Membro do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil aponta erro terrível na escolha pela manutenção do PPI na Petrobrás
Durante o primeiro pronunciamento após a anulação das condenações relacionadas à Lava-Jato, na manhã desta quarta-feira (10), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, novamente apto a candidatar-se à presidência da República, falou sobre a Petrobrás.
Entre outros temas, Lula criticou o preço de paridade de importação (PPI), política adotada pela companhia desde a gestão Temer, e que faz com que o preço dos combustíveis seja afetado pela volatilidade internacional.
“Não é possível que o preço do combustível brasileiro tenha de seguir o preço internacional, se não somos importadores do petróleo. O Brasil é exportador. Se nós produzimos a matéria-prima aqui, se nós tiramos do fundo do mar, se nós conseguimos refinar aqui”, observou.
Em entrevista ao Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo, o mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Amsterdam e professor da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano referendou a fala de Lula e apontou que o PPI é um tiro no pé de qualquer país que deseje se manter soberano.
Também membro do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil, ele ressalta ainda a importância de mudar a política implementada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) e por Jair Bolsonaro (sem partido) de venda das estatais.
Para Romano, elas vão na contramão do que o Brasil necessitará, aumentar a capacidade de extração e refino do petróleo.
No último dia 5, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) decidiu pela manutenção do corte na produção dos países-membros do bloco, com exceção de Rússia e Cazaquistão. Porém, os valores do diesel e da gasolina praticados internamente no Brasil estão em defasagem na comparação com o combustível oferecido aos importadores. Isso pode aumentar a pressão por mais um aumento no preço dos postos?
Giorgio Romano – Um país que tem capacidade de produção e refino interno não é obrigado a seguir preços de importação. O que estava errado no Brasil era obrigar a Petrobrás a importar por um preço maior do que vendia e ter de pagar pelo subsídio.
Quando o Brasil voltar a crescer, e esse dia chegará, haverá um aumento expressivo da importação de derivados. Ninguém sério e que conheça o tema no Brasil irá dizer que não tem de aumentar a capacidade de refino para não depender da importação de derivado. A não ser quem lucra com isso, como os EUA, que se beneficiaram pela importação do excedente produzido por lá, e que colocam o Brasil na posição de exportar petróleo cru e importar derivados.
Mas aí temos uma questão: como expandir a capacidade de refino? Para comprar uma refinaria já pronta há interessados, mas para construir, algo de longo prazo, sem a participação da Petrobrás, do Estado, é muito difícil. Abrir mão da Petrobrás, vender as refinarias existentes é planejar uma dependência futura. Inclusive, porque é improvável que os compradores venham a expandi-las. Eles têm interesse na previsibilidade dos preços e na margem de lucro garantidos, não querem preocupação com questões sociais e impacto dos preços.
Mas, o governo, Paulo Guedes (ministro da Economia de Jair Bolsonaro) e companhia, o ultra liberalismo desse governo, está seguindo essa vertente de desnacionalização da companhia. E com essa lógica, a pressão pelo aumento de preços irá crescer.
A tendência é que o mundo saia da Covid, a China já está com um crescimento positivo e se recuperando rápido, os Estados Unidos estão com um ritmo de vacinação acelerado, mais de um milhão de pessoas por dia, além da previsão de mais de US$ 1 trilhão de investimento do governo Biden (Joe Biden, presidente dos EUA). Na Europa está mais complicada a vacinação, mas também há um mega projeto de investimento público e, em algum momento, irá estabilizar.
Portanto, haverá demanda de combustível e pressão sobre os preços internacionais. Em médio prazo não há perspectiva de queda, mesmo o impacto dos combustíveis renováveis não se dará em ao menos dois anos. É muito provável, embora não seja linear, que tenhamos pressão sobre preços dos combustíveis pelos próximos dois anos.
Pode haver alguma tendência contrária?
Há curtíssimo prazo, o acordo nuclear com o Irã, que é algo que o Biden quer, que o Irã quer, que a União Europeia quer e que deve sair até junho, quando há eleições no Irã, pode acabar com as sanções contra o país. E aí também teremos o petróleo deles no mercado. Além disso, nos próximos meses, a Europa está saindo do inverno rigoroso e isso também gera uma tendência contrária.
Pode ser que tenhamos flutuações, mas o provável é que o resultante dos efeitos contraditórios que já citei levem a uma manutenção e elevação.
Caso o Brasil mantenha a atual política, seremos também impactados por esses preços, porque não temos nada para absorver isso, nenhuma política de defesa. Isso passaria, evidentemente, pelo controle de refino.
Mas se continuar vendendo refino vai perder a capacidade de ter autonomia e, no fundo, é isso que os ultraliberais desejam. O que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) fez durante o governo Temer foi uma operação muito engenhosa, indo ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e dizendo que a Petrobrás promovia monopólio e que deveria se desfazer de parte do refino. Já estavam preparando o campo para a chegada de Guedes e companhia.
