Dados como salários e benefícios pagos a funcionários públicos aparecem no levantamento para promover adesão social à pauta da privatização; especialista e entidades sindicais alertam para incoerência
Por Andreza de Oliveira
A Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados (SEDDM), agregada ao Ministério da Economia, publicou no início de fevereiro um relatório contendo valores, salários e benefícios caracterizados como “privilégios” recebidos por funcionários de estatais, visando a adesão pública para a pauta da privatização.
Com dados de 46 empresas estatais sob controle da União, o documento detalha pontos como estabilidade no emprego, redução de jornadas sem redução de salários, pagamento de adicionais de férias e progressão na carreira.
A Petrobrás aparece no relatório com o destaque para altos salários, com remuneração máxima em R$ 106.100 – quase 7000% a mais que a menor renda paga pela empresa, de R$ 1.510.
Para Henrique Jagger, economista e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a análise divulgada pelo governo é tendenciosa, incoerente e não considera as especificidades individuais das empresas citadas.
A grande maioria dos trabalhadores da Petrobrás não recebe esse valor máximo, que comumente é pago a pessoas indicadas pela atual gestão da companhia e que nem sempre são trabalhadores próprios
Segundo Jagger, esse relatório funciona como uma tentativa de manipulação da população, por parte do governo, para passar a imagem de que todos os funcionários públicos recebem altos salários e assim colocar a sociedade contra esses trabalhadores.
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Compactuando com o posicionamento do economista, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que representa mais de 100 mil trabalhadores, reitera em nota divulgada para imprensa que o levantamento não utiliza o mesmo critério para todas as empresas e busca confundir a opinião pública.
Outro apontamento feito pela FUP em comunicado é a incoerência do relatório, que aponta os benefícios pagos aos funcionários públicos como algo inadequado. “Os benefícios dos trabalhadores não são ilegais porque são resultados de negociações em acordo ou convenções coletivas. Alguns temas pactuados, inclusive, prevalecem sobre a legislação, como estabelecido pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467), defendida por vários integrantes do atual governo”.
Condições de risco
A FUP alerta ainda que a maioria dos “benefícios” recebidos pelos trabalhadores da Petrobrás tem relação direta com condições de trabalho insalubres, inóspitas e perigosas enfrentadas por petroleiros.
Dados da Petrobrás e de sindicatos filiados à FUP apontam que, anualmente, cerca de 15 trabalhadores perdem a vida por conta dos riscos da empresa e que 385 funcionários da estatal morreram em 24 anos em decorrência de doenças ou acidentes causados pelas condições de trabalho.
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O economista e pesquisador alega que o relatório do governo não pode ser avaliado como um estudo pois não considera as condições pelas quais os trabalhadores são submetidos. “Faz parte das conquistas que os trabalhadores tiveram por conta dos riscos envolvidos no processo produtivo, que o relatório – que não pode ser considerado estudo – destaca como benefício do funcionário”, explica Jagger.
Estratégia para privatização
De acordo com o especialista, a análise é quase panfletária, com o intuito de manipular a opinião pública contra as empresas estatais. “[O relatório] funciona como um papel político para jogar a sociedade contra os trabalhadores do governo e facilitar o processo de privatização das estatais”, afirma Henrique.
É muito mais sobre uma visão ultraliberal do governo que está externando seu preconceito contra empresas que são fundamentais para o desenvolvimento do Brasil e fundamentais nos momentos de crise
Em comunicado à imprensa, a FUP aponta também para mais uma contraposição no relatório, visto que o processo privatista – que está em curso no Sistema Petrobrás – compromete a estabilidade dos trabalhadores da companhia, que já estão sujeitos a serem desligados da estatal por conta do fechamento de unidades da empresa.