Estratégia geopolítica une árabes, russos e chineses para tentar parar o crescente poder do continente americano no mundo do petróleo
Artigo de Rodrigo Leão, coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)
[Publicado originalmente em El País]
A tão aguardada reunião da Opep+, grupo que reúne os membros da Opep e outros onze países produtores liderados por Rússia, México e Oman, que aconteceu na última quinta-feira (09) e teve seus termos ratificados no domingo (12), deve ter grandes impactos para os maiores produtores do continente americano, incluindo o Brasil. A expectativa de que ocorreria um corte substancial da produção de petróleo em consonância com a brusca queda da demanda foi frustrada.
Por trás dessa estratégia, está uma disputa em torno de quem ditará as regras do mercado mundial de petróleo nas próximas décadas.
Segundo estimativas da Rystad Energy, o consumo de petróleo no mundo deve cair cerca de 27,5 milhões de barris por dia neste mês de abril, (uma queda de cerca de 28% da demanda global) e cerca de 19,1 milhões de barris por dia no mês de maio. Por isso, as expectativas eram de que a Opep+ estabelecesse um acordo de corte inicial de produção de, pelo menos, 15 milhões de barris por dia. Mas, o acordo fechado na reunião foi de apenas 10 milhões de barris por dia. O que isso significa?
Significa que, nos próximos dois meses, a produção mundial de petróleo deve ficar num patamar (90 milhões de barris por dia) ainda muito superior ao consumo petróleo (76,5 milhões de barris por dia). Ou seja, a menos que outros grandes produtores façam um esforço semelhante ao da Opep+, o mundo será inundado de petróleo barato.
O corte aquém do esperado foi explicado, em primeiro lugar, pelo fato de alguns países, principalmente o Irã e o México, criarem dificuldades até mesmo para aceitar essa redução mais modesta, de 10 milhões de barris por dia. Segundo matéria do Wall Street Journal, os representantes mexicanos deixaram a reunião antes de o acordo ser concretizado. E, em segundo lugar, pelo desejo da Opep+ de forçar que EUA, Canadá, Brasil, Colômbia e Noruega também participem do corte de produção a fim de equilibrar a oferta e a demanda global de petróleo.
Pode-se entender o resultado da reunião como uma espécie de “resposta geopolítica” da Opep+ à escalada dos produtores do continente americano, principalmente dos EUA e seus aliados.
Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) mostram que, em 2013, a Opep representava 40,2% da produção global de petróleo, enquanto EUA, Canadá, Brasil, Colômbia e Noruega (América+1) participavam com 23,7%. Em 2019, a fatia detida pela Opep caiu para 35,1% e a do grupo América+1 subiu para 28,1% e mais grave: a projeção em 2025 era que a participação da América+1 ficasse num patamar muito próximo ou quase igual ao da Opep (cerca de 32-33%).
Esse foi apenas mais um sinal de que a Opep+ não assistirá passivamente à ascensão dos países desse grupo como protagonistas do mundo do petróleo. A abrupta queda do preço do barril no começo do mês de março; a declaração do Ministro de Petróleo do Irã, Bijan Zabganeh, no começo de abril, de que a reunião da Opec+ somente deveria ocorrer depois que EUA e Canadá sinalizassem o corte de produção que pretendiam fazer; e o adiamento da realização da própria reunião foram outros sinais de que o bloco liderado por sauditas, russos e iranianos não estão dispostos a perder sua condição de coordenar os rumos da produção e do preço global do petróleo.
Nesse cenário, não pode ser esquecido o papel relevante da China que, logo antes da reunião, comprou um volume gigantesco de petróleo para estoque, principalmente da Arábia Saudita. Com isso, o país asiático, além de transferir uma cifra considerável para os sauditas, contribuiu para que a retomada da demanda global seja ainda mais lenta do que o esperado anteriormente.
Ao tudo que indica, a despeito das diferenças do posicionamento geopolítico de Rússia, Irã e Arábia Saudita, momentaneamente forma-se uma aliança entre a Opep+ e a China para que os Estados Unidos e seus vizinhos aliados percam ou – pelo menos não aumentem – sua influência nas decisões-chave do mundo do petróleo. O próprio acordo já impõe novas obrigatoriedades aos produtores americanos.
O Brasil, que já havia anunciado um redução de 200 mil barris por dia da sua produção, pode realizar cortes ainda maiores. Os Estados Unidos garantem que compensarão os cortes de produção que deveriam ser feitos pelo México. E o Canadá assevera que continuará reduzindo sua produção. Aliás, o próprio Ministro de Recursos Naturais do Canadá, Seamus O’Regan, presente na conferência realizada entre os países do G20 na sexta-feira (10), reconheceu que, independente do resultado do acordo, o Canadá seria obrigado a continuar reduzindo sua produção em Newfoundland, Alberta e Saskatchewan.
O acordo para os cortes de produção gera outros tipos de preocupações para os produtores dos Estados Unidos e de seus vizinhos.
Em razão das características da produção de Brasil, Colômbia e Noruega, cortes abruptos podem ter consequências graves no médio prazo, principalmente quando esses países decidirem colocar o “pé no acelerador” novamente. Embora EUA e Canadá tenham maior flexibilidades para ajustar a produção, suas empresas de pequeno e médio porte terão grandes dificuldades para resistir a uma crise de médio prazo na produção.
Por isso, as avaliações sobre o tempo de retomada do consumo interno e a capacidade de atuar de forma verticalizada, a fim de atender seus próprios mercados são chave para que esses países e suas empresas consigam sobreviver a essa tempestade. Tempestade que não deve ser curta. Ainda mais quando seus adversários estão dispostos a prolongá-la o tempo que for necessário.