“Russos e sauditas dificilmente aceitarão cortes de Trump”, afirma pesquisador

Para Igor Fuser, professor de relações internacionais da UFABC, afirmação de Donald Trump sobre proximidade de acordo entre os países é mais uma declaração impensada do presidente norte-americano

Para Igor Fuser, Arábia Saudita e Rússia não diminuirão sozinhos a produção de petróleo (Foto: Joka Madruga)

Por Guilherme Weimann

Há uma semana, na última quinta-feira (2), o presidente norte-americano Donald Trump afirmou que Arábia Saudita e Rússia, maiores produtores mundiais de petróleo, haviam chegado a um acordo para a redução da oferta de 10 a 15 milhões de barris por dia. Atualmente, os dois países produzem, juntos, cerca de 24 milhões de barris.

Na opinião do professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Igor Fuser, a declaração do presidente norte-americano, aparentemente, é mais uma entre as inconsequentes e impensadas feitas nos últimos anos.

Para Fuser, “os russos e os sauditas dificilmente aceitarão cortes nesse nível”, que equivalem de 10 a 15% na produção mundial, “se não incluírem a redução na produção de outros atores importantes no mercado, como o Canadá, o Brasil e os próprios EUA”.

Leia também: “O coronavírus foi uma pequena pólvora detonadora dessa crise do petróleo”, afirma professor da USP

Como pano de fundo ou efeito colateral dessa “Guerra do Petróleo”, a indústria do shale oil norte-americano, que estava gerando 13 milhões de barris diários antes dessa crise, entrou em colapso. Com o crash do dia 8 de março, que derrubou o preço do petróleo em 25% em apenas um dia, o custo de produção do shale oil, estimado em U$S 70, ficou inviabilizado, já que o preço dos barris do tipo Brent e WTI estão cotados atualmente em US$ 31,87 e U$S 23,63, respectivamente.

Com isso, Fuser não acredita na possibilidade de um controle da produção mundial da matéria-prima, sobretudo nos EUA, “onde as normas e práticas do livre mercado reduzem a capacidade de o governo impor suas estratégias aos produtores independentes”.

Além disso, o horizonte de queda é ainda maior que os cortes propostos por Trump. A previsão da Agência Internacional de Energia, segundo Fuser, é de uma redução de 20 milhões de barris diários na produção global de petróleo em abril deste ano, em comparação com o mesmo período no ano passado.

Confira abaixo a entrevista completa:

 

A covid-19 é a única explicação para a queda brusca do preço internacional do barril de petróleo?

Os preços do petróleo e do gás natural já apontavam uma tendência de queda antes das primeiras notícias sobre uma nova pandemia, em novembro de 2019. Todas as previsões para a economia global em 2020 apontavam para redução dos índices de crescimento, inclusive na China e nos Estados Unidos, as duas maiores economias, e para estagnação na Europa e no Japão. Esse cenário empurrava para baixo os preços do petróleo, devido à expectativa de queda da demanda.

Quais são os interesses e as consequências geopolíticos que envolvem o fim do acordo de controle de produção entre Arábia Saudita e Rússia?

Rússia e Arábia Saudita têm dois interesses em comum. O primeiro é reverter ou ao menos conter o colapso nos preços do petróleo. O segundo é barrar o avanço da produção estadunidense de petróleo e gás pelo método do fraturamento hidráulico, o fracking, que produziu uma mudança radical no mercado de energia nos últimos dez anos.

No momento, o interesse maior desses dois atores, os mais importantes no cenário petrolífero global, é impedir o colapso dos preços. Mas eles, e o mercado como um todo, sabem que esse é um desafio muito difícil diante da maciça destruição de demanda que está em curso por conta das medidas adotadas pelos governos do mundo inteiro no combate ao coronavírus.

O presidente norte-americano Donald Trump afirmou, na semana passada, que espera um acordo entre russos e sauditas “em poucos dias”. Você concorda com o otimismo de Trump? É possível traçar um horizonte sobre possíveis configurações do mercado de petróleo a partir da atual crise?

Trump, aparentemente, fez mais uma de suas declarações inconsequentes, impensadas. Os russos e os sauditas dificilmente aceitarão cortes nesse nível, de 10 a 15 milhões de barris diários, o equivalente a um pouco mais de 10 a 15% da produção mundial, se esses cortes não incluírem a redução na produção de outros atores importantes no mercado, como o Canadá, o Brasil e os próprios EUA. Mas isso é difícil de acontecer, sobretudo nos EUA, onde as normas e práticas do livre mercado reduzem a capacidade de o governo impor suas estratégias aos produtores independentes. Ao mesmo tempo, a opinião geral entre os governos e os atores privados do mercado é que mesmo com os cortes propostos por Trump a demanda continuará caindo, o que torna inútil qualquer decisão coletiva dos produtores.

Qual é a previsão sobre a queda da demanda internacional por petróleo?

A previsão da Agência Internacional de Energia é de uma redução de 20 milhões de barris diários na produção global de petróleo em abril deste ano, em comparação com a produção de abril do ano passado. Esse é o maior choque na demanda de petróleo em todos os tempos. Ocorre como consequência obvia do fato de que atualmente mais de 3 bilhões de pessoas, quase a metade da humanidade, estão trancadas em casa, de quarentena. Os transportes estão quase paralisados e a atividade econômica despencou. As empresas petrolíferas e os países produtores estão com seus depósitos abarrotados de petróleo, já não tem mais onde armazenar o combustível que deixou de ser vendido, e logo começarão a oferecer esses estoques no mercado a qualquer preço.

Qual a sua avaliação sobre o cenário brasileiro, especialmente sobre a atuação da Petrobrás nessa crise?

As grandes empresas petrolíferas ocidentais, e também as pequenas e médias, estão demitindo funcionários em grandes números. Ninguém sabe quando nem como virá uma recuperação. O Brasil e a Petrobrás estariam sendo duramente atingidos por essa crise independentemente das políticas adotadas. Mas o que se vê na política de preços atual é um esforço de jogar todo o custo da crise nos consumidores a fim de garantir os lucros dos acionistas privados ao máximo possível.

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