Pesquisadora relata perseguições e violências contra trabalhadores e trabalhadoras petroleiros no período prévio e após o golpe empresarial militar de 1964 e propõe celebração da resistência como remédio contra a repetição
Por Juliana Oliveira
A ditadura no Brasil perseguiu opositores e de todo tipo, mas teve nos trabalhadores e trabalhadoras seu principal alvo. A Petrobrás não foi a exceção. Neste artigo, a pesquisadora Juliana Gonçalves de Oliveira Ferreira – assessora da FUP, doutoranda em História Social pela UFRJ e pesquisadora do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (Lehmt/UFRJ), relata a repressão desatada pelo regime, e reivindica a necessidade de fortalecer a memória do acontecido.
Confira a íntegra do artigo:
Há 60 anos, o Brasil sofreu um golpe e os trabalhadores e trabalhadoras foram o alvo principal dos militares e das elites econômicas nacionais e multinacionais. Nos anos anteriores ao golpe, muitas conquistas dos trabalhadores organizados alcançaram a esfera pública, impondo reconhecimento às diversas categorias em luta.
No campo, os trabalhadores organizados por diversas forças políticas em todo o país conquistaram o direito à sindicalização e os direitos trabalhistas no ano de 1963, por meio do Estatuto do Trabalhador Rural. A luta pela terra fez com que o debate atingisse as esferas governamentais, sendo a reforma agrária reconhecida pelos governos municipais, estaduais e federal como essencial para alcançar o desenvolvimento econômico.
Uniam-se, através da luta por direitos, todas as categorias naquele início dos anos de 1960. Víamos a reivindicação pelo 13º salário e as bandeiras por Reforma Agrária em manifestações públicas, assim como a defesa da encampação das refinarias.
Os petroleiros da Petrobrás, trabalhavam e viviam sob a disciplina militarizada, desde a criação da empresa. É importante frisar que, assim como outras estatais criadas a partir dos anos de 1940, era responsável por alçar o país ao desenvolvimento e mantinha um modelo de disciplina fabril militarizado, exacerbado após o golpe de 1964.
Para entendermos, da criação da empresa até a fundação dos primeiros sindicatos de petroleiros e a articulação de unidade nacional nos anos iniciais de 1960 desses vários sindicatos dos trabalhadores da Petrobrás e das refinarias privadas, os petroleiros viviam à mercê da gestão militar e administrações das unidades e sofriam, desde a superexploração da sua mão de obra, até castigos físicos.
Relatos desse período anterior à criação dos sindicatos denunciam prisão dos trabalhadores dentro dos tanques vazios, espancamentos, até a queima de carteiras de trabalho dos trabalhadores que reivindicavam melhores condições de trabalho. Reivindicações eram acolhidas pelas gestões e chefias como atos de indisciplina, como ruptura do dever de “defender a Petrobrás” e “construir o desenvolvimento”, resultando em exacerbadas punições e demissões.
O fortalecimento dos sindicatos e as primeiras manifestações e greves nas unidades da empresa e, principalmente, a articulação nacional dos sindipetros no início dos anos 1960, trouxeram conquistas econômicas que se estenderam para substituições da presidência e dos comandos nas unidades e garantiram um mínimo de condições para os trabalhadores.
Esse fortalecimento e a articulação nacional dos sindipetros com a pauta reivindicatória específica, inclusive com a participação dos sindicatos das refinarias privadas, foi essencial naquele início dos anos 1960. A defesa do monopólio estatal com a bandeira da encampação das refinarias privadas articulou a luta específica dos petroleiros e a defesa da empresa com a luta de toda a classe trabalhadora do país.
O Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, momento em que João Goulart, atendendo as reivindicações dos trabalhadores, anunciou as reformas de base, entre elas a Reforma Agrária, a reforma universitária, o tabelamento dos alugueis e o decreto de encampação das refinarias privadas foi o estopim para o golpe de 1964.
Toda a movimentação e conquista dos trabalhadores e de suas organizações enraiveceu as forças conservadoras e golpistas. Cultivavam os golpistas uma paranoia “anticomunista”. As conquistas dos direitos dos trabalhadores seriam, para militares, homens da elite econômica brasileira e multinacional, o princípio da implantação da “República Sindicalista”.
Todas as conquistas foram postas abaixo e todas as organizações da classe trabalhadora foram duramente reprimidas, já no 1º de abril. As sedes dos sindicatos foram destruídas, trabalhadores e dirigentes sindicais foram presos, desaparecidos e assassinados.
Resistir sempre
Mas, ao contrário do que se propaga, houve muita resistência. Nas fábricas estatais os trabalhadores se organizaram para defender as unidades da invasão de militares. Houve resistência na Fábrica Nacional de Motores, na Companhia Siderúrgica Nacional, na Petrobrás e em muitas outras fábricas.
Na Petrobrás, houve paralisação de produção, impedimento de abastecimento de combustível das forças golpistas entre outras ações que resistiram ao golpe. As informações sobre a resistência podem ser verificadas nos documentos da empresa no período, que foram liberados após a instauração da Comissão Nacional da Verdade em 2011, assim como as ações de punição empreendidas pelas forças militares golpistas.
Vemos relatos da resistência no Relatório da Comissão de Investigações que esquadrinhou os servidores da empresa que resistiram ao golpe, após ações como o bloqueio dos portões da RPBC com cangurus, guindastes e rolos compressores, paralisação das caldeiras que alimentavam o refino, batizado da gasolina, caso os golpistas furassem o bloqueio, ou ainda; na Reduc, trabalhadores além de parar a produção e tentar resistir a entrada de tropas do exército, viabilizaram o envio de petroleiro carregado de combustível para as tropas que resistiam ao golpe no Rio Grande do Sul. Na Bahia, a quase totalidade dos trabalhadores, incluindo os da segurança e vigilância industrial aderiram à greve geral que estava convocada em todo o país.
Consta neste relatório que 1500 trabalhadores da Petrobrás foram investigados pela comissão que era composta por alunos-oficiais da Escola de Comando e Estado Maior do Exército com a colaboração de autoridades do Conselho de Segurança Nacional, dos diferentes órgãos de informação da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, das Secretarias de Segurança Estaduais e de “elementos idôneos”.
Aos que foram considerados culpados, por “incontinência de conduta”, as punições empregadas iam desde a suspensão, transferência de unidade, exclusão dos quadros da empresa, até o encaminhamento à Comissão encarregada de processar os inquéritos policiais militares instaurados na Petrobrás para os devidos fins.
O golpe, em relação às conquistas, significou um retrocesso sem tamanho ao conjunto da classe trabalhadora. O enfraquecimento dos sindicatos abriu ainda mais os caminhos para a superexploração do trabalho, para o aumento dos acidentes e mortes, o arrocho salarial, a perda de estabilidade.
Mas, apesar da permanente vigilância e opressão, trabalhadores, dentro das possibilidades foram se reorganizando e, no final dos anos 1970 construíram greves e mobilizações que permitiram retomar na década seguinte a possibilidade de construção de um país melhor.
Há quem diga que esse passado deve ser enterrado. Porém, o esquecimento desse período nefasto se desdobra na permanência de violências e autoritarismos em todos os setores da sociedade. É preciso denunciar as violências, mas, também comemorar as resistências, para enriquecer nossas visões e pensar o presente, planejando um futuro mais justo e sem opressões.
*Juliana Oliveira é assessora da FUP e doutoranda em História Social pela UFRJ.