Com histórico falho e de grandes reestatizações, serviços públicos privatizados causaram descontentamento em diversos lugares do mundo
Por Andreza de Oliveira
Desde o início dos anos 2000, ao redor do mundo ao menos 800 serviços privatizados foram reestatizados – sendo mais de 80% na segunda década do século, de acordo com estudo do instituto holandês TNI (Transnational Institute), publicado em 2019.
No Brasil, ao tomar posse da presidência, Jair Bolsonaro (Partido Liberal), seguindo a agenda privatista do ministro da economia, Paulo Guedes, havia anunciado a privatização de 17 empresas estatais – das quais a maioria ainda não foram vendidas.
Apesar da data da pesquisa, as reestatizações ainda são uma tendência, segundo o economista e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura Política e Econômica (Cecon) do Instituto de Economia da Unicamp, Marco Antônio da Rocha, que afirma também que a ausência de atualizações é devido à pandemia de covid-19.
É uma tendência, mas é preciso olhar com cuidado. Porque, primeiro, há diferenças nos setores reestatizados internacionalmente, principalmente na Europa e muitos desses serviços passaram pelo processo de municipalização, ou seja, foram privatizados pelo estado, mas reestatizados de forma municipal
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De acordo com o pesquisador, o principal motivo para a compra de volta desses serviços internacionais foi o descontentamento da população com as atividades prestadas. “É o caso do que ocorreu com o saneamento básico europeu, por exemplo, porque havia falta de cuidado e de capacidade para controlar tarifas”, informou.
No caso dos serviços administrativos, a maior parte dos problemas foi identificada na prestação de serviços em escalas muito grandes. “Na Europa, o processo de reestatização, no geral, estava ligado com a falta do setor privado realizando determinados tipos de serviços, e isso mostra que caí por terra aquela história de que privatização cria mais concorrência e maior poder pro consumidor”, afirma o economista.
Entretanto, o exemplo europeu tem muito a ensinar para o Brasil. Na visão de Rocha, nos faz entender que são muitos serviços que são privatizados e não dão certo. “Nos faz perceber que privatização não é um mantra que resolve tudo porque não são poucos processos que foram frustrados e deram problemas grandes”.
O que o Brasil pode aprender com essa movimentação?
No fim de 2021, foi divulgado que a agenda de privatizações do governo conseguiu arrecadar R$ 277 bilhões com vendas silenciosas, que não passaram por debate público e que não dependiam da aprovação no Congresso. Dentre as principais vendas, 44% são da Petrobrás por meio de ações da Transportadora Associada de Gás (TAG), da subsidiária BR Distribuidora e da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia.
Cibele Vieira, petroleira e diretora da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), afirma que não faz sentido uma estatal como a Petrobrás vender seus ativos para gerar lucro aos acionistas.
Já vemos que com a venda da Rlam, o combustível na Bahia ficou mais caro e não atende as demandas que chegam até a refinaria. Não faz sentido uma empresa pública, que tem o objetivo de servir as necessidades nacionais, ser privatizada para gerar lucro à acionistas e não mais à populaçãol
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Num cenário de ano eleitoral e eventuais conflitos políticos, o número de serviços públicos privatizados no Brasil ainda tende a mudar. Marco Antônio Rocha explica que isso ocorre para o atual governo mostrar serviço de uma agenda proposta. “O ministro da economia precisa entregar alguma coisa, então é provável que tentem empurrar isso de alguma forma, como privatização de mais ativos de empresas estatais”.
O processo inverso da privatização, segundo o economista, muitas vezes tem o custo mais alto do que a própria venda, principalmente por conta da burocracia e quebra de contratos envolvida. “Se o governo mudar, o próximo terá problema para comprar esse ativo de volta porque todo processo de reestatização é custoso e infringe riscos jurídicos”, finaliza.