Quando a injustiça gera a fagulha para a luta

Como a punição a um petroleiro serviu para mostrar a solidariedade e a capacidade de luta da categoria

O que deveria servir para frear a luta, tornou-se combustível para a mobilização (Foto: Reprodução FUP)

‘Detalhista’, ‘estudioso’, ‘minucioso’, ‘responsável’. Esses são adjetivos repetidos pelos companheiros quando se referem ao trabalho de *Lopes, petroleiro ao estilo antigo para quem o conhecimento técnico é sinal de respeito e o bom trabalho é questão de honra.

Não é incomum vê-lo com uma pasta na Refinaria de Paulínia (Replan), onde carrega os manuais com procedimentos e informações técnicas sobre as máquinas que irá operar. Assim como é trivial observá-lo anotar dados sobre os equipamentos.

“Ele é alguém muito querido. Não somente por ser uma pessoa legal, mas, principalmente, por ser uma referência, um parâmetro para todos nós, alguém que chega a ser obcecado por fazer bem o trabalho”, comenta o diretor do Sindipetro-SP, Evandro Botteon.

Por conta disso, a punição durante a greve de janeiro de 2020 (leia mais nas páginas 4 e 5) soou como uma afronta. Sem dar brechas a críticas por conta do desempenho, Lopes incomodou a direção por ser leal à categoria.

“Eu me envolvi bastante com a greve, achei que era uma briga justa. E sabia que isso geraria uma reação contrária”, aponta.

Pavio curto com pelego

Ao final da paralisação, quando voltou ao trabalho, o incômodo com a falta de solidariedade dos fura-greves era inevitável.

“Quando eu olho para as pessoas que furaram o movimento, a cara delas já me incomoda. Porque eu não consigo entender como alguém pode ser tão individualista. Comecei a bater um pouco de frente, o pessoal acabou me marcando e acabei punido”.

A alegação para o afastamento por 10 dias do trabalho era de que não passava corretamente o serviço para o petroleiro que o sucederia, omitia informações e se portava de maneira grosseira no rádio utilizado para a comunicação. Atitudes impensáveis para quem prima pela excelência.

Campanha contra punição injusta e em solidariedade ao petroleiro ficou conhecida como 113 por 1 e cartazes foram fixados em pontos estratégicos da Replan (Foto: Arquivo Sindipetro-SP)

Quando a notícia se espalhou entre os petroleiros, a indignação foi imediata, assim como a mobilização e solidariedade.

O diretor do sindicato foi o responsável por organizar junto com outros companheiros, através de um aplicativo de mensagens, a vaquinha que arrecadou o valor equivalente ao que Lopes teve descontado.

Leia também: Greves mostram capacidade de luta das categorias, mas priorizam questões emergenciais

Sem perdão

Também o companheirismo prevaleceu no caso do técnico de operação da Replan Danilo Pedroso. Após 17 anos de serviços prestados à Petrobrás, ele sofreu a primeira punição em setembro de 2019 por conta de atrasos no início do cumprimento do turno.

À época, o petroleiro se desdobrava para cuidar da casa da mãe, que havia sofrido um derrame, e da própria família, adaptando-se à chegada do primeiro filho.

Com a autorização do supervisor, que conhecia as dificuldades por ele enfrentadas, Pedroso conseguiu um acordo para o ingresso atrasado no trabalho, desde que respeitasse os 10 minutos de tolerância. A decisão do gerente de turno, porém, foi transferi-lo para o administrativo, onde ficaria sob sua responsabilidade.

Após 20 dias no novo setor, Pedroso recebeu uma punição por escrito. Sem conversas e sem explicação.

Leia também: 37 anos depois, petroleiro lembra a greve de 1983 e a luta contra a ditadura

Por conta da advertência, ele ficou inelegível para o prêmio de produtividade, mas novamente a categoria entrou em campo e se mobilizou. A contribuição de todos os companheiros da destilação resultou em uma arrecadação que foi entregue ao petroleiro.

“Fiquei surpreso e muito emocionado com essa ação, que fortaleceu os nossos laços e o senso de solidariedade entre nós. Desde que o governo mudou e entrou o Bolsonaro, passamos a ter gerentes com o mesmo perfil na Petrobrás, mas isso não foi capaz de destruir nossa união”, aponta.

Para Evando Botteon, que, além da arrecadação, também ajudou a promover uma homenagem a Lopes na Rádio Peão, iniciativa da Associação Beneficente e Cultural dos Petroleiros e do Sindipetro-SP, mais do que o valor, a campanha foi um símbolo de que nenhum petroleiro de luta fica para trás.

“A punição foi baseada exclusivamente no relato de um cidadão que se sentiu ofendido e se juntou ao supervisor. Não tem contraprova, porque o Lopes jamais faria isso. Era um absurdo e nossa demonstração de força deixou claro que mesmo que vivamos tempos difíceis, somos parte de uma categoria maior do que qualquer um sozinho”, define o dirigente.

*O nome foi alterado a pedido do trabalhador

 

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