O dia 26 de agosto marca os 22 anos da unificação de três sindicatos de petroleiros do estado de São Paulo
Por Guilherme Weimann | *Matéria publicada originalmente em 26 de agosto de 2022
A luta não começou há 22 anos. A própria unificação de três sindicatos de petroleiros do estado de São Paulo (Campinas, Mauá e São Paulo) começou muito antes. O dia 26 de agosto de 2002, na verdade, marcou a formalização de uma unidade forjada na luta, no chão de fábrica, nas greves e nas confraternizações, sejam elas regadas com conhaque ou com cachaça de cambuci.
Essa é a opinião de Carlos Cotia, nascido em Volta Redonda (RJ) e filho de operário da Companhia Siderúrgica Nacional, que se tornou petroleiro em 1973 ao ingressar na Refinaria de Capuava (Recap), em Mauá (SP).
“A unificação não é uma decisão de cúpula, nem de diretoria. A gente já tinha uma prática de se reunir sistematicamente. Tudo que a gente fazia era a partir de reuniões, que traçavam estratégias conjuntamente. Já havia uma unificação na luta. A base, inclusive, cobrava muito a unificação, ela já entendia a sua importância”, recorda Cotia.
Já havia uma unificação na luta
A ideia da unificação era, de acordo com Cotia, fortalecer vários sindicatos pequenos em um instrumento com maior poder de mobilização. “Os sindicatos dos petroleiros sempre se organizaram por fábrica, o que nos diferencia dos demais. Na medida que você é um sindicato por fábrica, você é um sindicato menor, com uma estrutura menor”, explica Cotia.
Por representar trabalhadores de uma única empresa, a Petrobrás, os sindicatos cogitaram a ideia de unificação desde a década de 1960, de acordo com João Antônio de Moraes, petroleiro desde 1984 na Recap.
“O debate da unificação dos petroleiros é antigo. Antes do golpe militar, o Sindipetro de Cubatão já discutia a necessidade de se construir um sindicato único no estado de São Paulo. No nosso caso, é uma só empresa, a Petrobrás, e todos os trabalhadores concursados. É tudo muito parecido. Se você pegar um petroleiro do Rio Grande do Sul e outro do Rio Grande do Norte, a diferença vai ser o sotaque. Porque todos vivem uma só empresa”, opina Moraes.
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A unificação, entretanto, não era defendida de maneira unânime dentro da direção dos sindicatos. Wilson Santarosa, petroleiro desde 1975 na Refinaria de Paulínia (Replan), a maior do país, era um dos que se colocavam contrários à proposta.
“A discussão inicial era realmente fazer um sindicato único do estado de São Paulo. Mas existia muita resistência do pessoal de Cubatão e do pessoal de São José dos Campos. Já que não unificava o estado todo, eu achava que não valeria a pena. Nós tínhamos três sindicatos pequenos, que eram Campinas, Mauá e São Paulo. Eu achava que a gente tinha três fanfarras, com muitos bumbos, que faziam muito barulho. E se unificasse, nós teríamos uma só, fazendo o mesmo barulho”, compara Santarosa.
Na época da unificação, inclusive, o histórico dirigente do Sindipetro Campinas elaborou outra metáfora, que se tornou piada com o passar dos anos. “A indicação era que o coordenador do Sindipetro Unificado seria de Mauá. E foi nessa hora que eu falei: ‘Vocês estão loucos, né?! Estão unindo um McDonald’s com um dogueiro e estão dando a direção para o dogueiro’. Eu era ferrenhamente contrário, inclusive por isso. Já que iria unificar, eu achava que a coordenação deveria ficar com Campinas. Na época ficaram bravos, mas depois virou brincadeira e, hoje, eu vejo que a unificação estava realmente correta”, aponta Santarosa.
Origens
A história dos sindicatos de petroleiros do estado de São Paulo estão todas entrelaçadas. Um dos fundadores do Sindipetro Campinas, por exemplo, conheceu a Petrobrás e o sindicalismo no Litoral Paulista. Jacó Bittar, falecido em maio deste ano, tornou-se operador na Fábrica de Fertilizantes de Cubatão em 1962. Em 1971, com a privatização da unidade, transferiu-se para a Refinaria de Paulínia (Replan), que seria inaugurada apenas no ano seguinte.
