Terceirização em postos estratégicos na Petrobrás preocupa: “Os riscos são enormes”

Apesar de terceirizações ocorrerem na estatal desde a década de 1980, a entrada de empresas privadas em atividades-fim começou a partir de 2016 e tem aumentado a cada ano

A Petrobrás fechou o ano de 2020 com 49 mil trabalhadores próprios e 92 mil terceirizados (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

Por Igor Carvalho | Edição: Guilherme Weimann

Enquanto reduz o quadro de funcionários, a Petrobrás avança com a terceirização em postos estratégicos da estatal, que influenciam a atividade-fim da empresa. O processo é criticado por trabalhadores, sindicalistas e pesquisadores que atuam no setor.

“Estamos, neste momento, em posição de enfrentamento dentro das refinarias, por exemplo, que é uma área central do funcionamento da empresa. Quando a terceirização acontece, os riscos são enormes. Nessa substituição, você perde a qualidade, perde a memória técnica e corre riscos ambientais, além de riscos de acidente de trabalho”, explica João Antônio Moraes, ex-presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e dirigente do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP).

Os números corroboram a preocupação de Moraes. A Petrobrás fechou o ano de 2020 com uma redução de 14% em seu quadro de funcionários em relação ao ano anterior. São, agora, 49 mil servidores. Em 2013, eram 86 mil funcionários, ou seja, houve uma redução de 43% em sete anos.

Na outra ponta, a Petrobrás encerrou 2020 com cerca de 92 mil terceirizados, quase o dobro do número de servidores. Essa proporção, no entanto, já foi bem maior, como explica Cloviomar Cararine, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Em 2000, tínhamos cerca de 50 mil terceirizados na Petrobrás. A partir de 2004 e 2005, esse número sobe três vezes e chegamos em 150 mil. Em 2013, no ápice, eram 360 mil terceirizados”, explica Cararine. De acordo com o economista, esse crescimento é explicado pelo investimento feito em governos petistas na estrutura e logística da empresa.

“Eram muitas obras de expansão, que faziam esse número subir cada vez mais. Por exemplo, se vai fazer uma reforma na refinaria, você contrata uma empresa e, junto, vem mais terceirizados. Isso gera esse boom de terceirizados”, aponta o economista.

Queda

A justificativa para a redução no número de terceirizados de 360 mil, em 2013, para 92 mil, em 2020, está na capacidade de investimento da Petrobrás. O plano de investimentos da estatal para o quadriênio 2015-2019 foi de U$$ 98,4 bilhões. Para o período seguinte, 2017-2021, foi de R$ 74 bilhões, uma redução de 25%.

partir do golpe de 2016, você passa a ter a substituição de servidores por terceirizados em atividades próprias da Petrobrás

Cloviomar Cararine, economista do Dieese

“Com a queda de investimentos, com as obras paralisadas, cai o número de terceirizados. Entretanto, começa um movimento, que é terceirizar a produção mesmo, a atividade-fim. A partir do golpe de 2016, você passa a ter a substituição de servidores por terceirizados em atividades próprias da Petrobrás”, justifica Cararine.

Histórico

Os processos de terceirização de postos de trabalho na Petrobrás é um fenômeno que data do século passado. “Desde os anos 1980, você tem a presença de terceirização. Mesmo na época do monopólio, a Petrobrás já contratava empresas para fazer serviços terceirizados. Mas não era a entrada da terceirização na atividade-fim. O setor de hotelaria, limpeza e alimentação sempre foi terceirizado”, explica o economista do Dieese.

No entanto, a expansão dos postos terceirizados para atividades estratégicas da Petrobrás é uma novidade recente. “A partir dos anos 2000, começa a entrar terceirizado em áreas de manutenção, que eram de exclusividade do efetivo próprio. Não era ainda a atividade-fim, eles não estão tirando petróleo, mas da manutenção das máquinas que tiram petróleo. A partir do golpe de 2016, você passa a ter a substituição de servidores por terceirizados em atividades próprias da Petrobrás”, lamenta Cararine.

A Reforma Trabalhista, aprovada em agosto de 2018 pelo Congresso Nacional, mas que foi idealizada no Palácio do Planalto pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), autorizou a terceirização da atividade-fim das empresas. Em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a decisão dos parlamentares.

A nossa mão de obra é muito especializada, é preciso muito acúmulo técnico para se desempenhar funções no mundo do petróleo

João Antônio Moraes, diretor do Sindipetro-SP

Para Moraes, há riscos nesse avanço de terceirizados em postos estratégicos da estatal, autorizados pela legislação de Temer. “A nossa mão de obra é muito especializada, é preciso muito acúmulo técnico para se desempenhar funções no mundo do petróleo. Olha, esses cargos exigem conhecimento de física, química, memória técnica e todo esse acúmulo se perde, quando chega um terceirizado.”

Em entrevista ao Sindipetro-SP, um trabalhador de uma refinaria, que pediu para não ser identificado, relata os problemas da terceirização no setor: “A empresa tem contratado terceirizados para assumir tarefas de uma das áreas do laboratório, o que nos deixa pressionados, porque se a gente fizer uma greve, o terceirizado não vai participar, porque ele será demitido”.

“Atualmente, nós estamos certificando produtos da Petrobrás com terceirizados assinando as análises, que nunca haviam sido mostradas para ninguém. Nós temos equipamentos nos laboratórios caríssimos, de última geração, que poucas empresas possuem. Esses terceirizados estão treinando, vendo todas as análises que se fazem nos combustíveis e daqui há alguns anos podem repassar todo esse conhecimento a empresas como a Shell ou a Ipiranga”, finaliza.

Moraes lembra que “para que o meio ambiente e a comunidade estejam seguros, primeiro é preciso que os trabalhadores estejam. Quando os trabalhadores não estão seguros, evidentemente, a comunidade e o meio ambiente perdem a segurança, podemos fazer essa relação com absoluta certeza”.

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