Diretor do Sindipetro Unificado, Tiago Franco Teixeira terá que desembolsar R$ 21 mil por ter participado de manifestação na USP, em 2013, que cobrava investigação sobre possível crime
Na última sexta-feira (28), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) negou apelação e manteve condenação em ação civil por danos morais do petroleiro e diretor do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado-SP), Tiago Franco Teixeira, por episódios que ocorreram em 2013 nas dependências da Universidade de São Paulo (USP).
Na decisão, o desembargador e relator João Pazine Neto afirma que Tiago acusou injustamente outro colega de universidade, chamado José*, de ter cometido estupro. Também considerou que houve uma invasão à sala de aula com o objetivo de linchar o suposto estuprador e cobrar do professor Eduardo Navarro providências em relação ao caso.
Além de Tiago, a metroviária Camila Farão também foi condenada por ter disseminado a acusação de estupro e pela participação na invasão à sala de aula com a finalidade de constranger a vítima.
Na decisão, o relator chegou a reconhecer as ameaças que José passou a direcionar aos condenados, Tiago e Camila, e a seus familiares após o episódio. O estudante enviou também uma foto armado para o e-mail da secretaria da universidade, dizendo que “não ficaria em paz” sem justiça.
Apesar de constatar os danos morais que essas ameaças causaram a Tiago e Camila, o relator aponta na sentença que esses fatos seriam levados em consideração para fixar o valor do dano sofrido por José, que é “evidentemente muito maior que o sofrido pelos réus”.
Tiago e Camila, entretanto, negam todas as acusações pelas quais foram condenados. Os dois relatam que participaram de uma manifestação que cobrava investigação do caso e a criação de canais de acolhimento de vítimas de violência sexual dentro da universidade. Também garantem que nunca acusaram José de ter cometido estupro.
O valor estipulado para cada um dos condenados é de R$ 10 mil, com juros de mora de 1% ao mês desde a citação, além do pagamento das custas, despesas processuais e verba honorária arbitrada em 20% do valor da condenação. No total, Tiago e Camila terão que pagar R$ 42 mil.
Entenda o caso
Estudantes da disciplina Tupi IV, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP, viajaram ao Rio de Janeiro para realizar um trabalho de campo entre os dias 24 e 27 de agosto de 2013.
No último dia da viagem, uma intercambista, de nacionalidade chinesa, foi encontrada sozinha em estado de choque na praia. A estudante não quis comentar sobre os motivos que a levaram a ficar naquele estado, mas pediu que nenhum homem se hospedasse no mesmo alojamento que ela.
O único aluno que desrespeitou o pedido da intercambista foi José, que havia sido achado desacordado em outro local da praia no mesmo dia. Com isso, foi impedido por outros dois estudantes de entrar no alojamento com a força necessária. O professor Eduardo Navarro, responsável pelo trabalho de campo, orientou José a voltar para São Paulo. Tiago e Camila não participaram da viagem.
Chegando em São Paulo, José entrou com processo por agressão física contra os dois estudantes que o impediram de entrar no alojamento. A intercambista encontrada em estado de choque se afastou da disciplina de Tupi e, posteriormente, voltou ao seu país de origem, a China.
Em outra ação civil que José abriu por danos morais contra a USP, e julgada improcedente, o juiz afirma na sentença que as declarações da testemunha arrolada pelo autor “demonstram que as irresignações dos alunos não era infundada, já que a alegação da aluna intercambista era a de que o autor havia dado um abraço pelas costas da aluna, além de pegar na mão dela”.
A testemunha, no caso, é o professor Eduardo Navarro. No processo de Tiago e Camila, ele também afirmou que o episódio se caracterizou como um choque cultural. Consta na sentença: “A estudante chinesa teria relatado ao professor que, de fato, ficou sozinha com o autor na praia. Este, por sua vez, passou os braços sobre seus ombros e apenas este gesto teria sido suficiente para assustar a estudante, que vem de cultura totalmente diferente da brasileira”.
