Após o anúncio de suspensão das transferências coercitivas na Petrobrás, trabalhadores que seriam transferidos comemoraram permanência; além disso, milhares passam a ter esperança de retorno às unidades de origem
Por Marcelo Aguilar, da FUP | Revisão: Guilherme Weimann, do Sindipetro-SP
Aquele abraço, eternizado na foto, mexeu muito com os petroleiros e petroleiras de todo o Brasil. No final da tarde da sexta-feira (03/02), quando Brauner chegou em casa após a reunião com o presidente da Petrobrás Jean Paul Prates, seus filhos pularam para abraçá-lo. E sua esposa tirou a foto que eternizou o momento. Os filhos comemoravam porque sabiam que a partir de agora “painho fica no Rio Grande do Norte”. Que já não ia mais ser transferido no primeiro dia do mês de abril. Era o que Prates acabava de anunciar no auditório da sede da estatal em Natal: estão suspensas todas as transferências de funcionários da empresa no Brasil.
As transferências involuntárias dos empregados da Petrobrás aconteciam, principalmente, nas unidades que já foram privatizadas e fechadas ou estão em processo avançado de venda, como a RLAM (BA), SIX (PR), Polo Potiguar (RN), Polo Bahia Terra (BA), Polo Norte Capixaba (ES), Albacora Leste (Plataforma P-50) e EDISP. O pano de fundo era o esvaziamento das bases que estavam sendo vendidas ou tinham esse objetivo.
Os sindicatos da Federação Única dos Petroleiros (FUP) vêm recebendo diversas denúncias de trabalhadores obrigados a mudar de unidade sem qualquer critério ou negociação.
E esses trabalhadores querem falar, querem contar o sofrimento, e querem que alguma atitude seja tomada em relação à situação que ainda vivem. Após alguns contatos iniciais da reportagem, as mensagens de funcionários começaram a pipocar. Gente morando em Paulínia (SP), originária da Bahia, com família e amigos por lá, gente tendo que viajar toda semana de Salvador (BA) para o Rio de Janeiro (RJ), ou de Porto Alegre (RS) para o Rio de Janeiro (RJ) para cumprir as horas de trabalho presencial, trabalhadores que sofreram xenofobia. São milhares de histórias que revelam os impactos de um injustificado e aloprado processo de transferências coercitivas iniciado pela gestão anterior da Petrobrás.
Os que ainda sofrem
Para entender a importância do anúncio de Prates, é preciso entender a gravidade dos impactos das transferências coercitivas. Enquanto Brauner e tantos outros petroleiros e petroleiras comemoravam ficar em casa junto a suas famílias, outros tantos acendiam uma esperança. São os que ainda sofrem. Como o próprio petroleiro potiguar disse: “Estamos felizes pelo anúncio da suspensão da transferência, mas a felicidade não será plena enquanto não resolvermos de forma emergencial os milhares de casos de imposição de transferência de empregados para outros estados”. Os relatos dos graves impactos das transferências compulsórias são conhecidos na categoria, e são muitas as histórias que ilustram o sofrimento dos trabalhadores e trabalhadoras desde que esse processo começou. E eles querem falar.
Cristina Correia, que trabalha no setor de compras da Petrobrás, saiu de Aracaju, em Sergipe, para Vitória, no Espírito Santo, em fevereiro de 2020. Ela fazia parte anteriormente do núcleo de compras da unidade de Sergipe, mas a área foi considerada corporativa e a gestão decidiu que o setor de Suprimentos seria centralizado no sudeste. Depois disso, a unidade de poços terrestres de Sergipe foi privatizada. Após a definição da capital capixaba, começaram as pressões para transferi-los: “Teve muito assédio moral e muita pressão. Nada foi escrito, tudo era feito em reuniões presenciais, sem registro. Começaram a dizer, você precisa dizer uma data, precisa tomar a decisão. E aí começa uma agonia terrível”. Um gerente chegou a falar para elas: “Quem não fizer a opção agora, corre o risco de não encontrar água limpa”.
E foi. Logo veio a pandemia, e quando a empresa entregou notebooks e anunciou home office pegou um avião e voltou para ficar perto da sua família, não queria arriscar passar o confinamento sozinha num estado desconhecido. Quem cuidava da sua mãe de quase 80 anos e da sua tia idosa era sua irmã. Sem conseguir conter o choro, conta que a perdeu em maio de 2021, e ficou sem chão. Ao ter que voltar para o Espírito Santo em abril de 2022, deixou para trás suas filhas, a mãe e a tia, que ficaram sem referência de cuidado. Dessa vez foi pior, pois já não tinha sua irmã, e tinha entregado o apartamento. Uma das coisas que mais a incomodam é achar desnecessária a transferência: “Estou com dificuldades financeiras, estou sofrendo coisas que eu não deveria passar. Para ir dois dias na empresa assistindo reuniões virtuais, eu poderia estar em Aracaju. É totalmente desnecessário e sem lógica eu não estar presente na vida das minhas filhas e da minha mãe a mais de 3 mil km de distância, sozinha num estado desconhecido.” Ela, que se considera uma mulher forte, às vezes não consegue lidar com o sofrimento:
“Eles dizem que a gente precisa ter resiliência, mas cada um tem um nível de resiliência diferente. Eu sou aguerrida, eu luto, mas a dor me atinge, e fui muito atingida por essa situação. A dor que isso causa ninguém tira. Minha vontade é voltar de forma imediata”
A vontade é voltar
Grupos de trabalhadores e trabalhadoras transferidos foram montados ao longo dos últimos tempos para discutir o assunto e levantar as reivindicações. Uma pesquisa inédita, realizada via Microsoft Forms com os empregados da Petrobrás entre os dias 25 de janeiro de 2023 e 7 de fevereiro, revelou que 70% dos 1149 entrevistados até o momento ou não querem ser transferidos, ou querem voltar de forma imediata. É também uma ampla maioria a que denuncia que a transferência gerou algum tipo de sofrimento familiar, mental e financeiro. Segundo o levantamento, são mais de 3600 os trabalhadores atingidos pela política da gestão anterior.
