Venda da BR pode causar desabastecimento

Em entrevista para o site Yahoo Notícias, o coordenador da Regional Campinas, Gustavo Marsaioli, apresentou os efeitos negativos da venda das ações da BR Distribuidora e a perda do controle acionário da Petrobrás

Por Rafa Santos

Gustavo Marsaioli durante ato na Replan, dia 26 de julho / Foto Itamar Sanches

Yahoo Notícias: O que a venda da BR Distribuidora significa para a Petrobras e para o setor?

Gustavo Marsaioli: Acreditamos que é fundamental para a Petrobras ser uma empresa do “poço ao posto” para continuar competitiva. As pessoas costumam fazer uma confusão muito grande em relação a tudo da Petrobras. Como a crença de que ela detém o monopólio do setor. O monopólio não existe desde 1997 após a aprovação da Lei do Petróleo. No caso específico da distribuição esse monopólio nunca existiu. O setor sempre teve livre competição entre empresas brasileiras e estrangeiras. O que as pessoas precisam entender sobre a importância de ter controle estatal de uma empresa como a BR Distribuidora é que o Brasil tem dimensões continentais e em algumas regiões tem um custo operacional bastante elevado. O estatuto da BR Distribuidora determina que a empresa tem a missão de garantir abastecimento para todo o território nacional. Essa empresa nova que surgiu da privatização não terá a mesma obrigação estatutária. Isso gera um risco ou de desabastecimento ou de aumento de preços para localidades remotas.

Yahoo Notícias: Quais regiões poderiam ser afetadas?

Gustavo Marsaioli: O Vale do Jequitinhonha no Norte de Minas Gerais e o Vale do Ribeira em São Paulo quase na divisa do Paraná, por exemplo, são duas regiões que podem sofrer com aumento de preço pois tem um custo de distribuição maior. A tendência é que a BR Distribuidora privatizada não enxergue como um todo essas operações e repasse os custos mais altos da distribuição ao consumidor. Isso explica um pouco a euforia do mercado com a venda já que a margem de lucro deve aumentar.

Yahoo Notícias: A Federação Única dos Petroleiros em conjunto com o Sindipetro e outros sindicatos da categoria entraram com ação popular no Supremo Tribunal Federal contra a privatização da BR Distribuidora. Qual o próximo passo se o recurso foi negado?

Gustavo Marsaioli: Entendemos que essa venda foi feita as pressas em um processo que contém ilegalidades. Entendemos que isso tem que ser questionado fortemente. O processo de venda foi muito acelerado e deve ser analisado com mais atenção. Temos interesse em discutir até uma possível paralisação.

Yahoo Notícias: A justificativa dos dirigentes da Petrobras sobre a venda de ativos é a de fazer caixa para investir mais no pré-sal. Qual o entendimento da categoria sobre esse argumento?}

Gustavo Marsaioli: Esse é um argumento muito curioso. Revela a intenção do governo de transformar a Petrobras em uma empresa de exploração e comercialização de óleo bruto. Isso reduz muito o valor da empresa. O endividamento da Petrobras vem muito do investimento para exploração de reservas. Esse é um diferencial da Petrobras em relação a outras empresas no mundo. A Petrobras descobriu uma reserva gigantesca de petróleo enquanto as outras estão buscando novos campos de exploração. Justificar que a empresa tem que reduzir o endividamento quando parte desse endividamento gerou o aumento de reservas com a descoberta e a própria exploração do pré-sal é bastante contraditório. É preciso olhar o endividamento da Petrobras como algo relativo. No limite estão desarticulando a Petrobras e fazendo a empresa sair muito menor desse processo.

Yahoo Notícias: Em 2019 o governo Temer já havia vendido parte das ações da BR Distribuidora. Em que a política do governo Bolsonaro para o setor petroleiro difere da do governo Temer?

Gustavo Marsaioli: O que ela difere é da perda do controle. Sem o controle da BR Distribuidora a Petrobras pode até ser impedida de votar em caso de conflito de interesse. Nesse caso, a Petrobras se vê ameaçada até na capacidade de escoar o seu produto. Se os novos controladores acharem mais vantajoso vender combustível importado pode optar por ele e a Petrobras estaria vulnerável a essa medida. Essa é a grande desvantagem de a Petrobras deixar de ser uma empresa integrada em toda cadeia de produção. A empresa saí desse processo menor e vulnerável aos interesses de outras companhias.

