Quantia é a maior já paga pela estatal e representa cerca de 20,5% do valor total da empresa; para economistas, política não privilegia os brasileiros
Por José Eduardo Bernardes, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann
A Petrobrás voltou a registrar lucro no seu balanço trimestral. Segundo informe divulgado nesta quinta-feira (28), a empresa acumulou R$ 54,3 bilhões nos últimos três meses. No primeiro trimestre de 2022, a empresa já havia registrado lucro de R$ 44,5 bilhões.
O crescimento, cerca de 20% maior do que o esperado pelo mercado, foi impulsionado principalmente pelo aumento dos derivados de petróleo no mercado interno. Na comparação com o primeiro trimestre de 2021, eles tiveram alta de 62% (diesel 78%; gasolina 51%; e gás de cozinha 30%).
Com os resultados divulgados neste último balanço, a estatal anunciou que pagará R$ 87,81 bilhões em lucros e dividendos aos seus acionistas, que estão divididos, segundo a empresa, entre: investidores brasileiros (18,66%); investidores não brasileiros (44,73%); e o grupo de controle (36,61%), que inclui o governo federal e o BNDES.
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O pagamento recorde, segundo comunicado da empresa, deverá acontecer entre os dias 31 de agosto e 20 de setembro deste ano. No último trimestre, o valor pago aos acionistas da empresa foi de R$ 48,5 bilhões.
O professor do Instituto de Economia da UFRJ, Eduardo Costa Pinto, ressalta que o pagamento de lucros e dividendos aos acionistas da empresa representa “cerca de 20,5% do valor de mercado da Petrobrás, de R$ 428,7 bi, ou seja, ele representa um quinto do valor da empresa distribuído em apenas um trimestre”, explica.
Costa Pinto destaca que a manobra contábil realizada pela estatal para garantir os lucros bilionários inclui também a venda de ativos.
“Ela está distribuindo 22% a mais do que a geração de caixa operacional [R$ 71,8 bi]. O dinheiro está vindo de coparticipações, de acordos pagos por outras petroleiras, como a Total e Shell, pela venda de ativos da Petrobrás. No final do trimestre, ela terá R$ 100 bilhões em caixa, mas pagará R$ 87,8 bilhões em lucros e dividendos”, explica o professor.
O principal motivo para explicar esse aumento é o Preço de Paridade de Importações (PPI)
Desde 2018, a Petrobrás voltou a distribuir lucros na casa dos bilhões aos seus acionistas – antes, entre 2015 e 2017, o pagamento não passou de R$ 538 milhões. Até então, o maior valor desta distribuição havia sido registrado em 2009, três anos após a descoberta do pré-sal, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando foram pagos R$ 15,4 bilhões.
A divulgação do balanço bilionário da empresa ofuscou, inclusive, uma redução do preço médio da gasolina, que começará a valer a partir desta sexta-feira (29). A estatal revelou que o valor para as distribuidoras passará de R$ 3,86 para R$ 3,71 por litro.
Em nota, a empresa afirma que a “redução acompanha a evolução dos preços de referência, que se estabilizaram em patamar inferior para a gasolina, e é coerente com a prática de preços da Petrobrás, que busca o equilíbrio dos seus preços com o mercado global, mas sem o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural das cotações internacionais e da taxa de câmbio”.
Se em 2020, muito por conta da pandemia de covid-19, que alterou o consumo em todo o planeta, a empresa teve dificuldades operacionais e distribuiu ‘apenas’ R$ 6,6 bilhões, os valores tiveram salto gigantesco em 2021, quando foram distribuídos R$ 72 bilhões.
“O principal motivo para explicar esse aumento é o Preço de Paridade de Importações (PPI). Com a subida do preço dos derivados do petróleo internacionalmente, a Petrobrás está repassando integralmente aos consumidores esse aumento, sendo que os custos de produção aqui crescem numa velocidade muito menor do que os preços internacionais. Com isso, a Petrobrás aumenta fortemente o lucro, que é 23 vezes maior do que a média das petroleiras internacionais”, aponta Costa Pinto.
