Tribunal ampliou mais uma vez modelo de contração precarizante com julgamento sobre diferenças salariais
Em março de 2017, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.330/1998, do empresário e ex-deputado federal Sandro Mabel. O texto permitiu a terceirização sem limites, inclusive na atividade-fim, a principal da empresa, até então considerada ilegal.
Após a promulgação pelo ex-presidente Michel Temer, o PL tornou-se a lei 13.429 e trouxe segurança jurídica para o aumento dos acidentes de trabalho e formalizou a diferença entre direitos para trabalhadores diretos e terceirizados que exercem a mesma função na empresa.
Segundo levantamento da Federação Única dos Petroleiros (FUP), entre 1995 e 2018, 81,48% das mortes no Sistema Petrobrás foram de terceirizados.
Os dados mais recentes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre o tema apontam ainda que, no mesmo período, considerando todas as categorias, dos 377 mortos em serviço, 307 eram terceirizados.
Fundamentos suficientes para barrar a ampliação desse modelo de contratação. Mas não para o Supremo Tribunal Federal (STF), que no dia 26 de março constituiu maioria para apontar, durante julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.546, que não é possível equiparar salários de terceirizados e efetivos, ainda que realizem a mesma atividade.
Somente os ministros Marco Aurélio de Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Luiz Edson Fachin foram contrários à decisão.
Dessa vez, ao julgar uma demanda de isonomia salarial de um trabalhador terceirizado em relação a um servidor público aprovado por concurso, o ministro Luís Barroso invocou os princípios da livre iniciativa e concorrência que “asseguram ao agente econômico a decisão sobre terceirizar ou não parte das suas atividades e, ao fazê-lo, baixar custos”.
O magistrado complementou com a ideia de que “exigir que os valores de remuneração sejam os mesmos entre empregados da tomadora de serviço e empregados da contratada significa, por via transversa, retirar do agente econômico a opção pela terceirização para fins de redução de custos”.
O argumento, portanto, de aumento dos empregos e especialização dos trabalhadores para justificar a aprovação do projeto de lei, utilizado há quatro anos por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e então parlamentares como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro revelou-se um engodo, como aponta o juiz do Trabalho Jorge Souto Maior.
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“Não só esse julgamento, mas o conjunto de decisões do STF que se aprofundaram desde 2014, demonstram o objetivo de enxergar o direito do trabalho como algo voltado a atender unicamente interesses econômicos, deixando em segundo plano ou em plano nenhum os interesses do trabalhador e da trabalhadora”, pontua.
Atropelamento da lei
Em 2018, o Supremo já havia considerado lícita a terceirização sem limites, ao destacar que a “livre iniciativa e a liberdade contratual” devem prevalecer, conforme justificou o ministro Luiz Fux.
Ele foi relator do Recurso Extraordinário (RE) 958.252 e deu parecer favorável à Celulose Nipo-Brasileira (Cenibra), que questionou a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) contrária à terceirização na empresa.
Mesmo caminho adotado pelo ministro Luiz Barroso, também em 2018, que ao relatar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, proposta pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), decidiu pela inconstitucionalidade da súmula 331 do TST, referência no impedimento para a contratação de terceiros voltada à atividade-fim.
Souto Maior alerta ainda que o desemprego recorde no país, na marca das 14,3 milhões de pessoas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pode servir novamente como justificativa para aprofundar a terceirização.
“Nos tribunais, já é possível identificar um aumento expressivo da terceirização e de contratações sem registro, sem trabalho formal por conta da fragilidade do direito do trabalho. Mas muito desse cenário não está refletido nos processos por conta de outra medida presente na reforma trabalhista, a imposição de custos aos trabalhadores que pretendessem formular reclamações trabalhistas”, explica.
Ele refere-se a um dos pontos da reforma aprovada em 2017 que determina o pagamento das custas do processo caso o empregado perca a ação. Inclusive nos casos daqueles que tiverem acesso à justiça gratuita.
Para o juiz, porém, mesmo com a decisão do Supremo é possível que as ações movidas por sindicatos e trabalhadores foquem na aplicação do direito à igualdade.
“O direito é um ordenamento jurídico composto por diversos dispositivos legais. Se não há mais o dispositivo da equiparação, é possível buscar outras formas de estabelecer a isonomia a partir de valores como o impedimento à discriminação”, define.