Terceirização é privatização

Em artigo, o doutorando em Geografia pela Unicamp, Carlos Salazar, mostra a inconsistência do discurso das terceirizações e aponta quem paga a conta: 81% das mortes na Petrobrás desde 1995 foram de terceirizados

“O filósofo camaronês Achille Mbembe demonstra como no neoliberalismo vivemos a necropolítica”, aponta Salazar (Foto: FUP)

Por Carlos Salazar*

Terceirização é um daqueles temas em que os representantes da empresa e do mercado afirmam: “é mais um ganha-ganha”. E, quando eles vêm com o ganha-ganha deles,   estamos acostumados a receber o perde-perde.

Qualquer terceirização de atividades do Estado é uma forma de privatização do dinheiro público, uma transferência de receita para uma empresa – geralmente para uma empreiteira (pertencente ao ramo tornado conhecido internacionalmente pelo superfaturamento dos contratos que deram causa à Lava Jato). Sem pensar em corrupção, é difícil resolver essa equação: como, colocando um patrão entre a Petrobrás e o serviço prestado, pode haver barateamento do custo e melhoria do serviço prestado?

Leia também: Terceirização em postos estratégicos na Petrobrás preocupa

O filósofo camaronês Achille Mbembe demonstra como no neoliberalismo vivemos a necropolítica. A terceirização tem cumprido justamente esse papel na Petrobrás: os terceirizados não têm a mesma PLR, não têm o mesmo plano previdenciário, o mesmo plano de saúde, por vezes não almoçam no restaurante da empresa, não têm acesso ao RH da unidade em que trabalham, não têm a mesma qualidade de treinamento, não são representados pelo sindicato da atividade-fim da empresa, não têm estabilidade alguma e, por isso, muitas vezes não exercem seu direito de recusa de serviços que ponham em risco sua vida.

O barateamento da mão de obra com geração de lucro é pago pelos trabalhadores terceirizados, que não desfrutam dos mesmos direitos que seus colegas de crachá verde (os primeirizados). A série histórica do número de mortes por acidente de trabalho (de 1995 a 2019) nos revela que essa necropolítica, no caso da Petrobrás, é literal. No período, 81% dos óbitos foram de terceiros. Agora a conta fecha, ou seja, o lucro dos donos das empreiteiras, não à toa chamadas de “gatas”, está na exploração da vida dos trabalhadores terceirizados.

Alguns colegas que se identificam com os valores liberais argumentam que a terceirização pode ser boa para a produção. Isso, na prática, só pode ocorrer se o contrato é algo bem específico, com empresas extremamente especializadas que podem transferir valor para a produção, ou contratos como de transporte de pessoal e refeição, em que empresas especializadas podem melhorar o serviço em virtude de seu know-how, de sua capacidade logística. No entanto, ao observarmos as condições salariais, de trabalho e de direitos dos motoristas, do pessoal da cozinha, da segurança ou da limpeza, logo vemos que o segredo do lucro dessas terceirizadas é o mesmo das empreiteiras.

A terceirização cumpre, ainda, o papel de destruir a capacidade de organização  por parte dos trabalhadores, pois cada contrato de terceirizada condiciona a filiação sindical de seus trabalhadores conforme o CNPJ da “gata”. Isso promove uma pulverização da representação no local de trabalho, inúmeros sindicatos representam os trabalhadores e nenhum deles consegue ter representatividade ali onde a vida acontece.

Além disso, a recente reforma trabalhista liberou a terceirização da atividade-fim, o que significa dizer que, se terceirizarem a operação, os sindicatos dos petroleiros podem deixar de existir antes mesmo da privatização da própria Petrobrás.

Aqui fica um dilema para as categorias organizadas do país: ou os sindicatos se reorganizam politicamente, trazendo a força de toda a coletividade dos trabalhadores, ou serão engolidos pela história, por esse movimento da necropolítica. Não há mais espaço para categorias privilegiadas. A consciência de que as conquistas são fruto não apenas das pautas locais, mas também da solidariedade entre todos os trabalhadores deve produzir uma política solidária entre sindicatos e movimentos sociais. 

Juntos somos fortes, o movimento sindical conhece o caminho. Que as atuais direções consigam dar uma resposta histórica à política de morte. Essa mesma que elege milicianos, que não compra vacina, que privatiza estatais e serviços públicos, que terceiriza, e que pretende destruir o movimento sindical.

*Carlos Salazar é doutorando em Geografia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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