O PPI, instaurado durante a gestão de Michel Temer na presidência, em 2016, atrela o valor dos combustíveis nas refinarias nacionais às cotações do barril no mercado internacional, ao dólar e aos custos logísticos estimados de importação.
Lucros e dividendos
Para entender o que são os lucros e dividendos distribuídos pela petroleira, é importante conhecer como está dividido o capital da empresa, que se tornou uma economia mista – ou seja, parte privada, parte estatal – em 1997, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em uma operação de venda de ações na Bolsa de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Hoje, as ações da Petrobrás, conhecidas na Bolsa de Valores como PETR4, estão divididas em ordinárias e preferenciais. As de caráter ordinário são aquelas que dão direito a voto, por isso, quem detém número significativo de ações adquiridas desta natureza, consegue influenciar nas decisões da estatal. No caso das ações preferenciais, seus detentores estão aptos a receber lucros e dividendos, mas não têm direito a voto.
O governo brasileiro detém 50,26% de ações com direito a voto, o que lhe garante uma maioria das cadeiras no Conselho de Administração da empresa e, em tese, lhe permite determinar os rumos que a estatal tomará. Outra parte, 8,58%, é destinada a investidores brasileiros. Já os investidores estrangeiros detém 41,16% das ações ordinárias.
Já as ações preferenciais, estão divididas em 49,49% para investidores estrangeiros, 32,03% para investidores brasileiros, enquanto o governo federal, chamado de grupo de controle, detém apenas 18,48% das ações.
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Se por um lado, setores da oposição e dos trabalhadores organizados da Petrobrás sempre questionaram a política de pagamento de dividendos aos acionistas minoritários, em detrimento do número cada vez mais baixo de investimentos realizados pela empresa, por outro, o governo federal também entrou em rota de colisão com esses mesmos acionistas, principalmente após a alta dos combustíveis durante o ano eleitoral.
O impacto inflacionário dos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha chegou ao bolso dos brasileiros. Mesmo assim, os valores pagos aos acionistas seguiram a tendência de alta, trimestre após trimestre. A combinação fez o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que vê cada vez mais baixas as chances de uma reeleição, e seu aliado e presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criticarem a divisão de lucros da estatal.
Enquanto critica os lucros da empresa, Bolsonaro avoluma medidas eleitoreiras para arrefecer as críticas à sua gestão, entre elas está a redução do ICMS (Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de estados e municípios para derivados de gás e petróleo.
A decisão foi embasada por uma determinação judicial, proferida pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF) – indicado por Bolsonaro – de uniformizar nos estados da União a cobrança de ICMS.
“A questão central é que o governo, quando faz essas mexidas, reduzindo o ICMS da gasolina, reduz os seus impostos. Mas, por outro lado, aumenta o lucro [da Petrobrás] e aumenta os seus dividendos”, afirma Cloviomar Cararine, analista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
“Há uma relação direta entre a redução do ICMS e a manutenção da política de preços, os lucros e o pagamento de dividendos. É um efeito quase nulo. O problema é que a parte desses dividendos que vão para a União, geralmente caem no orçamento e a gente não consegue identificar. E uma parte importante deles acaba indo para o pagamento da dívida, que volta novamente aos investidores, que detém títulos da dívida pública brasileira”, completa o analista do Dieese.
Outra política levada a cabo pelo governo federal é a do desinvestimento e da venda de ativos da empresa. Para Eduardo Costa Pinto, “o investimento não está nem repondo o desgaste das reservas”.
“O que esses dividendos poderiam estar gerando é um aumento do investimento. Por exemplo, investimento em energia renovável, para pensar a Petrobrás como uma empresa energética daqui a 30, 40 anos. Mas é o contrário, a Petrobrás está vendendo ativos de energia renovável”, comenta o professor da UFRJ.
Maiores acionistas
Entre os 10 maiores acionistas ordinários, ou seja, com direito a voto, estão dois dos maiores fundos de investimento do mundo, os estadunidenses Vanguard Group (2,16%) e Blackrock (0,28%). Esses grupos são responsáveis por administrar cerca de U$S 17 trilhões de ativos em todo o planeta.
O Banco Clássico, o segundo maior acionista minoritário com 1,84% das ações, é um fundo que controla os ativos de José João Abdalla Filho, conhecido como Juca Abdalla. As contradições do bilionário, inclusive, já foram publicadas aqui neste espaço.
