Entre estimativas e comparações, entenda por que preço da RLAM gerou polêmica

Abaixo do esperado, o valor que a Petrobrás definiu para venda da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, provocou questionamentos e indignações entre analistas e pesquisadores

Analistas de diversas entidades estimam preços de venda de, pelo menos, 30% a mais do que está sendo praticado pela Petrobrás para a privatização da RLAM (Foto: Juarez Cavalcanti/ Agência Petrobras)

Por Petróleo dos Brasileiros

Em comunicado, a Petrobrás divulgou no último dia 14 de maio, no Diário Oficial da União, que notificou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, para o grupo Mubadala, dos Emirados Árabes.

Apesar de ainda depender da aprovação da autarquia concorrencial para finalizar a venda, no fim de março deste ano, o Conselho Administrativo da Petrobrás já havia aprovado a privatização do ativo por US$ 1,65 bilhão, valor, entretanto, que foi considerado abaixo do esperado por diversos especialistas.

Analistas do banco BTG Pactual apontaram que o valor cobrado pela refinaria é 35% abaixo do que foi projetado por eles, assim como o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), que estimou um valor de venda para o ativo em torno dos US$ 3 bilhões.

Vice-diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Ineep, Eduardo Costa Pinto explica que a estimativa calculada pela Petrobrás considera uma premissa diferente da abordada pelas demais entidades que projetaram valor para o ativo. “O preço da refinaria é associado ao quanto esse ativo gerará de dinheiro no futuro, mas como não dá para prevê-lo exatamente, é adotada uma premissa, e a depender dela, muda significativamente o preço do ativo”, comentou.

A corretora XP Investimentos também levantou projeções sobre os ativos da Petrobrás. Antes que a estatal divulgasse o valor oficial de venda da RLAM, a análise da companhia de investimentos apontava que, somadas, as refinarias da petrolífera que estão sob negociação, custariam de US$ 7,9 bilhões a US$ 10,5 bilhões aos compradores. Após a divulgação da estatal, em abril a projeção do grupo caiu para no máximo US$ 4,77 bilhões.

A XP resolveu refazer a premissa para se aproximar da Petrobrás e, assim como a estatal, disseram que o valor era correspondente à duas questões: a queda do preço e ao risco de não se manter a política de preços.

Eduardo Costa Pinto, economista e pesquisador do Ineep

O questionável da premissa adotada pela Petrobrás, segundo Eduardo Costa Pinto, é que o método de cálculo adotado pela estatal precisou ser justificado ao Tribunal de Contas da União (TCU) justamente por apresentar um preço correspondente a metade do que foi estimado por analistas, como por exemplo, do Ineep e do BTG. “É muito estranho que várias instituições estimem o dobro do valor e que, no cenário internacional, tenham refinarias sendo vendidas pelo triplo do preço da RLAM apesar da capacidade semelhante”, contestou.

Como é definido o preço de venda de uma refinaria?

A fórmula considerada para definir o preço de qualquer empresa é denominada valuation, e representa uma área das finanças que estuda o processo avaliativo do valor de ativos a venda. Esse modelo de cálculo proporciona o descobrimento do valor justo pelo qual uma empresa deve ser vendida e, no caso da Petrobrás, é associado ao quanto a parcela vendida da companhia rende no futuro.

Entretanto, o que diferencia os valores obtidos entre analistas são as premissas consideradas, que podem representar resultados positivos ou negativos a depender do que se espera da empresa no futuro. “Se eu esperar que as receitas de vendas não cresçam nada, isso representa uma premissa. Agora, como aconteceu no Ineep, se considerarmos que as despesas da empresa subam após a venda, como ocorreu após a privatização das subsidiaras TAG e NTS, o valor será outro”, demonstrou Eduardo.

No caso da RLAM, segundo o pesquisador, o Ineep utilizou esse método de cálculo e estimou qual era a receita de vendas da refinaria e os custos dos produtos e serviços até chegar ao lucro obtido, isso dentre os três últimos trimestres de 2018 até o terceiro trimestre de 2020.

O economista ainda comentou que, por não possuírem o valor exato da receita de vendas por refinaria da Petrobrás, porque essa informação não é disponibilizada, precisaram estimar qual seria esse valor. “Para isso, nós então multiplicamos a produção pelo preço para chegarmos nas receitas de venda”, informou.

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Após esse balanço, foi calculada a margem bruta, e para encontrá-la, foram retirados os custos de produção, operacionais e depreciação do ativo. “No caso da RLAM fizemos essa conta pelo método de rateio, consideramos a participação da refinaria no parque de refino nacional e multiplicamos essa proporção pelas despesas de venda da Petrobrás”, comentou explicando que esse passo resulta no valor do lucro da refinaria e estima o fluxo livre de caixa – que define o quanto a empresa gerou de lucro antes do resultado financeiro e da participação de impostos.

Assim, foi possível chegar no lucro operacional líquido, valor que foi somado à depreciação da refinaria e subtraído dos gastos de capital para obter o fluxo de caixa livre, representando a receita que a RLAM teve ao longo do tempo.

