Por Rôney Rodrigues, especial para o Sindipetro Unificado-SP | Ilustração: Vitor Teixeira
Dizem que um cão abana o rabo quanto está satisfeito, mas que o homem não o faz por decoro público. Alguns, por compromisso de classe. Nada de especismo, mas é que há patrões que almejam tratar trabalhadores como seus pets – e, por vezes, conseguem. Acontece aos pouquinhos, como nessa história.
Toda quinta era sagrada: um grupo de petroleiros aposentados se reunia para tomar umas cachaças no boteco do Luizão. Se alguns bebem para esquecer, eles bebiam para lembrar: o heroico movimento paredista de 1995, os impasses na defesa da Petrobras, a criação da FUP… Nem se deram conta da estranha antropomorfização ao revés quando Herval, farejando esquerdismo sindical com um focinho recém-protuberado, contou que ouvira na Jovem Pan que nada havia de errado com a democracia – tirando fato dela estar ausente, o que não disse – e que, apesar das lamúrias dos amigos, a economia enfim voltava a crescer – com a ajuda de Paulo Guedes, o que disse. Tirando o insólito focinho animalesco, que todos evitaram comentar, contemporizaram que Herval devia só ter “envelhecido mal”.
Na quinta seguinte, sua língua parecia ter triplicado de tamanho, já nem cabia dentro da boca, gotas de saliva pingavam sobre a mesa de madeira. Estava mais peludinho, brilhoso, sentindo-se com pedigree. Com fidelidade canina ao discurso oficialista, disse que andara lendo coisas de um filósofo muito importante, chamado Olavo de Carvalho, e pensava que a desestatização da Petrobras não é, bem assim, uma loucura – e poderia aliviar o rombo nas contas públicas provocado por “anos de roubalheira”. Nem deu chance para os amigos retrucarem, disparou latindo atrás de um motoqueiro de Rappi, até perder o fôlego.
Herval não apareceu nos outros encontros. Entre uma cerveja e outra, os petroleiros conjecturavam sobre as possibilidades de vitória da greve frente a perseguição implacável do TST e o indecoroso chamado do sinhô Roberto Castello Branco para aposentados traírem a categoria. Quem seria capaz disso, um deles se perguntou. O Herval, tascou outro. Contou que o vira em frente a uma refinaria; quase não o reconheceu, já peludinho e arqueado em quatro patas, transportado por seguranças dentro de uma caixa de mão para pets. Rosnou para os grevistas e, seguro, voltara ao trabalho. A domesticação voluntária concluíra-se. Poderia agora comer as sobras da janta, sentar-se sobre chinelos velhos e estar abrigado em coleira patronal. Afinal, o fura greve é o melhor amigo do patrão.
“Pobre dos cãezinhos”, concordaram, antes de pedirem a saidera.