Eis Erval, o fura-greve, o carente sem consciência da quarentena, o patinho feio da festinha da firma, o escroto-mor (até pra sua prole), de novo em sua saga, mostrando que o Brasil não é mesmo para amadores…
Por Rôney Rodrigues | Ilustração: Vitor Teixeira
Frente ao suntuoso espelho do lavabo, o agente especial Patrick Kramer, do FBI, ajeita o nó de sua gravata Stefano Ricci. Veterano da guerra do Golfo, ostenta currículo impecável na inteligência estadunidense e fora destacado ao Brasil para compor a Unidade de Corrupção Internacional, nome formal dado a divisão para as revoluções coloridas. Cerimônias como essa, realizada pela Petrobrás no começo do ano, o aborrecem.
Ao seu lado, Erval ensaboa as mãos e, pelo reflexo, radiografa o gringo. O petroleiro aposentado, fura-greve, veste terno de varejo. Após ser preterido das festinhas da diretoria, azucrinou por dias um conhecido para infiltrá-lo ali – o que, por fim, se fez, visando dar “cores proletárias” ao evento. Ele acabou de soltar um barro, acrescentando notas fecais à suavidade da lavanda que pairava no ambiente. Um dos melhores dias de sua vida, constata.
Tão longe do bufê, mas tão perto do FBI, Erval, deslocado, tenta puxar papo:
“Cê não é brasileiro, tou certo?”.
De rabo de olho, o condecorado agente analisa o brasuca que o interpela. Não parece um infiltrado comunista. “Americano”, responde, grosso. “De Washington, D.C”.
“Me chama de Estados Unidos e me USA”, brinca, Erval, o piadista, pensando que quebraria o gelo. A face do interlocutor continua impenetrável. Atribui seu fracasso a uma suposta falta de manejo do gringo no português. Insiste, berrando, como se barreiras idiomáticas fossem transponíveis por decibéis e mímica:
“A gente, NÓS, brasileiros e americanos, voltamos a ser IR-MÃOS, brothers, com Trump e Bolsonaro. Entende? Ir-mãos, nós dois…”.
O gringo, impassível, agora concentra-se no penteado.
“Vo-cê deve estar perdido aqui, vendo tudo isso”, continua Erval. “Essa é uma ho-me-na-gem à Petrobrás, empresa brasileira, muito im-por-tan-te. Sou amigo, muito próximo”, e esfrega os dedos indicadores, “do president of the company. Ajudei a acabar com a greve, com os ba-der-nei-ros. Entende? Você, YOU, gosta do Bra-zil?”
“Yes”, dispara o agente, em inglês, mesmo sendo fluente em português e espanhol. “Vocês têm bananas!”
“Eu amar, love, very love, bananas!”, continua o aposentado, escancarando sua bananicê ultraliberal. “Como com aveia e mel, na vitamina, frita no arroz-e-fei-jão. Entende? Ah, tenho que te levar no melhor, the best, samba do Brazil, o do Bar do Luizão, amigo meu. Muita mulata, mulher gostosa, good song e caipirinha…”.
“Seria ótimo”, diz Patrick, sem provas ou convicção, já de saída. “Excuse me, preciso voltar pros sauditinhas latinos”.
Erval nem se deu conta, mas estava ali, na intimidade do banheiro, mijando quase ao lado de piroca intervencionista, com um dos atores cruciais da dramaturgia política do Brasil dos últimos anos. Um dos caras que, tal como naquele teatro de bonecos japonês, como já bem notou Veríssimo filho sobre o poder, veste-se de preto pra manipular moros e dallagnol como se fossem autônomos – mas que se convencionou que são invisíveis, embora estejam ali, no lawfare capcioso.
Hoje, meses depois, bolsonaristas arrependidos compartilham, em grupos de WhatsApp — um deles frequentado por Erval — notícias sobre a participação dos EUA na Lava Jato – incluindo identidade e fotos de agentes envolvidos. O petroleiro, deslumbrado, recorda-se então daquele encontro fortuito com um espião. Sim um espião, parece-lhe um filme de Hollywood! Toma Roberto, seu gato angorá, ao colo:
“Você não vai acreditar, Betim, mas já fui informante da inteligência dos EUA…”.