Em carta aos representantes sindicais, representantes destes grupos, afirmam: “Durante todo esse período de instabilidade e imprevisibilidade, muitos dos colegas não conseguiram sustentar tal condição e se desligaram da empresa. Aos que ficaram, lhes restaram mudar de cidade ou ter que conciliar a vida pessoal, o tempo com a família e a obrigação de cumprir os dias presenciais na sede de lotação realizando viagens semanais. Também aos que ficaram, restou-lhes a resiliência, sustentada pela esperança de dias melhores com a tão sonhada mudança de governo. Certamente lhes resta a crença e um sentimento de que haverá justiça e reparação por tudo que foi feito, principalmente com ações que possam amenizar de imediato a situação de milhares”.
Cristina aponta: “ A gente vive uma série de dificuldades no dia a dia que foram feitas para machucar, para desestabilizar emocionalmente os funcionários e que estes peçam para sair. A política era enfraquecer os empregados, desmoralizá-los para vender o que pudessem”.
O dia a dia
O filho do analista tributário Diego Da Rosa, de 6 anos, gostava de assistir aos jogos do Grêmio no estádio junto com o pai; gostava de andar a cavalo e ir pescar. Após a transferência que o tirou da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no RS, para o Rio de Janeiro, lugar onde a gestão decidiu centralizar as atividades da gerência executiva de Contabilidade e Tributário da empresa, e desde onde falou com a reportagem, tudo mudou: “Eu comecei a perceber que estava começando a perder a conexão com meu filho. Ele não queria mais fazer essas saídas comigo de jeito nenhum, e passou a ter um comportamento muito diferente do que sempre tinha. Não queria viajar de avião, tinha medo de escuro, não queria dormir sozinho, coisas que antes não tinha”. O filho perguntava toda hora quando o pai voltava, como assim que ele ia viajar de novo. O pai já completou 32 viagens. “A cada semana que voltava dava uma piorada”.
O pano de fundo para essas movimentações era o esvaziamento das bases que estavam sendo vendidas, ou cogitadas para privatização, como é o caso da Refap. Ao mesmo tempo, a política representava uma tentativa de forçar a adesão dos trabalhadores ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV).
Um dia o filho chegou e contou a história de um tio que foi viajar de avião e nunca mais voltou para casa. Para Diego, esse foi o pior baque. Ele se sente impotente: “Eu me sinto impotente em relação a isso porque não é uma escolha que a gente fez, a gente nunca quis sair, a gente faz o mesmo trabalho que fazia na Refap”.
“Não tem sentido estar aqui, eu estava em reunião no Teams até agora, algo que poderia fazer desde casa. Ninguém vem feliz para aqui, todo mundo vem triste, fora a indignação que gera essa situação injusta. A situação é crítica, e é necessário estancar a sangria, para acabar com esse sofrimento e depois discutir com calma como vai ser”
Sobre o anúncio das suspensões, disse: “O discurso do presidente deu uma esperança. Fiquei muito feliz pelos colegas do Rio Grande do Norte, e de outras partes que estavam na fila das transferências e não vão mais precisar passar por isso que a gente está passando. Fico na esperança de que chegue nossa vez, de bater ponto mais perto da nossa casa”.
A reconstrução
“Reconstruir a Petrobrás passa também por reconstruir a autoestima e as condições de vida de seus trabalhadores e trabalhadoras”, afirma o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros, Deyvid Bacelar.
“Nesse sentido, a suspensão das transferências é um passo importantíssimo. Estamos felizes pelas petroleiras e petroleiros que a partir de agora ficarão em suas casas, na sua terra, com suas famílias, e entendemos as demandas de quem ainda está sofrendo as consequências desses deslocamentos”.
Para o coordenador “é necessário dar um passo de cada vez”, mas essa medida mostra a força de ter um governo e uma gestão comprometida com o futuro da empresa: “Vemos com uma medida como essa o quanto foi importante a vitória democrática na eleição de 2022, e a FUP ter participado na elaboração do plano de governo, colocando as reivindicações da categoria petroleira com firmeza e empenho. Ainda falta muito por fazer, isto recém começa”.