 demonstram que 82,7% das vítimas da violência policial no Brasil são negros. Para o diretor do Sindipetro Unificado e da FUP, Pedro Augusto, é fundamental reafirmar o caráter racista da própria política de segurança pública do país: “Além de deixar intacto o crime organizado, ela normaliza e naturaliza centenas de corpos expostos na rua, em sua grande maioria de pessoas negras, das quais não sabemos seus nomes e que não tiveram nenhuma possibilidade de processo legal”.
Para o dirigente, “esta lógica só se sustenta em um país que foi estruturado no racismo, no qual algumas vidas são descartáveis. Vidas que têm cor, vidas negras, que moram num determinado território, na periferia, nas favelas”.E acrescenta: “Um menino negro de 15 anos, de chinelo, correndo sem camisa perto da sua casa, pode muito bem ser alvejado ‘confundido’ com um bandido”.
Corpos como palanque
O timing da operação ordenada por Cláudio Castro foi perfeito para os interesses da ultradireita. Um dia antes, Lula havia afirmado que “traficantes também eram vítimas dos usuários”, da qual se retratou posteriormente. Mas o estrago já estava feito. A ultradireita inflamou as redes com esse trecho da fala e após o massacre passou a celebrar os assassinatos e clamar por mais operações como essa. Os governadores da ultradireita foram para a capital fluminense para “prestar solidariedade” a Castro, mas o objetivo verdadeiro era realinhar o campo consedor.
Para Pedro Augusto, a operação “foi uma forma que a extrema-direita e o neofascismo encontraram de retomar uma narrativa diante do aumento da popularidade do governo Lula e das derrotas políticas que sofreram com a condenação do Bolsonaro e com o rechaço da população brasileira aos ataques à soberania liderados pelo governo Trump e articulados por Eduardo Bolsonaro”.
O cenário descrito pelo dirigente do Sindipetro Unificado é de uma esquerda que recuperou a defesa da soberania como pauta e a bandeira do Brasil como símbolo. Diante dessa situação, afirma: “Qual é a opção para a extrema-direita? Qual a opção para o neofascismo? Uma política de extermínio, uma política de morte, como já havia sido demonstrado durante a pandemia. Porque o que eles têm para oferecer para a população brasileira é morte, é assassinato. E dessa forma, com essa operação arbitrária, eles tentam recuperar a pauta, pensando na eleição de 2026, deixando centenas de corpos para trás e uma população ainda mais amedrontada”.
Anos de fracasso
“Fazemos isso há 40 anos neste país: combater o crime gerando mais crime. Sem nenhuma efetividade. Pelo contrário: ações assim são contraproducentes, geram reação e mais militarização. É evidente que o controle territorial armado por grupos criminosos é um problema sério. Mas já há dados e evidências claras de que essa política pública não funciona”, comentou Gabriel Feltran, diretor de pesquisa no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, especialista em etnografia urbana e sociologia do crime e da violência, e autor do livro Irmãos: uma história do PCC.
Pedro Augusto concorda com o diagnóstico: “Sem dúvida é necessário combater essas estruturas, porque o crime organizado mantém as pessoas que vivem nas comunidades sob o seu domínio em um regime violento, de opressão, onde não há o Estado Democrático de Direito. Então é importante, sim, ter uma política séria para combater o domínio dos territórios pelo crime organizado, que lucra bilhões”. Porém, afirma, é necessário discutir a efetividade dessas medidas: “O crime organizado segue operando normalmente no território do Complexo da Penha e do Alemão, e ao mesmo tempo a população hoje precisa chorar esse trauma, porque é um trauma não só para aquelas famílias que perderam pessoas, sejam elas participantes do crime organizado ou não, mas também para aquelas que tiveram que faltar nas suas escolas, que ficaram debaixo da cama ouvindo tiro durante todo um dia, e veem que nada foi resolvido”.
Se faz necessário, então, conclui o diretor, “travar esse debate de cima a baixo, questionando a própria estrutura econômica que condena periferias e jovens negros e negras do país a não terem acesso à educação de qualidade, à formação e acesso a empregos que possam garantir para eles condições de vida, e ao mesmo tempo defender uma política que segurança que busque prender aqueles que financiam, inviabilizando economicamente essas rotas que são operadas por grandes empresários, que têm inclusive interferência e influência nas instituições do país, para a partir daí você combater efetivamente o poder sobre os territórios, tanto no Rio de Janeiro como em outras regiões do país”.