Outra parte é controlada pelo Norges Bank, o banco central da Noruega. O fundo de investimentos da instituição detém 1,68% das ações ordinárias.
Dois fundos brasileiros também aparecem na lista: a Caixa Econômica Federal detém 0,91% das ações e o Itaú/Unibanco responde por 0,59% das ações. Os fundos administram ativos que vão de pessoas jurídicas a pensionistas do banco estatal.
Outras empresas estadunidenses, como a Dimensional Fund Advisors, fundo sediado em Austin, no Texas (0,52%) e a FMR LLC, fundo de investimentos com sede em Boston (0,27%), também compõem o quadro acionista da Petrobras. Além do Government Pension Investment Fund Japan, fundo de pensões do Japão, que detém 0,25% das ações.
Quem controla o Conselho de Administração da Petrobrás?
Apesar das críticas, o governo Bolsonaro foi o responsável por colocar cada vez mais dividendos nas mãos dos investidores. O poder de decisão do governo federal sobre os rumos da empresa tem diminuído cada vez mais. Se no início de sua gestão, o grupo controlador detinha oito dos 11 assentos com direito a voto no Conselho de Administração da Petrobrás, esse número passou a seis, atualmente. Outros quatro assentos são destinados a acionistas minoritários e o último deles a um representante dos trabalhadores da empresa.
O governo atual reclama, mas ele poderia ter feito a maioria [no Conselho de Administração da Petrobrás]. Só que ele colocou no Conselho o pessoal de mercado
Na última quarta-feira (27), este mesmo Conselho aprovou a Diretriz de Formação de Preços no Mercado Interno. A medida permite aos conselheiros fiscalizar os valores aplicados na venda de derivados de petróleo e gás natural. Apesar da Petrobrás apontar, em nota, que os valores seguirão sob a competência da Diretoria Executiva, a tendência é que os reajustes sejam, de fato, avalizados pelo Conselho da estatal.
“O acionista majoritário [governo federal] consegue indicar um volume grande de conselheiros e sempre consegue ganhar em qualquer decisão. O governo atual reclama, mas ele poderia ter feito a maioria [no Conselho de Administração da Petrobrás]. Só que ele colocou no Conselho o pessoal de mercado. Ou seja, você tinha no Conselho de Administração o interesse muito maior dos minoritários, sendo indicados pelo próprio controlador”, explica Eduardo Costa Pinto.
A empresa seguirá no foco do debate público no país durante todo o ano. Na corrida eleitoral, dois dos principais candidatos à presidência, o ex-presidente Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), já alertaram que, se eleitos, irão alterar a política de preços da Petrobras. Lula chegou a dizer, inclusive, que derrubará a PPI, instaurada por Michel Temer, em 2016.
O professor da UFRJ lembra que as decisões sobre as finalidades da Petrobrás, enquanto empresa estatal, deveriam estar sob o comando do governo federal. Ele destaca que a Lei das S.A., promulgada em 1976, abre brechas para que mudanças na composição atual da divisão de lucros e dividendos seja alterada.
“Há uma discussão do quanto é possível ou não baixar os preços e ao mesmo tempo reduzir a margem de lucro e aumentar o investimento. Tecnicamente, isso é possível. Isso pode gerar processos jurídicos? Pode, mas por lei é possível, porque o artigo 238 da lei das SA’s diz que a administração pode adotar critérios de objetivos comuns para os quais a empresa de economia mista foi criada”, explica Costa Pinto.
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O artigo mencionado pelo professor da UFRJ define que “a pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
Para além do amparo legal, aponta Costa Pinto, a Petrobrás tem hoje “uma gordura enorme e dá para reduzir preço e ainda aumentar o investimento”.
“Evidente que você vai reduzir fortemente a distribuição de dividendos. Por lei, no artigo 8º do Estatuto da Petrobrás, e também da Lei das S.A., a única obrigatoriedade é que a empresa é obrigada a distribuir como dividendos 25% do lucro ajustado. Tudo o que ela distribui a mais tem a ver com a decisão da empresa”, completa.