“Esse depoimento do professor é completamente machista e representa um desrespeito enorme à mulher brasileira. Ele aponta que o abraço sem consentimento gerou um choque psicológico à estudante apenas por ela ser chinesa, como se isso não fosse um típico caso de violência sexual se cometido contra mulheres brasileiras”, opina Tiago.
Na volta da viagem, o professor foi procurado por estudantes que cobravam uma atitude do docente. “Nós procuramos amigavelmente o professor, para que ele acolhesse a vítima, desse suporte, e abrisse uma investigação, levasse o caso para o âmbito da universidade”, afirma Tiago.
Com a negativa do professor, um grupo de estudantes, incluindo Tiago e Camila, realizou manifestação do lado de fora de uma aula ministrada, que contava com a presença de José. “Em nenhum momento nós acusamos o José de estuprador, a manifestação tinha como objetivo cobrar medidas de acolhimento e prevenção à violência sexual na universidade”, explica Tiago.
José, entretanto, afirma que ficou na iminência de sofrer um linchamento, que foi agredido física e moralmente, sendo obrigado a permanecer acuado dentro da sala de aula até a chegada da polícia. Tiago e Camila afirmam que nem chegaram a entrar na sala de aula.
Após esse episódio, José passou a perseguir Tiago e Camila e a disseminar uma série de ameaças por meio de mensagens em redes sociais e e-mail. Em uma dessas mensagens, inclusive, ele chegou a enviar a foto do filho de Tiago, ameaçando sua integridade. Como relatado anteriormente, o estudante também enviou um e-mail para a secretaria da universidade em que aparece armado.
Esses fatos, entretanto, não impediram que a Justiça condenasse Tiago e Camila por terem participado da manifestação na universidade – que contou com dezenas de pessoas -, realizada com o objetivo de propor políticas de prevenção, acolhimento e investigação de casos de violência sexual na universidade.
Violência sexual nas universidades
Entre setembro e outubro de 2015, o Instituto Avon realizou a pesquisa “Violência contra a mulher no ambiente universitário”. Foram ouvidos 1.823 estudantes de todo o país, sendo 60% mulheres e 40% homens.
Os resultados mostram que 67% das mulheres afirmam terem sofrido algum tipo de violência dos homens. Além disso, 56% já sofreram algum tipo de assédio sexual e 28% algum tipo de violência sexual.
Apesar desses altos índices verificados de violência, a maioria das mulheres não conseguem responder às agressões. A pesquisa identificou que 63% delas admitem não ter reagido quando sofreram algum tipo de violência.
Um dos motivos, justamente, é pelo medo da exposição, da reincidência das agressões e da impunidade. Diante disso, 78% das mulheres opinaram que o tema da violência contra a mulher deveria ser incluído nas aulas e 95% acreditam que a universidade deveria punir os responsáveis por cometer violência contra mulheres na instituição.
O Escritório USP Mulheres também realizou uma pesquisa entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2018, que recebeu 13.500 respostas (8.500 completas), de homens e mulheres. Nos resultados, 26% admitiram terem sofrido algum tipo de violência moral, 7% foram submetidos a violência sexual e 3% físicas.
No caso de violência sexual, o número é bastante desparelho se comprados gêneros e orientações sexuais. Apenas 2% dos homens declararam que sofreram violência sexual, enquanto a porcentagem sobe para 11% entre as mulheres.
Apenas 1% dos homens e 9% das mulheres heterossexuais sofreram algum tipo de violência sexual. No caso de homens e mulheres homossexuais ou bissexuais, a porcentagem aumenta para 6% e 23%, respectivamente.
Apoio
O Sindipetro Unificado-SP formulou uma carta de apoio a Tiago e Camila, na qual contestam as decisões da Justiça e reforça a necessidade de criar instrumentos que combatam a violência sexual e de gênero em todas as instituições.
Além disso, endossa o apoio à campanha de arrecadação coletiva para contribuir com o pagamento do valor de R$ 42 mil devidos à Justiça.
*O nome foi modificado para preservar o sigilo.