Em entrevista exclusiva ao Sindipetro, a presidenta do Sindicato dos Metroviários e Metroviárias do estado de São Paulo, Camila Lisboa, escancara as falhas de transporte e o prejuízo causado ao Estado decorrentes da entrega de serviços públicos ao mercado e fala da importância da unidade entre os trabalhadores para vencer projeto privatista
por Vítor Peruch
A cidade de São Paulo vive um período de tensão com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) persistindo em sua tentativa de privatizar serviços públicos estratégicos. Tarcísio, que já obteve aprovação dos deputados estaduais para privatizar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, promete ampliar essa agenda em 2024, incluindo trens, metrôs e até mesmo unidades socioeducativas, como a Fundação Casa.
A ênfase excessiva no lucro das empresas nos serviços já privatizados resultou em altas tarifas, falta de investimentos em infraestrutura e serviços ineficientes, prejudicando sobretudo as comunidades mais pobres. Na mobilidade urbana, as privatizações apresentam problemas semelhantes a população que depende de metrôs e trens diariamente já sofre com o excesso de falhas, velocidade reduzida e até descarrilamentos nos trens privatizados.
Diante desse cenário, 2023 testemunhou uma coalizão notável de trabalhadores de diversas categorias, com manifestações e greves conjuntas emergindo em meio às propostas de privatização. Os metroviários se destacam como uma voz ativa, liderando a resistência e mantendo uma organização resiliente contra a desarticulação dos serviços públicos.
O Sindipetro Unificado dialogou com Camila Lisboa, Presidenta do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. A entrevista explorou os impactos das privatizações, as falhas das linhas privatizadas e a união dos trabalhadores. Camila explica porque a privatização traz prejuízos aos cofres públicos e ainda denuncia medidas autoritárias do governo estadual que visavam calar o movimento dos trabalhadores.
Confira na íntegra:
Camila, poderia nos oferecer um panorama das lutas dos metroviários neste início de ano após as paralisações em 2023 diante das propostas de privatização? Quais são os desafios enfrentados pela categoria atualmente?
Depois da enorme e muito importante mobilização que fizemos no ano passado e que, na nossa avaliação, ajudou a repercutir o impacto das privatizações na vida das pessoas e da população que utiliza os serviços públicos, seja de transporte, energia ou água, o governador Tarcísio adotou uma postura extremamente autoritária e agressiva contra os trabalhadores ao aplicar advertência aos trabalhadores na segunda greve que fizemos em 28 de novembro. Bem no final do ano, entre o Natal e o Ano Novo, eles realizaram um processo de promoções para tentar ganhar algumas pessoas para o lado de lá.
São iniciativas para tentar quebrar a resistência e a organização da categoria metroviária. Coisas semelhantes aconteceram nas outras categorias que fizeram parte deste processo de mobilização, especialmente na CPTM e na Sabesp. Na verdade, foi uma reação dele ao fato de termos feito a mobilização.
Uma série dessas medidas estamos combatendo, como, por exemplo, a advertência por greve, que é uma prática antissindical, uma conduta inconstitucional e estamos tentando uma denúncia no Ministério Público do Trabalho. Mas, esses fatores que tinham o objetivo de tentar quebrar a resistência e a organização da categoria metroviária, na nossa visão, não podem significar recuar da luta. A luta contra as privatizações continua, porque os problemas das privatizações continuam.
Neste ano de 2024, já tivemos novas falhas nas linhas privatizadas e apagões novamente com as chuvas. Está marcado o leilão de concessão de uma das linhas de trem (a linha 7), que irá acabar com a integração de duas linhas, prejudicando muito a população de São Paulo e região metropolitana. Nossa expectativa é continuar e fortalecer a luta de maneira unificada, aprofundar o diálogo com a população, para derrotar esse projeto do Tarcísio.
O governador de São Paulo já afirmou em algumas situações que a população escolheu esse plano de governo e, consequentemente, é favorável às privatizações. Vocês concordam com isso? Como tem sido percebido o apoio da população às greves, paralisações e às reivindicações dos metroviários?
O argumento do governador de que venceu a eleição e, portanto, todos apoiam a agenda privatista dele, além de ser um argumento errado do ponto de vista dos dados, é um argumento autoritário. Não é verdade que no sistema eleitoral e democrático brasileiro, quando alguém vence uma eleição, ganha uma carta branca para fazer o que quiser e que durante 4 anos a população deve ficar quieta e não pode contestar. Isso é um pensamento estranho aos direitos democráticos que temos no Brasil, flertando com autoritarismo e não permitindo nenhum tipo de contestação.
E onde estão errados os dados? É verdade, ele ganhou a eleição geral, mas na capital paulista, que é onde passam todos os trilhos do metrô e a maior parte dos trilhos da CPTM, e de onde vem a maior arrecadação da Sabesp, ele perdeu a eleição e perdeu feio.