“Com esses cálculos, foi possível fazer uma média anual. E em um ano, a RLAM gerou um fluxo de caixa livre de R$ 4 bilhões. Para projetar receitas futuras, comparamos essa quantia com algumas hipóteses, como por exemplo, qual será o preço dos derivados no cenário futuro”, explicou o economista.

Para obter essas estimativas hipotéticas, foram utilizados dados de agências que projetam o valor do petróleo no futuro. No caso da refinaria baiana, foi preciso calcular quais são as receitas esperadas para os próximos cinco anos, o que representa o quanto esse ativo renderá no futuro para o comprador.

“Só que dinheiro no futuro é diferente de dinheiro no presente”, lembra o pesquisador do Ineep. Por isso, para atingir esse cálculo com exatidão, o instituto considerou a taxa de desconto, que inclui os riscos do país, quanto e qual é a taxa de juros paga pela Petrobrás, quais os empréstimos ativos na empresa, entre outros custos, e resultou no percentual de 8,4%.

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A ideia desta etapa é trazer esses valores futuros para o presente e, assim, poder calcular todo o fluxo de caixa também no presente. Além de tudo, como a refinaria não dura somente cinco anos após a venda, é calculado também o valor residual, que permite projetar a precificação futura no presente e descobrir o valor real do ativo, já descontando a taxa de 8,4%.

Eduardo Costa Pinto, economista e pesquisador do Ineep

De acordo com os parâmetros utilizados pelo instituto, o valor correto para a venda da RLAM, considerando o câmbio atual, pode chegar até a US$ 4 bilhões, mais da metade do exigido pela petrolífera brasileira.

Comparação com o cenário internacional

Devido à diferença do preço estabelecido pela Petrobrás em relação aos estimados por analistas de diversas instituições – que apontavam projeções de um valor pelo menos 30% maior -, logo surgiram comparações com vendas de refinarias no cenário internacional.

Como exemplo, tem-se o caso da petrolífera estatal de Abu Dhabi, Adnoc, que vendeu parte da refinaria de Ruwais, de pouco mais de 300 mil bpd, por mais de US$ 17 mil o barril, enquanto a RLAM, de 310 mil bpd, cobrou da Mubadala o equivalente a US$ 5.323 o barril.

O estudo comparativo, que mostra a refinaria árabe três vezes mais valorizada do que a RLAM, é do engenheiro aposentado da Petrobrás, Elie Abadie. Na pesquisa ele aponta que, nos últimos 15 anos, a estatal brasileira investiu mais de US$ 4 bilhões na modernização da refinaria baiana. “Não é por ser antiga que ela [RLAM] seja velha, porque ao longo dos anos foram implementadas novas unidades de processo. Então é uma refinaria que está perfeitamente adaptada para o mercado”, explicou.

Corroborando com Abadie, o pesquisador do Ineep, Eduardo Costa Pinto, comentou também que é possível comparar o preço da refinaria brasileira com o da árabe porque ambos os valores de venda são praticados em dólares. “Não somente o tamanho dos ativos são parecidos, como também os custos, porque a precificação do barril de petróleo é em dólar”, relatou.

Ele ainda alertou para os riscos projetados da RLAM – uma das justificativas da Petrobrás para o preço cobrado pela refinaria – , que já estão inclusos nos cálculos de diversos analistas. “É de se estranhar, por que, será que o Brasil é tão arriscado assim para gerar caixa numa refinaria que não tem concorrente?”, questionou Eduardo.

Também ex-engenheiro da Petrobrás, e ex-consultor legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado, Paulo César Ribeiro Lima, igualmente demonstra indignação com o preço apresentado pela estatal para a venda da RLAM.

A refinaria e seus terminais têm uma capacidade de estocagem de 4,3 milhões de barris de petróleo […] e o custo de capital desse processo é de cerca de US$ 130 milhões, sem considerar as facilidades marítimas do ativo.

Paulo César Ribeiro Lima, ex-engenheiro da Petrobrás e ex-consultor legislativo

Tais recursos, somados à 669 km de dutos, segundo Ribeiro Lima representaria um custo de capital ativo da RLAM em torno de US$ 3,93 bilhões. “Mas o valor desse ativo é muito maior, pois permitirá ao comprador exercer uma atividade de quase monopólio na Bahia e contar com vantagens comparativas para abastecer outros estados da Região Nordeste e, inclusive, da Região Norte”, avaliou.

Para o ex-funcionário da Petrobrás, o preço de venda da refinaria está muito abaixo do justo, e chega a ser criminoso. “O comprador terá toda uma infraestrutura operacional, comercial e de recursos humanos […] assim sendo, numa análise superficial, da para estimar a venda da RLAM por volta dos US$ 6 bilhões”, comentou Ribeiro Lima que, mesmo considerando a idade do ativo, com a métrica usual chegou ao valor de US$ 3,33 bilhões para venda – ainda o dobro do praticado pela estatal.

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