Apesar de sucessivos aumentos no preço dos combustíveis, a Abicom (Associação Brasileira das Importadoras de Combustíveis) denunciou a Petrobrás no Cade (Conselho Administrativo de defesa Econômica) em janeiro por vender diesel e gasolina às refinarias com preço abaixo da cotação internacional. É possível fazer o enfrentamento aos importadores e manter o foco no papel social da empresa?
Primeiro, precisamos explicar para a população de uma forma simples como é composto o preço e quais as políticas que a Petrobrás vem praticando. Como fez o Lula hoje pela manhã. Apontar que o Brasil é um país com soberania, que é possível pensar a Petrobrás em função de um projeto de país e explicar quem ganha e quem perde com a política que se pratica atualmente.
Explicar também que mexer no ICMS, como fez o Bolsonaro e a base de apoio dele cobra dos governadores, não é uma solução. É um ‘puxadinho’ que leva para outros problemas com a queda da arrecadação do Estado num momento em que precisa investir.
O Bolsonaro tem uma base popular e uma base do capital, o mercado financeiro. Essa está muito feliz com a atual política para a Petrobrás.
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Em novembro de 2019, o ministro Paulo Guedes disse que o Brasil não iria aderir à Opep porque entende que promove cartéis. Essa decisão diminui o poder de negociação do país em relação aos demais produtores?
Precisaria estudar muito bem para não ser um achismo a avaliação sobre aderir ou não à Opep. Mas que tem de se aproximar e dialogar, disso não tenho dúvida. Porque hoje o maior importador de petróleo é a China e o Brasil disputa o quarto lugar de exportador para eles. O Brasil já é um importante exportador. Ou você está alinhado com os grandes consumidores no Norte ou está alinhado com a política de países produtores e exportadores.
Na verdade, o Paulo Guedes quer que o Brasil seja membro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e não da OPEP, porque ele quer se identificar com os países do Norte. Alinhar-se à Opep praticamente obriga a ter uma política de preços internos que siga uma lógica baseada na estrutura do custo e do domínio da cadeia interna e do refino. Não se separam essas duas coisas.
Repito o que falei, o que aconteceu no governo Dilma estava errado, falei à época, não pode obrigar a Petrobrás a vender internamente por um preço inferior ao que pagou ao importar. Mas o Brasil precisa expandir a capacidade de refino e esse governo não tem um projeto para isso, o objetivo é o contrário, importar.
A Petrobrás também assumiu com o Cade o compromisso de vender oito das 13 refinarias. Essa proposta vai na contramão do que o senhor está dizendo…
Evidentemente, um país que exporta petróleo tem interesse em preço de petróleo alto. Mas tem de ter capacidade de defender a própria economia e a soberania. Isso só é possível se tivermos uma empresa integrada, mas já no governo Temer iniciamos um processo de desnacionalização. O Brasil poderia ter uma grande empresa que faz uma disputa internacional.
Algo que é pouco falado é que quando você tem tecnologia para buscar petróleo a sete mil metros de profundidade, a 200 quilómetros da costa, você tem uma tecnologia para explorar todo o fundo do mar, isso não se restringe ao petróleo. Há enormes riquezas ainda muito caras. Isso é algo que poderia ter desdobramentos, se apostasse nessa tecnologia em longo prazo. A Petrobrás é uma das empresas que mais investiu em pesquisa e desenvolvimento e possui uma tecnologia que pode ser usada para muitas ações. Esse é um dos poucos setores da economia mundial em que o Brasil está no topo.
O refino e os preços é uma parte que aparece, que dói no bolso dos brasileiros, mas a política atual em termos estrutural é algo pior ainda para o futuro.
A manutenção do PPI afeta a autonomia da empresa em momentos nos quais deveria ser um indutor do desenvolvimento?
Sim e dá para acabar com isso sem que a empresa deixe de ser sustentável. A Petrobrás precisa fazer lucro para se capitalizar e fazer investimentos, não defendo subsidiar o uso de derivados como meta em longo prazo. Mas essa política de esquartejar a Petrobrás afeta a soberania que está diretamente ligada à força da empresa.
O PPI é abrir mão dessa soberania, não mobilizar a capacidade que já tem de produção e refino. O Pedro Parente caiu porque seguiu à risca o extremo dessa política e o Castello Branco veio no mesmo caminho. Na véspera da confusão que o Bolsonaro iniciou, saíram vários artigos de analistas internacionais numa página inteira no Valor Econômico dizendo que o Brasil estava muito defasado nos preços dos combustíveis. A pressão do setor financeiro é gigantesca.
Falamos muito de importadores de derivados, mas há os exportadores. Quem tem interesse no PPI são as empresas externas, não quem deseja o desenvolvimento do país. O PPI, que existe para enquadrar a Petrobrás, está em contraste com uma política de soberania do país, que se dá também pela economia.