Trabalhadores foram orientados a tratar sua frequência com material enganoso e procedimento irregular
Por Arthur Bob Ragusa*
A saga de práticas antissindicais na Refinaria de Paulínia (Replan) continua. A gestão da unidade acumula diversos casos de constrangimentos ao direito de associação sindical e ao direito de manifestação, que vão desde proibir as assembleias na área do estacionamento – hoje, os trabalhadores fazem suas reuniões na beira da rodovia, o que aumenta os riscos de acidentes – até punições por participação em atos e setoriais organizativas da categoria.
O último episódio dessa novela é a recente orientação para o tratamento de frequência dos trabalhadores e trabalhadoras que participam das atividades do sindicato. O tratamento de frequência é um procedimento em que se inserem certos códigos em um sistema, cada um referente a uma ocorrência específica: licença médica, férias, hora extra, etc. Em seu material denominado “Divulgação – Tratamento de Frequência”, obtido pela direção do Sindipetro-SP, a gestão da refinaria indica que “Caso ocorra um atraso na entrada devido à assembleia sindical, deve ser utilizado o Código 1041”. No mesmo material, o nome da ocorrência para este código é “Atraso – Assembleia Sindical”, conforme pode ser observado abaixo:
Contudo, quando a direção sindical investigou a lista geral de códigos de ocorrências, bem como a interface do sistema de tratamento de frequência, encontramos uma realidade bastante diferente. As imagens abaixo falam por si:
O nome da ocorrência para o código 1041 no sistema e na lista é “Ausência Não Justificada”. A descrição da ocorrência prevista pelo código é “Aplicável às ausências parciais não autorizadas do empregado em situações não previstas em lei e/ou não admitidos administrativamente pela Companhia”. Além disso, há um campo de “Observações” na lista de ocorrências que prevê: “Desconto de horas não trabalhadas. Pode determinar a aplicação de Medidas Disciplinares de Advertência ou Suspensão”.
Há duas camadas de prática antissindical envolvidas neste caso. A primeira é flagrante: a gestão da companhia publicou deliberadamente material que traz informação falsa. A segunda camada é mais profunda. Vamos interpretar a aplicação do código 1041 para a ocorrência de assembleia sindical conforme a visão da gestão da Replan:
- Se o trabalhador parou em uma assembleia, este momento é uma “Falta Não Justificada”;
- A “ausência parcial do empregado” seria por situação não prevista em lei e/ou não admitida administrativamente pela gestão da empresa. Bem, as assembleias tem previsão legal, na Constituição, na legislação trabalhista e até mesmo na Declaração Universal dos Direitos Humanos;
- A gestão da companhia não “admite” a ocorrência de assembleia. Vejamos as imagens abaixo, nas quais os gerentes da área de RH incentivam os trabalhadores a participarem do último ciclo assembleias, no final de junho:
Mesmo que não houvesse esta evidente contradição, cabe o questionamento: por acaso cabe à gestão da Petrobrás, ou de qualquer empresa, “admitir” a ocorrência de assembleia sindical? Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal pode questionar o artigo 8º, cláusula pétrea de nossa Constituição;
- Segundo as “Observações” da gestão da companhia, a ocorrência de assembleias pode “determinar” a aplicação de “Advertência” ou “Suspensão”. É ilegal, vai contra a CF88, contra a CLT, contra as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e contra o próprio histórico da refinaria pré-2019. Talvez, a gestão atual da Replan de fato se considere acima do Supremo Tribunal Federal (STF)…
Como se a situação já não fosse vexatória, eis que a direção sindical encontra o código 1126 na lista geral. O nome desta ocorrência é “Participação Assembleia”. É considerada uma “ausência justificada”. A descrição dessa ocorrência é “Abono concedido ao empregado para participação em assembleia sindical somente quando houver liberação da Companhia”. O que significa que, para a gestão, algumas assembleias são “admitidas”, conforme sua conveniência.
Vamos lembrar que no ano de 2019, até mesmo os gerentes gerais das refinarias e outros ocupantes de cargos de chefia da empresa participaram de assembleias e constrangeram seus subordinados a fazerem o mesmo. Aliás, o ano de 2019 é emblemático para o rol de contradições da gestão da Petrobrás. Naquele mesmo ano, em mesa de negociação nacional, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) pautou a liberdade de associação sindical, prevista até mesmo no Código de Ética da empresa, na época em seu item 2.5. Havia informações de uma ordem para que os ocupantes de cargos de chefia se desfiliassem de seus sindicatos. O gestor que representava a empresa na reunião confirmou tudo e ainda disse que a justificativa era de que haveria “conflito de interesses”. O mesmo conflito, ao que tudo indica, se dissipou quando os mesmos ocupantes de cargos de chefia “precisaram” participar das assembleias.
Portanto, não há nada de novo na conduta da atual gestão da Replan, ou da Petrobrás. O que você, trabalhador e trabalhadora, deve fazer diante desse cenário de circo de horrores é dizer um sonoro “não”, exercer o seu direito de recusa, pois o procedimento sugerido pela empresa não é seguro!