Nota: Na capital paulista, no primeiro turno Fernando Haddad obteve 44,2% dos votos e Tarcísio 32,67%. No segundo turno, Haddad teve a preferência de 54,41% dos paulistanos, e Tarcísio 45,59%.
A população rejeita as privatizações. Portanto, não é um bom critério a ser usado, tanto do ponto de vista da relação com as pessoas que vivem nas cidades onde passa a maior parte desses serviços, quanto do ponto de vista democrático. Não pode ser que um governador eleito nesse sistema democrático acredite que, durante 4 anos, a população deva ficar amordaçada.
Contestamos bastante isso e temos muito apoio popular nessa luta. A população de São Paulo é muito crítica às privatizações, e percebemos isso nas panfletagens que fazemos. Inclusive, no dia da greve, em 3 de outubro, Tarcísio falou que as linhas privadas iriam funcionar e que as linhas estatais estavam em greve. No entanto, as linhas privadas também não funcionaram. Um repórter do Datena entrevistou aleatoriamente uma pessoa, e a própria pessoa afirmou que isso era culpa do governador e não do sindicato. Temos bastante apoio, mas, claro, que é um tema disputado na sociedade. 53% das pessoas são contrárias às privatizações, o que é uma maioria, mas é necessário reconhecer que é um tema disputado, e nós vamos nessa disputa com todos os instrumentos possíveis até o fim.
Recentemente, a privatização das linhas 8 e 9 completou dois anos. O que já é possível avaliar desse processo, como essas privatizações estão impactando a vida da população paulistana?
Nesses dois anos de privatização da linha 8 e da linha 9, o que a cidade de São Paulo pode observar foi a ocorrência de 12 descarrilamentos de trens. O descarrilamento de trem é algo muito grave e não é algo que acontece recorrentemente. Então, é muito grave que, apenas em 2 anos, tenham ocorrido 12 descarrilamentos em duas linhas de trem.
Isso para não falar das situações de trem pegando fogo, das falhas, dos atrasos, da velocidade reduzida por mais de 200 dias. A Via Mobilidade chegou a se comprometer com o Ministério Público de que não teria mais falhas, e o prazo era até 31 de agosto, mas depois de agosto, continuou acontecendo.
O que dá para observar, em primeiro lugar, é a incapacidade operacional, a incompetência para que o grupo CCR garanta um serviço seguro e de qualidade em linhas tão frequentadas e importantes para a população.
Em segundo lugar, esses dois anos mostram que tanto o discurso da eficiência quanto o discurso da economia do Estado, que é um discurso privatista, são discursos mentirosos.
Pois, ao mesmo tempo em que nesses dois anos a privatização das linhas 8 e 9 causou um prejuízo enorme na vida da população, também permitiu um prejuízo financeiro para o Estado. Isso porque este tipo de contrato de concessão é de risco zero para o empresário. O passageiro da Via Mobilidade custa mais ao Estado do que o passageiro do Metrô, pois no contrato de concessão, o Estado é obrigado a pagar um valor a mais por passageiro na Via Mobilidade.
a privatização das linhas 8 e 9 causou um prejuízo enorme na vida da população, também permitiu um prejuízo financeiro para o Estado.
Isso também acontece na linha 4 e na linha 5, que são privatizadas e pertencem ao grupo CCR. Então, a verdade é que essa privatização está custando mais caro aos cofres públicos e gerando mais prejuízo para a população.
O recente aumento para R$ 5,00 do valor da passagem do metrô está relacionado de alguma forma com as privatizações? Na sua opinião, o que o governo pretende com ele?
O aumento da tarifa para cinco reais está totalmente relacionado com a privatização. Como falei, no contrato de concessão, existe um compromisso do Estado de pagar para a empresa privada, no caso para o grupo CCR, uma tarifa de remuneração. Essa tarifa é a soma do valor da tarifa pública (aquela que o passageiro paga) mais um valor adicional que o Estado dá para garantir o lucro da empresa. É uma vergonha. Então, por exemplo, hoje o passageiro exclusivo da linha 4 vale R$ 6,52, pois o passageiro paga R$ 5 e o Estado complementa com mais R$ 1,52.
Por que isso acontece? Porque está no contrato. E por que isso está no contrato? Porque foi a garantia que a empresa privada queria para que fosse lucrativo operar esse sistema. Mas é uma vergonha. As estações foram construídas pelo Estado, os trens foram comprados pelo Estado, toda a estrutura foi adquirida com dinheiro público, e só o lucro é privatizado. E para fazer esse repasse maior da tarifa de remuneração, de onde o governo tira o dinheiro? Tira do Metrô, da CPTM, das empresas públicas. Tanto que dos R$ 5 que entram para o Metrô, apenas 36 centavos ficam para o metrô, pois não tem essa questão de tarifa de remuneração. Eles tiram do metrô e CPTM, que são públicos, para colocar nas linhas privadas.
