Em resposta às sanções impostas pela União Europeia à Rússia, organização acirra a disputa pelo controle do mercado global
Por André Lucena*
Desde fevereiro de 2022, quando foi deflagrada a guerra entre Rússia e Ucrânia, o mundo tem assistido a disputa sobre o controle do petróleo. A cada nova decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+), da União Europeia ou dos Estados Unidos, que inclui, ainda, Rússia e Arábia Saudita, conta-se um novo capítulo daquela que pode ser uma das mais robustas consequências da disputa entre russos e ucranianos: a crise energética a nível global, que envolve diferentes atores político-econômicos e interesses conflitantes.
O mais recente movimento da disputa aconteceu no último dia 4 de dezembro, quando a Opep+ decidiu manter a política de corte na produção de barris de petróleo até o fim de 2023.
No entanto, um mês antes, no início de outubro, a aliança já havia estabelecido que cortaria a produção de petróleo em 2 milhões de barris por dia, a partir de novembro.
Em outubro, a Opep+ comunicou que a decisão levava em conta a necessidade de conter as sucessivas quedas no preço do barril de petróleo. Segundo a organização, o grupo tomou a decisão “à luz da incerteza que envolve as perspectivas econômicas globais e do mercado de petróleo, e da necessidade de aprimorar a orientação de longo prazo para o mercado de petróleo”.
A manutenção da política de cortes, segundo o novo comunicado Opep+, é uma ação “necessária e correta”, que visa estabilizar os mercados globais de petróleo. Embora a conferência regular só tenha previsão de ocorrer em 4 de junho de 2023, o Comitê Conjunto de Monitoramento Ministerial da Opep+ deverá se encontrar a cada dois meses, podendo, ainda, realizar encontros adicionais a qualquer momento, se necessário.
No dia 2 de dezembro deste ano, dois dias antes do anúncio da decisão da Opep+, a União Europeia (UE), o G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo) e a Austrália haviam aprovado o preço máximo do barril de petróleo russo em US$60.
Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a medida visa reduzir “significativamente as receitas da Rússia”. No dia seguinte , o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que os russos não aceitarão a decisão que impõe um teto no preço do petróleo do seu país.
A decisão do dia 4 de dezembro ocorreu na véspera da entrada em vigor da sanção imposta à Rússia pela União Europeia, proibindo a importação de barris russos pelo bloco europeu através da via marítima. A sanção havia sido decidida em junho deste ano e foi apontada como a primeira fase do embargo europeu ao país comandado por Vladimir Putin.
Impacto geopolítico e o preço do petróleo
No final de outubro, o diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, sinalizou, durante a Semana Internacional da Energia, em Singapura, que o mundo experimenta sua primeira crise energética “verdadeiramente global”.
Criticando a decisão de outubro da Opep+, Birol apontou que o aumento das importações de Gás Natural Liquefeito (GNL) para a Europa, no contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia, e o cenário de recuperação do consumo da China por gás natural, eram fatores-chave que levavam o planeta à crise energética. Segundo o dirigente Birol, o consumo mundial de petróleo poderá crescer 1,7 milhão de barris por dia, em 2023.
A expectativa com a decisão da Opep+ era de aumento geral no preço do barril. Entretanto, na semana seguinte ao anúncio da manutenção da decisão, o petróleo padrão Brent, por exemplo, chegou a ser negociado na casa dos US$76, a cotação mais baixa em 2022.
O petróleo padrão Brent é a principal referência do mercado internacional, sendo utilizado pela Petrobrás como parâmetro para o planejamento dos seus investimentos futuros.
A medida da Opep+ tende a ser menos impactante do que, a princípio, poderia indicar. Isso porque, a redução da produção, segundo a S&P Global Commodity Insights, não deverá chegar aos 2 milhões de barris por dia, conforme a decisão tomada em outubro e reafirmada no início de dezembro.
Membros importantes da Opep+, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, já vinham produzindo menos que suas cotas. Ainda de acordo com a S&P Global Commodity Insights, a redução da produção deverá ser de cerca de 800 mil barris por dia.
A queda momentânea no preço do barril de petróleo pode ser entendida, também, como um movimento de mercado visando um ajuste diante das decisões das últimas semanas. Do ponto de vista da Rússia, o presidente Vladimir Putin já havia declarado que o limite de preço imposto pela União Europeia representava, na prática, o valor que já era negociado pelos russos e que não impactaria a economia local.
Afirmando que a Rússia não sofreria perdas “em circunstância alguma”, Putin confirmou que, se necessário, seu país poderia optar por desestabilizar o mercado de petróleo, através de cortes de produção, por exemplo. A Rússia já havia decidido que não negociaria com qualquer comprador que buscasse utilizar o limite de preço fixado pela União Europeia.
Entre benefícios e prejuízos: os papéis da Rússia, dos Estados Unidos e da União Europeia
Como pano de fundo das sucessivas decisões envolvendo a Opep+ e a União Europeia, o que se coloca é a correlação de forças globais. Um processo de disputa de estratégias político-econômicas, cujo objetivo é determinar quem terá mais êxito em estabelecer o preço do petróleo, uma das principais commodities do mundo.
