Respeito no local de trabalho e paridade no movimento sindical são desafios para trabalhadoras
Por Luiz Carvalho
Divorciada e com três filhas adolescentes, a mais nova de 13 anos, a técnica de segurança do trabalho Hildes Pedro tinha de confiar na relação de confiança e nos conselhos que dava para poder deixá-las sozinhas enquanto seguia, mesmo preocupada, para o trabalho na Refinaria Capuava (Recap), em Mauá (SP).
Primeira mulher no turno de Segurança Meio Ambiente e Saúde, conhecido pela sigla SMS,
a história de Hildes, atualmente aposentada, é a de muitas petroleiras (e brasileiras) que desbravaram espaços, lutaram e lutam para conciliar a vida pessoal com os anseios e desafios profissionais.
Muito já se avançou, mas ainda é necessário brigar para fazer valer o respeito em ambientes majoritariamente masculinos, aponta a petroleira.
“Quando eu comecei, senti que meu líder passava menos coisas pra mim do que para meus colegas, principalmente, porque era uma atividade exercida inicialmente só por homens. E essa dificuldade continua, basta ver quantas mulheres em cargos de gerência nós temos”, diz Hildes.
Uma discriminação que muitas vezes não se manifesta de maneira sutil, como conta a técnica de operação da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), suplente na direção da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e coordenadora do coletivo de mulheres petroleiras Andressa Delbons.
“Na área operacional, a quantidade de mulheres é ainda menor do que esse percentual que envolve o pessoal do administrativo, se chegar a 10% é muito. Quando entrei ouvi alguns homens falarem que ali não era lugar de mulher, que deveria estar em casa cuidando do marido ou estudar para estar num lugar melhor. Estou há 11 anos provando o contrário. São sempre comentários revestidos de um caráter de cuidado por parte dos homens”, critica Andressa.
Mulher? Para a limpeza
Para a Secretária de Administração e Finanças da FUP e uma das integrantes da Comissão Permanente de Negociação dos Petroleiros, que acampou no Edifício Sede da Petrobrás durante a mais recente greve da categoria Cibele Vieira quanto mais distante da gestão direta, mais claro o machismo se revela.
Segundo ela, já houve casos de terceirizadas que abertamente negaram a participação de trabalhadoras por uma questão de gênero.
“Há uns dois anos, na Refinaria de Paulínia (Replan), houve uma parada de manutenção, quando são contratados vários temporários. E foram abertas vagas para quem quisesse trabalhar permanente. Uma delas era de soldagem, quatro temporárias entregaram currículo, mas foi dito pela terceirizada que o engenheiro local não gostava de mulheres na área e perguntaram se não queriam encaminhar para a limpeza”, indigna-se Cibele.
O sindicato entrou em cena, reverteu a situação, mas as próprias trabalhadoras não conseguiram ser admitidas, abrindo a vaga a outras petroleiras.
Cibele acredita que para que haja uma percepção dessa desigualdade é fundamental diálogo e formação, inclusive para os dirigentes sindicais.
“Há 17 anos, quando entrei na Petrobrás, ouvia as mulheres feministas falando do machismo e não reconhecia muitas coisa que aconteciam. Por exemplo, quando vamos falar numa reunião e as pessoas dispersam mais. Quando isso acontece, você está negando o direito de voz àquela pessoa. Outro ponto é se referir ao gênero, ‘aquela mulher’, quando é uma crítica, e quando é elogio citar a pessoa, como se dissesse que alguém errou por ser mulher”, explica a petroleira.
Dificuldade de ascensão
E se o gênero já é um complicador para o crescimento num ambiente machista, a sindicalização fator exige coragem de quem deseja lutar pela categoria.
“Após a eleição do Bolsonaro, vimos que todos os gerentes se desfiliaram do sindicato e o pessoal de RH (Recursos Humanos) sofre muita pressão para não se sindicalizar. Essa linha de diferença entre empresa e o sindicato ficou bastante definida e marcada”, entende Andressa.
