Patrocínio da Petrobrás à Marcha Trans reforça compromisso com a diversidade e reacende debate sobre inclusão e representatividade

Por José Paulo Machado Toguchi
No dia 27 de setembro, São Paulo foi palco da 8ª Marcha do Orgulho Trans — um evento de grande relevância na luta por visibilidade, dignidade e direitos da população trans no Brasil. Para toda a categoria petroleira, foi motivo de grande orgulho ver a Petrobrás como principal patrocinadora da marcha. Essa escolha representa um posicionamento claro da empresa a favor da diversidade e da inclusão LGBTQIAPN+, e rompe com a ideia antiquada de que empresas devem se manter “neutras” diante de pautas políticas e sociais.
A verdade é que argumentos como esse têm a profundidade de um pires. Grandes corporações, como a Petrobrás, não podem continuar influenciando mercados e moldando sociedades ao redor do mundo enquanto se escondem atrás da suposta neutralidade quando o assunto é direitos humanos. Aliás, sempre que alguém reivindica neutralidade diante de injustiças, sabemos bem de que lado, na prática, está se posicionando. Promover diversidade, equidade e inclusão não é um gesto simbólico ou decorativo — é um posicionamento estratégico, ético e, acima de tudo, um compromisso de responsabilidade social.
Na semana anterior ao evento, tive a honra de receber funcionáries trans que vieram de diversas partes do país para participar da marcha. Fui designado para apresentar a Refinaria de Capuava, onde trabalho, como parte da programação de acolhimento organizada em São Paulo. Mais do que uma visita institucional, esse encontro se transformou em um momento profundo de troca, reencontro e fortalecimento coletivo. Como nos lembra a ativista indígena Geni Núñez, pensar o coletivo nos ajuda a não nos perdermos “nas questões de si a ponto de esquecer as feridas e alegrias do mundo”. Foi isso que vivemos juntos ali: um espaço de conexão, empatia e celebração. Talvez eu só possa falar do que senti, mas havia uma vibração comum ali — nos olhos úmidos, nos abraços apertados — que revelava o quanto aquele encontro nos atravessou de forma profunda.
A marcha começou de forma impactante. Day Oliveira, o único homem trans da companhia, subiu ao carro de som e fez um discurso potente, que emocionou quem estava presente. Ver um amigo e colega ocupando aquele espaço, com tanta dignidade e coragem, foi um dos momentos mais marcantes da marcha. Mas nem tudo foram flores.
Pouco depois, vivemos um episódio lamentável. A deputada estadual Carolina Iara — mulher trans, negra e intersexo — teve seu microfone cortado pela organização da marcha, sendo impedida de discursar. Em contraste, a deputada federal Erika Hilton foi destacada como convidada de honra, reconhecimento absolutamente merecido, sem dúvida.
No entanto, a diferença de tratamento entre as duas revela uma lógica seletiva preocupante: a diversidade, por vezes, é tratada como espetáculo, em que apenas quem já possui visibilidade midiática tem espaço. Enquanto isso, vozes emergentes, especialmente as mais radicais e disruptivas, seguem sendo silenciadas.
Day Oliveira, em seu discurso, fez um comentário interessante obre o slogan da marcha, “transascender”: “Ascender sendo trans, infelizmente, ainda é viver além dos 35 anos. Ascender ainda é pertencer aos apenas 4% das pessoas trans que têm emprego formal, entre tantos outros índices tristes que jamais podemos ignorar.”
Esse trecho nos convida a refletir sobre qual ascensão estamos promovendo. Que tipo de “transascendência” é celebrada quando parte da própria comunidade é impedida de falar?
A Marcha Trans, importante e necessária, tem sido alvo de críticas há alguns anos por supostamente estar capturada pela lógica dos patrocínios. O episódio envolvendo Carolina Iara apenas reforça essa percepção de que o evento está se transformemando mais em uma vitrine publicitária do que em um espaço de transformação social.
Nesse sentido, é fundamental refletirmos também sobre o papel das empresas patrocinadoras. A Petrobrás tem avançado nas suas políticas de diversidade e inclusão — e seu apoio à marcha deve, sim, ser reconhecido. Eventos como esse têm enorme alcance e simbolismo.
No entanto, precisamos ir além da visibilidade. Precisamos fazer perguntas difíceis:
Por que a Petrobrás concentra recursos em eventos de grande apelo midiático, enquanto movimentos, coletivos e entidades que atuam no cotidiano do enfrentamento à desigualdade seguem subfinanciados ou invisíveis?
Esses patrocínios são apenas simbólicos ou de fato transformam vidas?
Quais critérios definem quem será apoiado e qual diversidade será mostrada?
Reconhecer os avanços é importante, mas isso não nos isenta de cobrar coerência. A transição energética justa, frequentemente mencionada pela Petrobrás, só será realmente justa se for inclusiva. E isso significa colocar a população trans no centro desse processo.
Que Carolina Iara receba, além da nossa solidariedade, o devido reconhecimento como liderança essencial na construção de um futuro mais justo, plural e verdadeiramente humano.
*José Paulo Machado Toguchi é petroleiro da Refinaria de Capuava
