“Eu não duvido que o ano que vem comece como este, com greve”, avalia petroleira

A diretora da FUP, Cibele Vieira, analisa nesta entrevista os resultados obtidos a partir da paralisação ocorrida em fevereiro, destrincha a relação com a gestão da Petrobrás e avisa: “a categoria não vai assistir calada à venda de oito refinarias”

A sindicalista brinca que a ocupação do Edifício Sede da Petrobrás, em fevereiro, foi um estágio para o isolamento imposto posteriormente pela pandemia (Foto: Mídia Ninja)

Por Guilherme Weimann

O ano mal havia começado quando cinco diretores sindicais ocuparam uma pequena sala do Edifício Sede da Petrobrás (Edise), localizado na Avenida República do Chile, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Este ato foi o prenúncio do que se consolidaria como uma das maiores greves da história da categoria petroleira no Brasil.

Uma das integrantes deste seleto grupo que inaugurou a paralisação de fevereiro foi a diretoria da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), Cibele Vieira. “Eu tenho brincado que a ocupação do Edise foi um estágio do que estava por vir na pandemia”, aponta.

O saldo acumulativo da paralisação é a mudança na relação de forças e a forma como a gestão da empresa enxerga o movimento sindical.

Cibele Vieira, diretora da FUP

Para além do simbolismo, a mobilização também resultou em uma mudança concreta nas negociações que se estabeleceram posteriormente com a atual gestão da estatal. “O saldo acumulativo da paralisação é a mudança na relação de forças e a forma como a gestão da empresa enxerga o movimento sindical”, opina.

Entretanto, a petroleira aponta que avanços nas pautas corporativas é uma estratégia dos gestores da companhia para focar no objetivo principal, que são as privatizações. “Eu acho que depois de fevereiro eles perceberam que é possível negociar os termos corporativos sem que isso atrapalhe, na visão deles, o objetivo maior que são as vendas”, afirma.

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Apesar disso, Vieira acredita que a categoria petroleira protagonizará um grande movimento de resistência contra o plano de desinvestimento em curso. “Eu não duvido que o ano que vem comece como este, com greve. Vai depender da velocidade que ocorrerão as vendas, mas a categoria vai responder à altura. Independentemente da estratégia que definirmos, não assistiremos parados a estas vendas, sem resistência. Isso eu tenho certeza”, assegura.

Confira abaixo a entrevista completa:

Este ano começou com a maior mobilização da categoria petroleira desde a histórica greve de 1995. É possível traçar paralelos entre as duas paralisações?

Assim como a de 1995, a última greve de fevereiro começou a ser gestada alguns anos atrás. O pessoal sempre coloca que a partir de 1991 foram ocorrendo diversos acontecimentos que desencadearam a greve de 1995. Na minha opinião, a paralisação deste ano começou ainda em 2015. Desde então, a gente tem travado uma luta contra a privatização e contra as ameaças aos direitos. Esse é um paralelo interessante de ser feito, ou seja, uma grande greve não estoura apenas por conta de um momento específico. Ela é um acúmulo de situações que a constroem. Nesse sentido, eu acho que mais greves virão.

Uma grande greve não estoura apenas por conta de um momento específico. Ela é um acúmulo de situações que a constroem.

Esta foi a maior greve desde 1995, não somente em tempo de duração, mas de intensidade, de nível de enfrentamento que cada pessoa grevista esteve disposta a fazer. É a primeira vez que a gente recebe telegramas em casa, telefonemas da empresa pressionando para voltar e tentativas de contratação de aposentados. Essa foi a primeira vez que a nossa geração passou por isso, de ver as pessoas indo às sedes do sindicato buscando apoio emocional um com o outro, buscando força.

Passado o calor do momento, qual a sua avaliação sobre essa paralisação de fevereiro, levando em consideração as conquistas concretas para os trabalhadores?

