Em entrevista concedida ao podcast Refinando o Assunto, representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobrás critica atual gestão da empresa e aponta o caminho: “Mudar esta história está em nossas mãos, de mais ninguém”
Entrevista concedida ao petroleiro Evandro Botteon, do podcast Refinando o Assunto, e editada por Tatiana Oliveira
Os tempos estão nebulosos, desde 1964 o Brasil não via sua democracia tão ameaçada. E não é necessário ser um grande economista para olhar ao redor e saber que vivemos uma profunda crise econômica. Já são 14,8 milhões de desempregados e a dificuldade para colocar comida na mesa é vivenciada por 19 milhões de brasileiros. Além disso, a pandemia, agravada pelo descaso do governo Bolsonaro, tem desencadeado ainda outros perigos, como o aumento da violência doméstica e a evasão escolar – quase 200 mil alunos já deixaram a escola no Brasil desde o começo da pandemia.
Neste contexto, engana-se quem não vê relação entre esse cenário nacional e a Petrobrás. Em um momento em que poderia se apresentar como a solução para alavancar a economia, a estatal tem sofrido um desmonte, responsável pela privatização de ativos nos diversos setores da companhia. Infelizmente, o resultado dessa desintegração em curso só será notado por boa parte da sociedade quando a pandemia já não puder mais ser usada como cortina de fumaça.
Na contramão destes ataques e na linha de frente da resistência, está Rosangela Buzanelli, membro do Conselho Administrativo (CA) da Petrobrás. Engenheira geóloga, Rosangela é formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Tem mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Paulistana, ingressou na companhia em 1987, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Está há 34 anos na empresa e é uma petroleira altamente gabaritada, com uma carreira diversa na companhia, onde já ocupou cargos de gestão e na área operacional. Para o conselho, foi eleita em primeiro turno e, hoje, representa a todos as petroleiras e petroleiros no enfrentamento aos desmandos da atual gestão, que tem promovido uma série de privatizações de ativos rentáveis, entre outros ataques.
Valorização do coletivo
Rosangela quer a Petrobrás para o Brasil. Construída por brasileiros e brasileiras para brasileiros e brasileiras. Certamente sua vivência pelos anos finais da ditadura, e sua postura ativa no enfrentamento do regime, participando de atos como as Diretas Já, contribuíram para formar essa ‘casca grossa’.
O coletivo venceu e eu topei me candidatar honrosamente para representar esta categoria guerreira
A conselheira estava para se aposentar, com um Plano de Demissão Voluntária (PDV) no horizonte, quando desistiu para se candidatar ao CA. “O coletivo venceu e eu topei me candidatar honrosamente para representar esta categoria guerreira”, afirma.
Ela explica que, atualmente, o CA da Petrobrás é composto por 11 representantes. Uma única cadeira pertence aos empregados da estatal, em eleição direta – é a que Rosangela ocupa. Outras três são dos acionistas minoritários – que são investidores nacionais e estrangeiros. O governo federal é o acionista majoritário, com direito a indicar sete do total de assentos. Assim, como tem a maioria dos votos, a União é quem controla o Conselho – o que representa um grande perigo considerando a mão autoritária e privatista de Bolsonaro e Paulo Guedes sobre a Petrobrás.
“Mas é muito importante estar lá, mesmo sendo um voto só. Conquistamos o direito a esta cadeira na era Lula, que abriu a oportunidade dos trabalhadores de terem um representante para falar o que vem acontecendo com a empresa e não podemos abrir mão, porque é nossa oportunidade de discutir, argumentar, ocupar a trincheira e documentar nossos votos que representam de fato o que pensam os trabalhadores, e não somente os acionistas, com qualificação técnica e registro disso tudo para a história”, complementa.
Defender a ciência é defender a Petrobrás
Também no governo Bolsonaro, são fortes as investidas contra a ciência brasileira. Os ataques à vacina, às instituições públicas de ensino e ao investimento em ciência e tecnologia foram mencionados em um recente relatório especial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) sobre investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo. O documento, divulgado em junho deste ano, considerou que a ciência e a tecnologia brasileira são “resilientes”, pois, mesmo com uma redução drástica dos orçamentos, mantiveram sua produção crescente. No entanto, mesmo esta resiliência tem limites e a produção intelectual e científica do país está, mais do que nunca, ameaçada, conforme anuncia o mesmo relatório.
Historicamente, a Petrobrás carrega forte potencial para gerir investimentos em pesquisas e fortalecer parcerias com universidades e institutos de pesquisa que fomentem uma nova realidade para o petróleo no Brasil. Seu processo de acumulação de conhecimentos começou logo após o início das atividades operacionais da companhia, em 1954, com a criação do Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo – CENAP.
A empresa, além de indutora do seu desenvolvimento econômico, tecnológico e científico, também já foi uma das maiores patrocinadoras da ciência, cultura e esportes nacionais.
Lutamos muito para agir como um país que é produtor, e não importador, como o atual governo impõe como política
“A história da Petrobrás é belíssima. No passado, mal tínhamos geólogos no Brasil. Nos diziam que não havia petróleo no país. Mas não acreditamos, descobrimos petróleo na Bahia, no Ceará, atingimos a auto suficiência com a Bacia de Campos, superamos todos os desafios e se não fosse a Petrobrás não teríamos descoberto o pré-sal, entre tantos outros marcos históricos. Lutamos muito para agir como um país que é produtor, e não importador, como o atual governo impõe como política”, conclui.
A luta por direitos é incessante
Buzanelli ingressou na empresa em 87, e durante o curso de formação em 88 já participava dos primeiros movimentos sindicais. Viu de perto todas as dificuldades, derrotas e conquistas que a categoria petroleira viveu. Por isso, é enfática: “Nada vem de graça, tudo é fruto de luta”.
Mais de 30 anos depois, se vê ao lado de petroleiros e petroleiras que estão sentindo de perto as mudanças nos ares do país diretamente em seu ambiente de trabalho. Isto porque, cada vez que a Petrobrás é vendida há um forte impacto nos postos de trabalho da região.
Abaixar a cabeça não vai resolver, só vai piorar
“A Petrobrás cumpre política governamental e hoje é movida por uma gestão que a enxerga como uma empresa privada, e não como uma estatal. Mas não podemos abrir mão do legado que temos, do orgulho brasileiro que temos pela nossa companhia. E mudar esta história está em nossas mãos, de mais ninguém”, reforça.
Em um período de ataques constantes e uma dificuldade ainda maior de manter a auto estima dos trabalhadores, Rosangela se mostra uma inspiração de luta e deixa um recado: “Abaixar a cabeça não vai resolver, só vai piorar”.