Então, por que aumentou a tarifa? Para diminuir o valor que o Estado tem que dar para as empresas privadas. Por isso a tarifa aumentou. É algo totalmente relacionado aos interesses da privatização e ao que o governo pretende, que na linguagem dos privatistas é “criar um ambiente atrativo para o investimento”, mas na verdade nada mais é do que “atrativo para uma empresa privada poder abocanhar esse serviço e poder ganhar muito mais dinheiro com isso.
Alguns estudos, como o “Desigualdade S.A”, da organização internacional Oxfam. indicam que a privatização está diretamente relacionada à desigualdade social. Como presidenta de um sindicato e socióloga, como você enxerga essa relação na cidade de São Paulo
Acho que esse estudo da OXFAM, publicado em 15 de janeiro, é muito importante. De 2020 para cá, as cinco pessoas mais ricas do mundo dobraram sua riqueza, e 60% da população mundial ficou mais pobre, revelando que mesmo na pandemia, um período muito difícil, o que aconteceu é que a pobreza aumentou e a concentração de renda também. Poucos ficaram mais ricos
E eu achei muito interessante a investigação que a OXFAM fez sobre as motivações disso, entre outras, a privatização de serviços públicos, porque a privatização de serviços públicos garante lucros enormes (como falado no contrato de concessão do transporte sobre trilhos).
Para se ter uma ideia, na última lista da Forbes sobre os bilionários do Brasil, tem cinco pessoas que fazem parte do grupo CCR. Ou seja, nesse último período de 2016 para cá, o grupo CCR foi uma das empresas que mais cresceu no Brasil, justamente uma empresa que vem abocanhando o transporte sobre trilhos em São Paulo, linha 4, linha 5, linha 8, linha 9 e outros serviços pelo Brasil. Isso garantiu uma lucratividade enorme, o que garante a existência de cinco bilionários do Brasil nesse grupo e o país e o mundo cada vez mais pobre. Esse fator de causalidade da privatização sobre a desigualdade social tem a ver com isso, com pequenos grupos econômicos abocanhando a lucratividade de serviços públicos.
Em segundo lugar, o encarecimento dos serviços públicos faz com que a população fique mais pobre. A tarifa mais cara dificulta que a pessoa utilize o serviço, assim como no aumento da conta de água nas cidades em que foi privatizado o serviço de água. O que isso causa para as pessoas? Dificuldade de acesso ao serviço, maior gasto do seu salário para pagamento da utilização desses serviços, deixando as pessoas mais pobres. Então, a privatização é um fator essencial no desenvolvimento da desigualdade social, e o relatório da OXFAM foi muito lúcido em demonstrar isso, sendo mais um dos motivos para questionarmos esse projeto.
Como os representantes dos metroviários estão estabelecendo diálogo e colaboração com trabalhadores de outros setores afetados pelas propostas de privatização, como os da Sabesp e da CPTM, mas também metalúrgicos e petroleiros
Nós somos muito orgulhosos de, no ano passado, termos feito um movimento para buscar esta unidade. E, obviamente, não fomos só nós. Unidade não existe sem todo mundo querer. A gente sentou e conversou com os dirigentes dos sindicatos que representam os trabalhadores das empresas ameaçadas pelo governador Tarcísio e falamos que precisávamos unir forças para ver o que é possível fazer para tentar combater essa sanha privatista do governador.
Unidade não existe sem todo mundo querer.
Eu acho que foi muito importante colocarmos as diferenças em segundo plano, priorizar a luta em comum, priorizar o combate ao inimigo em comum que nós temos, que no caso é o governador Tarcísio e sua agenda privatista.
No caso do metrô, Sabesp e CPTM, essa unidade é muito óbvia, pois somos empresas públicas estatais do estado de São Paulo, nosso patrão é o mesmo, nosso regime de trabalho é o mesmo. Somos trabalhadores CLT de empresa pública. Esse é um regime parecido ao da Petrobrás, por exemplo, e a Petrobrás é uma empresa federal. Mas esse fato de sermos parecidos, tanto em termos de realizarmos serviços estratégicos, como de sermos empresas públicas estatais, também é motivo para gente se aproximar.
Teve uma coincidência que considero muito bonita, que a grande greve que fizemos no dia 3 de outubro foi exatamente no dia em que a Petrobrás completou 70 anos. É muito simbólico defender uma empresa pública no Brasil. A Petrobrás é um símbolo muito grande de empresa pública que devemos defender e combater os interesses privatistas e todo o sucateamento e campanha de calúnia que foi feita contra ela na Lava Jato. É muito importante defender a Petrobrás, e ela é um exemplo de como uma empresa pública é fundamental para um país, para um Estado. Por isso precisamos trabalhar juntos e aperfeiçoar nossa unidade.
Os metalúrgicos também são um setor muito importante, embora prevaleça o setor privado, mas se trata de um setor social do nosso país que tem um papel importante politicamente, na história, e que cumpre de reavivar o movimento sindical no país.
Então, nosso objetivo é estreitar os laços cada vez mais com o maior número de categorias, principalmente aqui no estado de São Paulo, para impedir esse projeto que quer destruir os serviços públicos e a resistência dos trabalhadores.