Presidente tenta passar solução de problemas para estados com ideias que podem prejudicar ainda mais combate à pandemia
Por João Paulo Soares
O descontentamento geral com os sucessivos reajustes no preço do diesel, da gasolina e do gás de cozinha levou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a vir a público na última sexta-feira (5) para dar algum tipo de satisfação à sociedade. Como de costume, ele eximiu-se de responsabilidade e empurrou o problema com a barriga.
Disse que o combustível é caro por conta dos impostos, em especial o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de competência dos Estados, e que seu governo prepara uma proposta para reduzir o peso desse tributo nos valores finais.
Tal estudo seria apresentado nesta semana. Depois, concluiu Bolsonaro, caberia aos governadores e às assembleias legislativas debruçarem-se sobre o assunto.
A semana começou e o estudo não apareceu. O que veio foram dois comunicados da Petrobrás “tranquilizando o mercado” a respeito da continuidade de sua política abusiva de reajuste de preços e, na segunda-feira (8), como que para confirmar esse compromisso, o anúncio de novos aumentos: 8,2% para gasolina, 6,2% para o diesel e 5,1% para o gás de cozinha.
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Estes aumentos, como todos os que ocorreram desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, nada têm a ver com a quantidade de impostos ou com suas alíquotas, como lembra Cibele Vieira, secretária de Administração e Finanças da FUP e diretora do Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo (Unificado-SP)
“A composição dos impostos no preço dos combustíveis não foi alterada (nos últimos anos). O que mudo, de 2016 pra cá, foi a política de preços da Petrobrás. Antes, a Petrobrás amortecia (o reajuste) nas altas (de preço) e compensava nas quedas. Ela era formadora de preço. Agora ela pega o preço internacional”, afirma Cibele.
Para ela, é impossível resolver a questão do preço do combustível por meio dos impostos. “Você pode zerar os impostos. Se continuar com essa política (de preços internacionais), com o tempo o petróleo vai aumentar e consumir o que tirou de imposto. Você só vai quebrar os Estados e continuar com o combustível caro”, resume a dirigente.
Segundo Cibele, a proposta serve apenas para Bolsonaro confundir a audiência e alimentar a guerra com os governadores. “Acho muito difícil mexer com o ICMS durante a pandemia. O desaceleramento da economia, que já estava patinando, diminui a receita dos Estados, e num momento em que os Estados têm que gastar mais. E se acontecer terá impacto nas ações de combate à pandemia”, calcula.
Acionistas privados em primeiro lugar
Desde a gestão Michel Temer, a Petrobrás passou a privilegiar o mercado e os acionistas privados da empresa, promovendo reajustes com base no Preço de Paridade de Importação que oscila conforme o valor internacional do barril, o dólar e os custos de importação. Isso leva a aumentos frequentes e muito superiores aos índices inflacionários.
De 2017 ao início de 2021, sem contar este novo reajuste, a gasolina aumentou 59,67%; o diesel, 42,64%; e o gás de cozinha, 130,79%. No mesmo período, a inflação acumulada foi de 15,02%.
“Essa política de preço com paridade internacional, quase que simultânea, gera enormes oscilações”, diz o economista e professor Eduardo Costa Pinto, pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis). “Basta qualquer possibilidade de conflito, qualquer processo de pandemia ou de crise, para o pre
Para ele, o único objetivo de tal política é maximizar os lucros, tratando a Petrobrás não como uma companhia de petróleo, mas como uma empresa financeira, em detrimento do bem-estar do conjunto da população.
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“Durante um longo período, entre 2010 e 2015, o gás de cozinha não subiu e isso não gerou grandes prejuízos à Petrobrás. Porque o gás de cozinha não é a principal fonte de receita da Petrobrás. Com a política atual, você gera piores condições para a população mais pobre para garantir lucro e rentabilidade aos acionistas privados. Quando Bolsonaro traz a discussão apenas para a lógica do ICMS, ele tira a responsabilidade do governo federal e reforça a ideia de que não existe nenhum problema na política de preços, e que ela deve ser mantida”, diz.
Importação e refinarias
Bolsonaro, seu governo e os defensores do atual modelo afirmam, entre outras coisas, que a vinculação direta aos preços internacionais se deve ao fato de o Brasil depender de importações para atender o mercado interno, sobretudo de óleo diesel. E propõem, para reduzir os preços e as importações, a solução mágica das privatizações.
“Tem uma parte que a gente importa mesmo”, ressalta Cibele. “E tem aumentado porque eles foram utilizando menos as refinarias. Agora voltou a utilizar, mas a produção nacional não dá conta do consumo de diesel. Por isso que, até 2015, o planejamento da Petrobrás era ampliar o parque de refino, não diminuir”, diz ela, citando alguns dos principais projetos que foram cancelados, suspensos ou reduzidos desde então, como a Rnest (Pernambuco), as refinarias Premium 1 e 2 (Maranhão e Ceará) e o Comperj (Rio de Janeiro).
O projeto de desmonte promovido pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes prevê a entrega de oito refinarias a grupos multinacionais e estrangeiros em 2021. Na segunda-feira (8), a RLAM (Refinaria Landulpho Alves), na Bahia, foi vendida por US$ 1,6 milhão a um grupo de Abu Dhabi.
Para Eduardo Costa, ao contrário do que afirmam o governo e seus apoiadores, tal processo deverá encarecer ainda mais os derivados e pode gerar desabastecimento.
“A Rlam e outras refinarias colocadas à venda funcionam como ‘mercado relevante regional’. A Rlam, por exemplo, atende a Bahia inteira. Não é possível colocar outra refinaria do lado, não tem escala para isso. O mesmo acontece em Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul. Ou seja: essas refinarias, sendo vendidas, vão virar monopólios regionais privados. E quando você tem um monopólio privado sem regulação, como a gente vê hoje, eles vão vender derivados pelo seu preço máximo – às vezes produzindo menos para reduzir custos. Isso inclusive pode gerar desabastecimento”, prevê.
Além disso, esse encolhimento da Petrobrás, na contramão do que fazem as grandes petroleiras do mundo, aumenta a vulnerabilidade da empresa e dificulta, para o Brasil, a retomada um projeto de desenvolvimento econômico industrial, com soberania e distribuição de renda.
“Nenhum projeto de Brasil é viável se não reverter esse processo de privatizações”, conclui o economista.