Eu acho que a greve de fevereiro mudou a correlação de forças dentro da Petrobrás. Ela começou mais forte no refino por causa da tabela de turno, mas os outros setores foram se somando principalmente por causa da pauta da privatização. Apesar da tabela de turno não afetar o setor de exploração e produção, o pessoal entrou em peso na greve, principalmente quando ela foi ganhando corpo. Isso é outro aprendizado, ou seja, uma greve não se inicia ao mesmo tempo em todos os lugares e com a mesma força.

Qual foi o simbolismo da ocupação do Edise, por exemplo? A total falta de negociação, que é o DNA desta gestão. Mas a partir da greve de fevereiro, eles têm tido que dialogar. A relação negocial com a FUP, principalmente, mudou bastante após a greve de fevereiro. Tanto que a gente vê a diferença entre a campanha do Acordo Coletivo de Trabalho [ACT] deste ano para a do ano passado. No ano passado, a gente só fechou um acordo após seis meses e apenas com mediação no TST [Tribunal Superior do Trabalho]. Agora, neste ano, conseguimos fechar um ACT na mesa de negociação. Isso é fruto da greve.

Eles assumiram a Petrobrás acreditando naquela opinião geral de que o movimento sindical brasileiro como um todo está em descrédito, […] mas perceberam que a gente tem força na base e de mobilização.

Neste momento, as assembleias estão aprovando o indicativo da FUP de aceitação de uma nova regra da PLR [Participação nos Lucros e Resultados]. Tanto o ACT como a PLR não são os melhores dos mundos, mas nesta conjuntura são bons acordos. Paramos de depender de intermediador e isso é resultado da greve de fevereiro. O saldo acumulativo da paralisação é a mudança na relação de forças e a forma como a gestão da empresa enxerga o movimento sindical.

Eles assumiram a Petrobrás acreditando naquela opinião geral de que o movimento sindical brasileiro como um todo está em descrédito, de que os trabalhadores não seguem os sindicatos. Eles chegaram com essa postura, mas perceberam que a gente tem força na base e de mobilização. Eles sofreram um baque na greve de fevereiro.

Se o ano começou agitado, a chegada do novo coronavírus impactou consideravelmente o poder de mobilização de toda a classe trabalhadora. Quais foram as principais consequências da pandemia para a categoria petroleira?

Para nós, que ocupamos o Edise, a greve foi um estágio para a pandemia. Porque eu aprendi a fazer reunião virtual com intensidade durante a paralisação. Tudo bem que agora cumprimos isolamento dentro de casa, é outra relação, estamos com a família. Na pandemia ninguém corta sua energia elétrica ou seu banheiro, como a gestão da Petrobrás fez conosco durante a greve. Mas eu tenho brincado que a ocupação do Edise foi um estágio do que estava por vir na pandemia.

Ainda bem que o surto de covid-19 veio após a greve de fevereiro. Se a Petrobrás aplicou medidas unilaterais na pandemia, que a gente sabe que aplicou, sem a greve teria sido muito pior. Tanto que você vê que ela teve que recuar em muitas dessas medidas, como a redução de salários. Agora, para prorrogar teletrabalho ou o turno de 12 horas, estão tendo que dialogar com o movimento sindical.

Eu tenho brincado que a ocupação do Edise foi um estágio do que estava por vir na pandemia.

O próprio teletrabalho foi implementado de forma unilateral, mas agora a gente tem um Grupo de Trabalho [GT] para discutir os termos do Teletrabalho. O fato de ter havido uma greve na véspera da pandemia colocou a gente em outro patamar relacional com a empresa. Não é o ideal do que gostaríamos, sabemos que existem muitas falhas nesse processo e a empresa tenta nos driblar a partir de medidas locais, por meio daquela velha burocracia que impede as pessoas de saberem quem são os responsáveis por cada decisão. Mas a gente tem tido uma relação bem diferente após a greve.