A diferença de tratamento, acredita Cibele, é reforçada em períodos de retrocesso democrático, como esse que o Brasil e outros países do mundo enfrentam. E se afirma como uma reação do conservadorismo à conquista de direitos.
“Quando a mentalidade predominante é de submissão, ela irá transparecer em todos os setores da nossa vida, negando a autonomia das mulheres e também do Brasil. Por isso vemos o Estado voltando a abrir mão da soberania nacional com ideais de privatização e sucateamento da educação, saúde e isso também nos afeta”, analisa a sindicalista.
Diferença salarial
De acordo com um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2019, as trabalhadoras eram 16,1% do quadro da Petrobrás. Em cargos de chefia correspondiam a 18,40%.
No filtro do concurso, a diferenciação por conta do gênero não pode ser aplicada, mas já com o trabalhador em ação, a categoria petroleira percebe que há peculiaridades inerentes a homens e mulheres, aponta Cibele.
“O número de mulheres a chefia tem aumentado, principalmente após a gestão da Graça (Graça Foster, ex-presidente da Petrobrás), mas também nos cargos de liderança vemos diferença. O supervisor imediato é visto como alguém que tem conhecimento técnico e o gerente é visto como alguém que tem de lidar com o lado humano, um trabalho que julgam ser mais adequado para as mulheres. E nós também temos a capacidade e o conhecimento técnico, como qualquer homem.”
Retrocessos com Bolsonaro
Para piorar, sob a gestão de Bolsonaro, o subcomitê de diversidade, que é um requisito para que Petrobrás mantenha um selo pró-igualdade de gênero, e que obrigatoriamente deve ter um representante dos trabalhadores, foi totalmente esvaziado.
Isso impacta em questões que seriam simples, mas fundamentais para as trabalhadoras, como a aquisição de uniformes para as mulheres, uma conquista dos sindicatos de petroleiros. A ausência dessas peças faz com que as mulheres trabalhem com uniformes inadequados e que prejudicam a produção, como calças com corte masculino que causam assaduras no período de grande calor.
Coletivo de mulheres
A reação a esse processo, entendem as petroleiras, ocorre por meio da atuação coletiva e em espaços como o Coletivo de Mulheres Petroleiras, que promoverá o 8º encontro nacional em Duque de Caxias (RJ).
Com o tema “Águas, mulheres e energia não são mercadoria – Petroleiros contra a privatização”, a atividade novamente se constituirá como um espaço de formação e encaminhamento de reivindicações para a FUP, sindicatos e para a proposta de Acordo Coletivo que a categoria apresenta à Petrobrás.
Foi a partir do coletivo que surgiram conquistas como o aumento do tempo da licença paternidade, a instalação de salas de aleitamento nas unidades ea ampliação do auxílio creche para homens.
Também foi com a mobilização que o número de trabalhadoras na direção partiu de nenhuma para oito (22% da diretoria). A evolução acompanhou também a participação das trabalhadoras na Plenária Nacional da FUP (PLENAFUP), de 2015, na qual o percentual de delegadas subiu de 8% para 14%.
Para a técnica química da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) e secretária-geral do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina Anacéli Azevedo é fundamental que o movimento sindical conecte-se com setores da sociedade que estão fora do sindicalismo, mas dividem os mesmos valores.
“Quando entrei na Repar, veio uma leva de mulheres e havia um clima de empoderamento diferente do que acontece hoje, quando há muito medo. Mas as mulheres que resolvem trabalhar na indústria, um espaço que habitualmente não é considerado para nós, já trazem uma consciência diferente. Estamos mais atentas, não permitimos mais o assédio e devemos utilizar essa consciência para dialogar além das bases e brigar por uma educação não sexista e pelo combate à violência. Não podemos mais naturalizar feminicídio”, defende Anacéli.