Na primeira publicação do ano, presidente afirmou incorretamente que os altos preços dos combustíveis foram destinados ao pagamento da dívida da Petrobrás
Por Guilherme Weimann
No final de dezembro do ano passado, a Procuradoria-Geral da República defendeu manter a investigação do presidente Jair Bolsonaro (PL) por divulgação de fake news relacionadas às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro. Entretanto, essa é apenas a ponta de um iceberg de desinformação, que inclui uma campanha sistemática contra as medidas de prevenção à covid-19.
Com os sucessivos reajustes, os preços dos combustíveis também entraram na pauta de Bolsonaro, que tem responsabilizado frequentemente os governadores e oscilado em relação ao poder de decisão do governo federal – em maio de 2021, ao trocar o comando da estatal, disse que “é para interferir mesmo”, mas em diversas outras ocasiões afirmou que não pode fazer nada em relação ao tema já que a Petrobrás teria transformado sua política de preços em regra.
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No meio dessa mistura de versões, os valores cobrados pela gasolina, diesel e gás de cozinha não param de crescer. Somente em 2021, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço final da gasolina subiu 46%, do diesel 45% e do gás de cozinha 36%.
Diante desse cenário, o chefe do Executivo começou o ano de 2022 com um post no Facebook no qual novamente se esquiva de responsabilidades, ataca a corrupção e o Partido dos Trabalhadores (PT) e distorce números. A seguir, a reportagem destrincha cada uma das mentiras ou meias verdades levantadas por Bolsonaro.
Bolsonaro: Em 2021 foram recuperados R$ 6 bilhões em acordos de leniência e delações premiadas. Prova inconteste da corrupção existente na empresa.
Em laudo de 2015, peritos da Polícia Federal estipularam que os desvios em contratos da Petrobrás variam entre R$ 6,4 bilhões e R$ 42,8 bilhões, levando em consideração margem de 3% a 20% de propina.
Desde 2014, a Justiça brasileira tem realizado acordos de colaboração, leniência, repatriações e renúncias que, ao longo dos últimos sete anos, devolveram aos cofres da empresa R$ 6,17 bilhões.
Em 2021, diferentemente do que afirma Bolsonaro, a Petrobrás recuperou o valor de R$ 1,2 bilhão. A maior parte desse valor foi resultado de acordo de leniência do Judiciário Federal com a multinacional Samsung Heavy Industries, uma das maiores empresas de fabricação de navios do mundo, no valor de R$ 811 milhões – deste total, R$ 705 milhões foram destinados à Petrobrás.
Bolsonaro: A Petrobrás vem se recuperando de desmandos e desvios praticados num passado bastante recente, mas que ainda refletem nos preços dos combustíveis de hoje.
O ex-juiz Sergio Moro, declarado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em suas ações contra o ex-presidente Lula (PT), afirmou no final do ano passado que a Operação Lava Jato combateu o PT de forma eficaz. Por isso, apesar dos depoimentos de ex-diretores da empresa apontarem que práticas de corrupção existiam há décadas na empresa, as investigações se concentraram no período dos governos petistas.
Além disso, práticas suspeitas da diretoria da empresa – que em grande parte é indicada pelo governo federal – continuaram no governo Bolsonaro. A Refinaria Landulpho Alves (Rlam), por exemplo, foi vendida pela Petrobrás pela metade do seu valor de mercado. De acordo com cálculos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a refinaria estava avaliada entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, mas foi vendida por apenas US$ 1,65 bilhões ao grupo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes.
Em fevereiro, o então gerente-executivo de Recursos Humanos da Petrobrás, Claudio Costa, vendeu 2.800 ações que possuía da estatal, antes da queda dos preços decorrente de declarações de Bolsonaro de que iria trocar a presidência da companhia, o que gerou lucro de R$ 25 mil.
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A transação, confirmada por Costa, enquadra-se no crime de “insider trading”, que consiste em utilizar informação privilegiada de uma empresa para lucrar no mercado financeiro. Devido à divulgação do balanço financeiro da Petrobrás do 4º trimestre de 2020, que ocorreu no dia 24 de fevereiro, estava vedada desde o dia 9 de fevereiro (15 dias antes) a negociação de ações da empresa por acionistas controladores, diretores, integrantes do Conselho de Administração e funcionários com funções técnicas ou consultivas.
Com isso, no dia 29 de março, a Petrobrás soltou um comunicado à imprensa no qual informava a demissão de Costa devido ao episódio, que classificou como “pontual”. Entretanto, um mês depois, no dia 28 de abril, o Conselho de Administração da companhia decidiu que o desligamento não seria feito por justa causa.
Bolsonaro: A dívida bruta da Petrobrás, em 2021, caiu de U$ 160 bilhões para U$ 60 bilhões.
Como aponta relatório anual de desempenho financeiro, a companhia fechou o ano de 2020 com dívida bruta de US$ 75 bilhões. Portanto, o anúncio de que a dívida bruta fechou o ano de 2021 em US$ 59,6 bilhões, significa redução de US$ 15,4 bilhões.
Parte desse valor foi quitado com privatizações, que representaram US$ 4,8 bilhões no ano de 2021, de acordo com comunicado da própria empresa. Além disso, a redução da dívida para um patamar abaixo dos US$ 60 bilhões não é uma coincidência.
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Em outubro de 2020, a Petrobrás revisou sua política de remuneração aos acionistas, o que passou a permitir o pagamento de dividendos mesmo quando a empresa apresentar prejuízo. A partir de então, os dividendos passaram a ser definidos de acordo com a dívida da empresa.
Com o endividamento bruto acima de US$ 60 bilhões, a empresa pode remunerar seus acionistas se a dívida líquida tiver apresentado redução nos 12 meses anteriores ao pagamento. Com o endividamento bruto abaixo dos US$ 60 bilhões, a companhia pode efetuar pagamentos adicionais, superando o mínimo obrigatório ou um valor equivalente a 60% da diferença entre o fluxo de caixa e o valor dos investimentos, mesmo sem lucro contábil.
Bolsonaro: Essa queda (100 bi), em parte, foi quitada com lucro na venda de combustíveis que você paga nos postos em todo o Brasil.
Como dito anteriormente, a queda da dívida não foi de US$ 100 bilhões, mas de US$ 15,4 bilhões. Além disso, grande parte do lucro com a venda de combustíveis foi destinada em forma de dividendos aos acionistas.
Em 2021, a Petrobrás bateu recorde ao distribuir R$ 63,4 bilhões (cerca de US$ 12 bilhões) em dividendos.