Parecer científico aponta que “diagnóstico da covid-19 em petroleiros é presumidamente relacionado ao trabalho” e que casos de covid-19 na estatal equivale a 4.448 por cada 100 mil pessoas, incidência maior do que o dobro da população brasileira, que é de 2.067 casos por cada 100 mil habitantes
Da imprensa da FUP
Estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) traz contribuições fundamentais para a “investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de óleo e gás” a partir da análise das contaminações por covid-19 em plataformas de petróleo.
O parecer desnuda a política da Petrobrás de prevenção e combate à proliferação do coronavírus e reforça as diversas denúncias feitas pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos filiados sobre a negligência dos gestores da empresa na proteção dos trabalhadores, próprios e terceirizados, durante a pandemia.
Os impactos psicossociais do trabalho offshore ganharam uma dimensão ainda maior neste período. Isto é o que ressalta o parecer científico da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz: “o trabalho desenvolvido pelos petroleiros em plataformas, que normalmente já caracteriza-se por envolver fortes riscos psicossociais, com a pandemia do covid-19 ficam ainda mais exacerbados”.
O documento também destaca que “é esperado que entre um terço e metade da população exposta pode vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica que pode persistir por longos períodos, incluindo dificuldades para retomar as rotinas e atividades de trabalho, e para reenquadrar os projetos de vida”.
O parecer científico, assinado por médicos, epidemiologistas e pesquisadores da Fiocruz, evidencia que “a relação da covid-19 com o trabalho (ou seja, o nexo causal) possui natureza epidemiológica” e que “o diagnóstico da covid-19 em petroleiros é presumidamente relacionado ao trabalho”.
Além disso, o estudo revela que a negativa da Petrobrás em admitir a relação da doença com o trabalho, recusando-se a emitir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para os petroleiros infectados, inclusive os que morreram em consequência da doença, tem motivações econômicas.
Como os pesquisadores da Fiocruz ressaltam no documento, os indicadores de ocorrências e de acidentes de trabalho constam nas estatísticas enviadas à Associação Internacional dos Produtores de Óleo e Gás (IOGP) e impactam na avaliação e classificação da Petrobrás e, consequentemente, na concorrência internacional.
“O reconhecimento da covid-19 como doença do trabalho e a emissão da CAT implica elevar a TAR (Taxa de Acidentes Registráveis), um dos indicadores de desempenho das empresas do setor vinculado a dinâmica da concorrência internacional”, ressalta o parecer.
Divergência de dados
Outro fato que chama a atenção no estudo é a gravidade dos números de trabalhadores contaminados no Sistema Petrobrás e as divergências entre os dados divulgados pela empresa e pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Balanços do MME, divulgados entre 11 de maio e 13 de outubro, apontam que a Petrobrás registrou 2.065 casos de covid-19 entre os seus 46.416 trabalhadores próprios. Já a petroleira, de acordo com o último boletim do MME, aponta três óbitos, oito funcionários hospitalizados atualmente, 104 em quarentena e 2.127 curados.
Comparando o número de infectados com o total de trabalhadores da estatal, os pesquisadores revelam que a frequência dos casos de covid-19 (expressa na incidência por 100 mil) entre os petroleiros é comparativamente maior do que a incidência na população brasileira.
Tomando como base os dados do Boletim de Monitoramento da covid-19 do MME, de 14 de setembro, o parecer destaca que o “total de casos de covid-19 na Petrobrás equivale a uma incidência de 4.448,9 casos/100 mil, o que corresponde a uma incidência maior do que o dobro (2,15) da incidência registrada em todo o Brasil (2.067,9), até esta mesma data (14/09)”.
Diante deste quadro, de acordo com a FUP, é “irresponsável a Petrobrás ainda manter ativa a NT 28, que foi condenada por diversos fóruns de saúde e de epidemiologistas, além de rechaçada pelo Ministério Público do Trabalho”.
“IgG positivo não garante imunidade que dê respaldo científico à NOTA TÉCNICA 28/2020 da Petrobrás, assim como não há garantias de impedimento de processos de reinfecção por coronavírus”, reitera o parecer da Fiocruz.
Os gestores da Petrobrás, no entanto, insistem em usar a NT 28 para validar o embarque e a permanência nas plataformas de trabalhadores que tiveram resultados positivos nos testes sorológicos rápidos. O mesmo procedimento continua sendo adotado nas unidades operacionais de terra.
Por fim, o parecer científico da Escola de Saúde da Fiocruz reforça a recomendação para que as empresas de petróleo emitam a CAT: “Para todos os trabalhadores petroleiros com diagnóstico de Covid-19, os empregadores devem emitir CAT e registrar o evento na Ficha do Sistema de Informações dos Agravos de Notificação (Sinan) para fins de Vigilância Epidemiológica e Vigilância em Saúde do Trabalhador.”