E foi justamente a convite de Jacó Bittar que o petroleiro Antônio Carlos Spis ingressou na diretoria do Sindipetro Campinas, em 1982. Logo no ano seguinte, ajudou a conduzir a primeira greve da categoria contra a ditadura militar.
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“A gente tinha descoberto uma carta do governo Figueiredo ao FMI [Fundo Monetário Internacional], que garantia a redução de custeio nas empresas públicas e de economia mista. A gente traduziu aquilo como redução de pessoal e marcamos a greve para que o governo garantisse que não houvesse demissão”, conta Spis.
Foram seis dias de greve na Replan, em Paulínia (SP), e na Refinaria Landulpho Alves (Rlam), em São Francisco do Conde (BA). Apesar da vitória política de enfrentamento à ditadura, o saldo foi de 357 demitidos, incluindo Spis.
“Eles criaram três listas. Uma dos que não podiam voltar mais para a Petrobrás. Uma outra lista dos que podiam voltar, contanto que não fosse na Rlam e nem na Replan. E outra lista dos que podiam voltar. E a gente começou a negociar”, lembra Spis.
Após vários meses de negociação, os trabalhadores começaram a ser readmitidos, mas as lideranças sindicais foram realocadas para outras unidades. “A Petrobrás errou ao distribuir o germe da luta. A greve de 1983 foi um explodir de lideranças sindicais espalhadas pelo país. Eu acabei indo pra São Paulo e lá iniciei, junto com outros companheiros, o movimento sindical”, relata Spis.
Ao lado de Spis, também foram realocados para a capital paulista os ex-dirigentes de Campinas Francisco de Paula Garcia Caravante e Demétrio Vilagra. Lá, após um processo lento e gradual, fundaram o Sindipetro São Paulo, em 1987.
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Além dos seus companheiros de Campinas, no Escritório da Petrobrás em São Paulo, onde passou a ficar lotado, Spis encontrou petroleiros de Mauá, que haviam sido afastados pelo golpe militar de 1964.
Em 1960, trabalhadores da Refinaria União, de propriedade privada, juntaram-se para fundar o Sindipetro Mauá. Poucos anos depois, em 1963, o sindicato experimentou sua primeira grande mobilização, que gerou a conquista do turno de 6 horas e a encampação da unidade pela Petrobrás.
Todos esses avanços, entretanto, foram interrompidos pelo golpe militar de 1964. Logo após tomar posse, o governo ditatorial anulou a encampação da refinaria, demitiu mais de 100 trabalhadores e fechou as portas do Sindipetro.
A reincorporação da unidade pela Petrobrás foi ocorrer apenas 10 anos depois, em 1974, quando foi renomeada como Refinaria de Capuava (Recap). Pouco tempo depois, na efervescência do novo sindicalismo surgido na região do ABC paulista, os petroleiros conseguiram se reorganizar enquanto categoria. O resultado disso apareceu no dia 1 de março de 1977, com a refundação do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Destilação e Refinação de Petróleo de Mauá, o Sindipetro Mauá.
“É um sindicato muito antigo, que foi destruído e apagado durante o golpe. E, por isso, teve que ser refundado pelos trabalhadores. O processo de retomada foi na marra. E foi justamente durante o levante dos metalúrgicos do ABC. Foi um momento que simbolizou a tomada de consciência do movimento sindical”, recorda Cotia.
Nesse contexto, a aproximação com os petroleiros de Campinas transferidos para São Paulo foi quase automática. Petroleiro desde 1979, Vereníssimo Barçante conta que chegou a ser filiado aos dois sindicatos ao mesmo tempo, Mauá e São Paulo.