Yahoo Notícias: O próximo passo da estratégia do governo para Petrobras é vender as refinarias ligadas a companhia. Como os trabalhadores do setor enxergam essa possibilidade?

Gustavo Marsaioli: Entendemos que esse será um retrocesso gigantesco. Não teríamos nenhum problema se outras empresas investissem no Brasil e construíssem suas próprias refinarias para concorrer com a Replan. Isso sim seria uma ação que aumentaria a competitividade do setor. Quando falamos em vender as refinarias da Petrobras estamos falando de entregar algo que foi construído com dinheiro público com o objetivo de abastecer o mercado interno e que atua em uma série de regiões. A tendência é que essa venda gere uma série de monopólios locais. Estamos discutindo fortemente a possibilidade de uma greve se isso for necessário para combater essa venda. O Brasil tem um histórico de privatizações no país que quando você olha a longo prazo vê que as vendas foram feitas por valores irrisórios. Eu não vejo nada que indique que essas vendas recentes não sejam vistas da mesma forma.

Yahoo Notícias: Recentemente houve um protesto dos trabalhadores da Replan que alertou para possíveis riscos de segurança com a venda das refinarias. Quais tipos de acidente podem ocorrer em refinarias e qual impacto deles para a sociedade e o meio ambiente?

Gustavo Marsaioli: Isso é uma questão que é muito preocupante. O próprio processo de preparação da empresa para privatização já causa danos. A tendência que percebemos é que a empresa vem tentando ser mais atrativa ao mercado e vai eliminando coisas que podem ser encaradas como “problemas” para os acionistas. Tivemos recentemente um processo de redução de postos operacionais. Entendemos que isso coloca os trabalhadores em risco. Vemos que esse processo vem trazendo problemas nas rotinas de inspeção e manutenção da refinaria. Então… Essa coisa de diminuir postos de trabalho. Esse jargão de que a Petrobras é um “grande de cabide de empregos” acaba validando a opinião de pessoas que não tem o menor conhecimento sobre o setor do petróleo e que tomam decisões que geram risco real. Do ponto de vista ambiental o risco é muito grande. Uma explosão em uma refinaria pode dispersar produtos químicos na atmosfera em um raio de muitos quilômetros além da refinaria.

Yahoo Notícias: O diretor geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Décio Oddone revelou que o governo estuda permitir a venda de botijões de gás parcialmente cheios. Qual a posição do Sindipetro sobre o tema?

Gustavo Marsaioli: Isso é um negócio muito absurdo. Veja só… A mudança na política de preços da Petrobras… A gente fala muito de diesel e gasolina, mas ela afetou também o gás de cozinha. Hoje temos notícias de muitas pessoas que acabam queimadas por não ter condições de comprar gás de cozinha. Muitos brasileiros atualmente se machucam por comprar gás clandestino ou por usar coisas como álcool combustível para cozinhar. Se a simples questão de mudar a política de preços teve esse desdobramento… Imagine mudarem a padronização do gás. Temos pessoas tomando decisões completamente irresponsáveis. Vejo com muita preocupação. Isso é completamente absurdo.

Yahoo Notícias: A venda da BR Distribuidora dividiu opiniões. Muitos brasileiros apoiaram a iniciativa e alguns defendem a privatização total da Petrobras. Como o senhor explicaria esse entendimento tão divergente do defendido pelos sindicatos por parte da sociedade?

Gustavo Marsaioli: A última pesquisa do Datafolha aponta que a maioria dos brasileiros ainda é contra a privatização. Se você acompanhar a série histórica percebe que durante o pico da Operação Lava Jato verá que a aprovação a venda da Petrobras oscilou pouco. O grande motivador para que muitos passassem a defender a privatização foi a política de preços da Petrobras. Criou-se uma narrativa que o aumento dos combustíveis era reflexo dos escândalos de corrupção. E isso é algo completamente fora da realidade. A pessoa que passou a defender a privatização da Petrobras foi induzido a isso por uma narrativa que não tem nenhum lastro na realidade.

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