Analisando esse cenário, Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), pondera que a Opep+ e a Rússia têm tido mais êxito na definição do preço do petróleo.
Para Leão, “a tentativa de fixar o preço do petróleo é uma busca por se manter no poder. A Opep continuará, no momento, a determinar o preço. O que se percebe é um movimento de mercado de descolamento do preço de petróleo (considerando o petróleo russo e o petróleo do tipo Brent)”.
O impacto real das recentes decisões sobre corte na produção e política de preços do petróleo na economia global ainda está longe de poder ser medido com precisão. Em dezembro, a invasão da Ucrânia pelas tropas russas completará dez meses. Parte importante do mercado global de petróleo tem lidado com um cenário de incerteza, ciente dos riscos de uma crise energética global que, independente do seu potencial de intensidade e duração, já causa impacto no cotidiano, por exemplo, da população da Europa.
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Outro país-chave nessa disputa é os Estados Unidos. Logo após a decisão da Opep+, em outubro deste ano, os americanos criticaram duramente a postura da organização. Membros do Congresso norte-americano chegaram a defender a criação de leis focadas em desmantelar o cartel, bem como a possibilidade de processar a entidade na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ainda em outubro, a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, declarou que “está claro que a Opep está se alinhando com a Rússia com o anúncio de hoje (05 de outubro)”. Observando as movimentações políticas dos Estados Unidos na disputa energética, Rodrigo Leão sintetiza que, entre os objetivos dos americanos, está o de “reduzir as receitas russas”.
Desde o início da guerra entre russos e ucranianos (e as sucessivas sanções econômicas do Ocidente ao Kremlin), a Europa tem tentado alcançar uma maior independência energética da Rússia.
A compra de carvão, petróleo e gás natural dos russos, por parte da Europa, têm caído desde o início da guerra. Em relação ao petróleo bruto da Rússia, por exemplo, a queda de importação foi de mais de 30%, quando comparado ao período anterior a fevereiro, conforme aponta a Agência Internacional de Energia.
No mesmo sentido, a importação de gás natural russo saiu de 36% (outubro de 2021) para 9%, segundo a Wood Mackenzie. Por outro lado, a Europa tem aumentado suas importações de Gás Natural Liguefeito (GNL) da Rússia. Só entre março e outubro de 2022, o aumento foi da ordem de 20%, segundo a consultoria Rystad Energy.
Fato é que o poderio energético da Rússia põe a própria Europa em uma situação conflituosa: à medida que o bloco europeu busca, no curto e no longo prazo, uma independência energética em relação à Rússia, com diminuição, como visto, das importações de gás natural e de petróleo bruto; também estimula a compra de GNL, de modo a garantir a sua própria segurança energética.
Apesar de todo o conjunto de sanções que o Ocidente vem impondo à Rússia desde fevereiro, o Kremlin aposta no aumento das suas próprias receitas. Um hipotético cenário de corte de fornecimento de GNL da Rússia à Europa, por exemplo, poderia trazer prejuízos à economia russa, mas deixaria o bloco europeu à beira de um colapso energético.
A nova configuração na importação da energia russa tem gerado aumento nos preços de energia por toda a Europa, que começa a enfrentar, em dezembro, um inverno desafiador. O racionamento de energia já é uma realidade para parte da população europeia, e o risco de apagão não está descartado. Governos como os do Reino Unido e da Alemanha têm anunciado, desde setembro, planos para subsidiar contas de energia para empresas e residências.
Situação da Petrobrás e o contexto doméstico
Logo no começo de outubro, as ações da Petrobrás atingiram o pico de valor no ano, apesar da decisão da Opep+, que gerava temor no cenário macroeconômico, dado o risco de crescimento da inflação global.
Ao longo das últimas semanas, o valor de mercado da PETR4 apresentou uma queda próxima aos 50%. Porém, essa perda não explica por completo o impacto da decisão da Opep+ sobre a Petrobrás, uma vez que o valor está suscetível, também, a fatores internos, como a interferência do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) no preço dos combustíveis.
Rodrigo Leão aponta que, no contexto brasileiro, há um crescimento nos níveis de incerteza, oque reproduz, em certa medida, o cenário mundial. Para o especialista, “desde a eleição, a Petrobrás está com uma política de preços menos clara. O Preço de Paridade Internacional (PPI), por exemplo, não tem sido aplicado de maneira firme, como antes”. Frente às incertezas, haverá a necessidade de se esperar o desenrolar dos eventos geopolíticos internacionais e aguardar as mudanças de comando que deverão entrar em curso na petrolífera brasileira.
Ainda assim, a Petrobrás deverá buscar meios de se proteger das vulnerabilidades externas, especialmente em um contexto de crescente crise energética. Sobre essa questão, Leão acredita que, para a Petrobrás, um caminho interessante pode ser o de buscar “reduzir a dependência externa de derivados de petróleo”.
Para Leão, o horizonte aponta, também, para a necessidade de se investir em fontes alternativas de energia. “Haverá um processo de investimento de refino, utilizando gás natural e desenvolvendo energia eólica. Será necessário estabelecer políticas de longo prazo para biocombustíveis, visando atingir a soberania energética nacional”, encerra o pesquisador.
*Sob orientação