Falência de modelo chileno de previdência aumenta casos de suicídio entre idosos

Por Norian Segatto

O Chile viveu, entre 1973 e 1990, uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina. Os anos do general Augusto Pinochet deixaram um rastro de milhares de mortes e mais de 200 mil exilados.
No início dos anos 1980, o Chile mudou radicalmente seu sistema de Previdência, abandonando o modelo parecido com o que o Brasil tem hoje para implantar um sistema que só existia em teoria (ou seja, nenhum país jamais havia adotado): cada trabalhador cria sua própria poupança, em uma conta individual. Enquanto fica guardado, o dinheiro é administrado por empresas privadas, as AFP – Administradoras de Fundos de Previdência.
Atualmente, das seis AFPs que atuam no país, cinco são controladas por financeiras multinacionais: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA); BTG Pactual (Brasil) e Grupo Sura (Colômbia). No total, são mais de US$ 170 bilhões (61% do PIB chileno, que é de US$ 277 bilhões) aplicados no mercado de capitais especulativos.
Pelo sistema chileno, para poder se aposentar todos os trabalhadores daquele país são obrigados a depositar ao menos 10% do salário por pelo menos 20 anos. A idade mínima para mulheres é 60 e para homens, 65 anos. Não há contribuições dos empregadores ou do Estado.

Modelo falido para a população
E qual foi o resultado dessa fórmula? Fundos bilionários e pensões com valores muito abaixo do salário mínimo local. Segundo a Fundação Sol (uma espécie de Dieese de lá), organização independente chilena que analisa economia e trabalho, dados de 2015 mostravam que 90,9% do beneficiários recebem menos de 149.435 pesos (aproximadamente de R$ 805,00). O salário mínimo do Chile é de 276 mil pesos (cerca de R$ 1.487,00).
À frente da luta para mudar o sistema previdenciário chileno está o movimento “No mas AFP” (www.nomasafp.cl), que prega o fim do sistema privado de capitalização individual e a volta a um modelo solidário de contribuição. Em 2017, a Fundação Sol informou que as seis AFPs que controlam o mercado tiveram um lucro diário de $ 952 milhões de pesos.
De acordo com o professor da Escola de Administração Pública e de Empresas da FGV Rio, Kaizô Beltrão, várias vantagens teóricas do sistema chileno não se concretizaram. Para o economista, conforme reporta a BBC Brasil, esperava-se que o dinheiro de aposentadorias chilenas seria utilizado para investimentos produtivos e que a concorrência entre fundos administradores de aposentadoria faria com que cada pessoa procurasse a melhor opção para si.

No prática, as administradoras de fundos de pensão do Chile abocanham grande parte do valor da aposentadoria.

Onda de suicídios
Um dos efeitos mais drásticos da redução no valor das pensões e aposentadorias é o aumento de suicídios no país entre a população idosa. Segundo o Ministério da Saúde do Chile, entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida.
No caso dos maiores de 80 anos, em média, 17,7 a cada 100 mil habitantes recorreram ao suicídio. Com isso, o Chile ocupa atualmente a primeira posição entre número de suicídios na América Latina.

Brasil quer copiar o modelo chileno
O futuro ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, já considerado um superministro (em face das limitações teóricas e intelectuais do presidente eleito), é um confesso admirador do modelo chileno de previdência privada, que, por sua vez, foi inspirado nas concepções de Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago e um dos mentores do ultraliberalismo econômico. Seus seguidores eram conhecidos como Chicago boys (Guedes é um desses).
O jornalista chileno Cristián Bofill, especialista em política brasileira, declarou ao jornal El Pais que “quando Guedes voltou de Chicago para o Brasil com seu doutorado, se sentiu marginalizado Os economistas que tinham a hegemonia naquele momento não lhe deram nem as posições acadêmicas nem os cargos no governo que ele sentia ser merecedor. Então, nos anos oitenta foi para o Chile onde foi recrutado por Selume [Jorge Selume Zaror, ex-diretor de orçamento do regime de Pinochet]. Queria conhecer em primeira mão as reformas que os Chicago boys estavam promovendo no país”.
Paulo Guedes já declarou que pretende mudar “radicalmente” o sistema previdenciário brasileiro, implantando o falido modelo chileno. Michelle Bachelet, ex-presidente do país, tentou reformar a previdência, a trazendo para o modelo pré-Pinochet; conseguiu alguns avanços, mas que foram insuficientes para alterar a configuração privatista do sistema. O atual presidente, Sebastián Piñera (de direita) não mexeu nesse vespeiro.
Se depender da vontade de Paulo Guedes, o Brasil caminha para adotar um sistema que criou meia dúzia de bilionários e uma legião de idosos ganhando pensões miseráveis, muito abaixo do salário mínimo, o que aumentou largamente o número de suicídios no país de Pablo Neruda. Um modelo concentrador de renda, é injusto e desumano. Um verdadeiro Robin Hood às avessas.

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