Com elenco ilustre, longa reflete sobre entrega da Vale do Rio Doce à privatização nos anos 90
Por Odara Monteiro, sob supervisão*
Há 24 anos, o governo Fernando Henrique Cardoso entregava a principal empresa brasileira no ramo da mineração e infraestrutura para os braços de banqueiros e fundos de investimentos internacionais, processo [criminoso] de privatização da Vale do Rio Doce, hoje, Vale.
Leiloada por apenas R$3,3 bilhões, enquanto suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$100 bilhões à época, os resultados diretos da entrega da estatal resultaram em crimes como o de Mariana, na bacia do rio Doce, em 2015, e Brumadinho, na bacia do rio Paraopeba, em 2019; exploração mineral e crescimento da destruição ambiental nas áreas de exploração. É nesse contexto que surge “Homem Onça”, filme de Vinícius Reis.
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Situado no final dos anos 90, em meio à crise econômica que o Brasil enfrentava, duas medidas foram adotadas pelo então governo federal: a adoção de uma nova moeda nacional e o início da venda de instituições públicas para empresas privadas. Surge, então, o homem onça, um sobrevivente em um mundo que não respeita o meio ambiente – e, tampouco, as pessoas.
O longa investiga como a história do país reflete na vida pessoal de Pedro, protagonista interpretado por Chico Diaz, contrastando duas narrativas do cotidiano do personagem: o presente, em que Pedro vive seus últimos momentos na empresa a que se dedicou por quase 30 anos; e o futuro, no qual tem uma rotina em meio à natureza após uma aposentadoria forçada, de volta à sua terra natal, onde reencontra seu grande amor, Lola, interpretada pela atriz Bianca Byington.
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Em “Homem Onça”, Pedro é gerente da estatal fictícia Gás do Brasil, cargo que ocupa com orgulho. Apaixonado pelo que faz, Pedro vive uma vida estável de classe média com sua mulher Sônia (Silvia Buarque), e a filha Rosa (Valentina Herszage). Trabalhando em uma das maiores estatais do país, Pedro encabeça um projeto de sustentabilidade junto à sua equipe, que ganha um prêmio internacional e renomado, o que tranquiliza o grupo quanto à garantia de seus empregos, apesar da crise que a empresa começa a enfrentar.
Com a privatização concretizada da Gás do Brasil, e as novas implementações criadas pelos novos donos, como a demissão em massa dos funcionários, Pedro se vê obrigado a realizar procedimentos com os quais não concorda, para que, assim, consiga manter seu próprio emprego. Aos poucos, o personagem começa a perder sua própria identidade e, forçado a tomar atitudes drásticas, se vê obrigado a antecipar a sua aposentadoria.
A perda da estabilidade, a insegurança econômica e emocional, tudo isso atinge Pedro. Aposentado e com uma doença na pele, o personagem de Chico Diaz sofre mudanças radicais, e decide se separar da família e se mudar para Barbosa, sua cidade natal, no interior do país. Lá, ele descobre que a onça pintada que outrora habitava a mata ao redor da cidade, no tempo de sua infância, continua viva.
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“Homem Onça” traça um diálogo direto com o momento atual do Brasil, relatando o início da era das privatizações no país, hoje, calorosamente defendidas pelo atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Escrito por Vinicius Reis, com colaboração de Flávia Castro e Fellipe Barbosa, o longa, que foi exibido nos Festivais de Cannes e de Gramado, mostra os prejuízos que a entrega da estatal à privatização causou ao país e aos funcionários da empresa, retratando uma geração que teve suas perspectivas de trabalho em grandes empresas públicas inibidas pelo modelo de corporativismo vigente, trazendo um sentimento desesperado do protagonista, que vê toda a sua vida ruir graças ao neoliberalismo capitalista.