Se a atual gestão da Petrobrás recuou em alguns temas corporativos da categoria, o plano de privatização se mantém de forma acelerada…

A gestão da Petrobrás não mudou o intuito do que ela pretende fazer, nós não temos essa ilusão. Mas antes da greve eles tinham uma análise de que poderiam tratorar os petroleiros e que a gente engoliria. Não veio de graça a estabilidade de dois anos sem demissões estabelecida no ACT. Eles perceberam que juntando temas corporativos com a privatização a gente estava ganhando força mobilizadora. Por isso, eles estão tentando negociar termos corporativos, porque daí não precisam se desgastar com isso e podem focar nas privatizações. Na minha opinião, eles ficaram mais inteligentes nesse sentido de não ficar brigando por coisas sem tanta importância. Porque os maiores interesses deles são as privatizações.

Eles estão tentando negociar termos corporativos, porque daí não precisam se desgastar com isso e podem focar nas privatizações.

Mas antes eles vinham em uma linha de desmoralizar os trabalhadores e o movimento sindical. Eu acho que depois de fevereiro eles perceberam que é possível negociar os termos corporativos sem que isso atrapalhe, na visão deles, o objetivo maior que são as vendas. Mas nós vamos reagir às vendas também. A categoria não vai assistir calada à venda de oito refinarias. Mas é uma situação ainda de muito medo, de tentar se impor pela incerteza e o medo do futuro de cada trabalhador. Individualmente, as pessoas estarão em busca de uma melhor transferência e de um acordo possível com a empresa. E isso é um fator que dificulta muito a mobilização. E nós, das unidades que não estão à venda, como em São Paulo, temos um papel histórico neste momento. Porque os da linha de frente estão muito mais vulneráveis. Isso é algo que estamos trabalhando com a categoria.

Por isso, eu não duvido que o ano que vem comece como este, com greve. Vai depender da velocidade que ocorrerão as vendas, mas a categoria vai responder à altura. Independentemente da estratégia que definirmos, não assistiremos parados a estas vendas, sem resistência. Isso eu tenho certeza.

Em entrevista logo após a greve de fevereiro deste ano, você disse gostar de estudar emoções. Para além dos resultados pragmáticos, como você avalia o saldo das eleições municipais realizadas em novembro nos corações e mentes das pessoas?

A campanha à prefeitura de São Paulo mostrou que é possível pensar diferente, ter uma volta às raízes. Por mais que o resultado em si, em números de votos, não tenha sido favorável. Se a gente pegar o mapa eleitoral, ele é muito parecido com o verificado na última eleição presidencial. Ou seja, tem uma questão de identidade do campo progressista que vai para além do partido. Provavelmente quem votou no [Fernando] Haddad na eleição presidencial também votou no [Guilherme] Boulos agora para prefeitura.

A forma como foi realizada a campanha do Boulos, que acabou aglutinando a esquerda, foi muito bonita. Foi uma construção que reuniu pessoas com vontade de fazer essa campanha. Nesse sentido, foi parecida com o “Vira Voto”, que ocorreu no segundo turno da última eleição presidencial. Não foi igual, até por ser restrito à cidade de São Paulo, mas foi um movimento que tentou canalizar esse sentimento de uma unidade pragmática, com um olhar para além de um resultado imediato. Todas as nossas análises de conjuntura têm sido assim. Nós estamos vivendo um período longo de resistência. E em um período longo de resistência, você não se supera vendo apenas o resultado do voto.

A esquerda como um todo parou de cair. E é sempre importante parar de cair para voltar a subir.

Eu acho que houve um baque na penúltima eleição municipal, na qual o PT [Partido dos Trabalhadores] diminuiu muito, principalmente. Nesta última, o PT subiu em números de votos. Já em números de eleitos, caiu. Mas você percebe que continua tendo um campo de pessoas que vota na esquerda. A gente percebe que a esquerda não tem caído, tem uma estabilidade. Existem movimentações dentro do campo de esquerda, o PCdoB reduziu e o PSOL subiu. Mas a esquerda como um todo parou de cair. E é sempre importante parar de cair para voltar a subir.

Eu não sou da linha de que houve uma transformação humanitária na pandemia. Mas quem já tinha uma sensibilidade e não se mexia tem se engajado cada vez mais, até pelo acirramento político. Eu acho que trouxe uma esperança de volta. Poder sonhar e fazer diferente foi algo positivo que a eleição nos trouxe, independentemente dos votos. 

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