“As bases de São Paulo ficaram por muito tempo ligadas à Mauá, até que decidimos fundar o Sindipetro São Paulo, em 1987. Mas eram bases ainda sem um histórico de luta. O Escritório da Petrobrás, que ficava na Rua dos Ingleses, chegou a ter 1300 pessoas, mas participaram das greves somente 70 ou 80 trabalhadores. O Spis apelidou aquele prédio de de ‘malandro do Bexiga’, porque era magro, alto, de óculos escuros, sem função nenhuma”, brinca Barçante.
Unificação
O Congresso Estadual dos Petroleiros, em julho de 1996, marcou o início das discussões formais sobre a unificação. “O primeiro setor que foi unificado foi justamente a comunicação. Toda segunda-feira de manhã a gente fazia uma reunião com os cinco sindicatos. E aí era definida uma pauta para o jornal e uma agenda política que dava a nossa linha de atuação. Logo na sequência, unificamos a secretaria de saúde e segurança do trabalho”, afirma o petroleiro da Replan, Itamar Sanches.
Ao longo dos anos, o principal desafio foi convencer de que a unificação traria mais poder político aos trabalhadores, sem, contudo, perder em democracia. “Sindicato, pra ser sindicato, tem que ser democrático. Se não for democrático, pode ser clube, grêmio, seja lá o que for. Porque o sindicato tem que possuir força política, e um sindicato só tem força política se o trabalhador se sentir representado. Então, quem vai se sentir representado em uma organização que não tem democracia? Nesse sindicato, a direção encaminha, mas quem decide sempre foi a base”, reitera Moraes.
Foi com esse espírito que, após seis anos de discussões e aproximações, no dia 26 de agosto de 2002, fundou-se o Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo. Pelo caminho, entretanto, ficaram os sindicatos do Litoral Paulista e de São José dos Campos, que se mantém independentes até hoje.
Nova geração
Logo após a unificação, em 2002, iniciou-se um processo de renovação dos dirigentes sindicais, que continuam à frente do sindicato até hoje. “O Unificado, na minha avaliação, consegue permanecer unificado até hoje pelo respeito às culturas locais. E quando eu falo culturas locais têm as regionais, mas é para além disso. A regional Campinas, por exemplo, tem uma refinaria e uma termelétrica. Mesmo dentro das regionais existem características distintas das bases. E a gente sempre teve uma habilidade muito grande de respeitar essa diversidade, essa é a força do unificado”, opina a petroleira Cibele Vieira, atualmente diretora também da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Já o petroleiro Arthur Bob Ragusa, também da FUP, aponta que o sindicato representou uma verdadeira revolução na sua vida. “Na minha bolha, no meu convívio familiar, a política era tratada como uma coisa suja, uma coisa ruim, e os sindicatos também. Eu me recordo de escrever um texto no qual eu colocava a ideia de que, se necessária, deveria ser utilizada uma força mais autoritária pra colocar o país nos trilhos. E divulguei isso no meu blog. Essa minha visão de mundo começou a mudar primeiro quando entrei na Petrobrás, mas principalmente, e radicalmente, quando entrei no sindicato. O trabalho ganhou outro significado. O sindicato me transformou, completamente. Eu fui aprendendo muito, muito. Até hoje, o sindicato me educa. O principal papel do sindicato, pra mim, é elevar o nível de consciência”, relata Ragusa.
Opinião semelhante é compartilhada pelo atual coordenador do Sindipetro Unificado, Juliano Deptula. “Meus avós na Polônia foram prisioneiros de guerra. Minha avó paterna é retirante, veio do Nordeste com uma ruma de filhos, como costumam dizer. E, por isso, desde pequeno a gente aprendeu que deve estar junto e lutando. Eu acompanhei de perto alguns colegas da família que foram perseguidos na ditadura militar. E por ser criado no ABC, sempre soube da importância do Sindicato dos Metalúrgicos. Meu avô foi petroleiro e meu pai também. Por isso, desde pequeno eu aprendi que só conquistamos as coisas com luta. E o sindicato foi a oportunidade de colocar em prática o que eu aprendi desde pequeno. Eu passei a viver o que eu aprendi. A importância do sindicato é garantir a união dos trabalhadores”, finaliza Deptula.