Assembleias irão definir modelo de trabalho que petroleiros adotarão
Como defendeu o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, também na Petrobrás, o método de aproveitar o momento para passar a boiada resulta em prejuízos para a categoria que podem não ser visíveis em curto prazo, mas tendem a causar problemas em médio e longo período.
A jornada de turno de 12 horas implementada de maneira unilateral pela direção da empresa durante a pandemia de covid-19 será submetida pelo Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo (Sindipetro-SP) à avaliação da categoria, junto com os demais regimes de turno.
Nas próximas semanas serão realizadas duas assembleias para definir, primeiro, qual a opção da categoria entre as sete de turnos de oito horas referendadas pela Petrobrás, e, segundo, para escolher entre a de oito horas preferida pela categoria e a de 12 horas, em vigência.
Momento de reflexão
A primeira polêmica está em relação à opção já implementada na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), em Cubatão. Clique aqui para conhecer a tabela.
Em fevereiro deste ano, logo após a mediação feita pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) para a greve nacional dos petroleiros contra o fechamento da Fafen-PR (Fábrica de Fertilizantes do Paraná) que durou 20 dias, a empresa aceitou um acordo com o sindicato dos petroleiros do litoral paulista.
Porém, a companhia alega agora que em apenas cinco meses os critérios mudaram e esse formato não será mais aceito.
O sindicato questionou a direção, inclusive oficialmente, sobre a falta de parâmetros para a decisão, mas não recebeu qualquer resposta. Diante da incoerência, também esse formato será disponibilizado para escolha dos petroleiros, portanto, acrescenta entre as opções acolhidas pela empresa também esta.
Tabelas de turno referendadas pela Petrobrás e da RPBC
A segunda polêmica é sobre o turno atual de 12 horas, uma das opções que a Petrobrás encaminhou aos sindicatos. A empresa pretende transformar o que era emergencial e paliativo em algo definitivo, mas há aspectos jurídicos e de bem-estar que precisam ser avaliados.
Conforme aponta o diretor do Sindipetro-SP, Arthur ‘Bob’ Ragusa, o que faz os trabalhadores terem de estender a jornada não é a distribuição de horas, como a Petrobrás tenta vender, mas sim a falta de investimento em efetivo.
Cuidado na escolha
“Existe um problema estrutural grave na empresa Petrobras. A política de contratação é frágil, não existe planejamento a médio e longo prazo. Não se leva em conta média de aposentadoria, mortes, e a necessidade do tempo de especialização para atividades profissionais como operadores e técnicos de manutenção que demoram de 2 a 5 anos para serem formados. Se a Petrobrás tivesse uma curva de efetivo e processo de contratação eficiente, ela poderia trabalhar entre bandas, na relação entre o mínimo exigido e 20% acima dessa base, por exemplo. E aí o problema de efetivo se confunde com o de regime”, explica.
Dessa forma, o que era periférico, se torna principal. “As sobrejornadas são tão grandes que os trabalhadores acham que os turnos de 12 horas são melhores. Mas, após os 20 dias da greve do início deste ano, com a mediação do TST (Tribunal Superior do Trabalho), nós estabelecemos uma discussão para escolher entre tabelas de oito horas, obedecendo a parâmetros legais, porque entendemos que a de 12 horas depende de compreensão jurídica maior e mais pesquisa sobre impactos na saúde. E construímos essas tabelas de oito horas em todas as bases, tiramos 27 opções que mandamos em março para a companhia. Mas a resposta só veio em julho, associada a uma imposição de 12 horas durante a pandemia e aí o debate se torna muito mais emotivo e latente”, explica.
Para o Sindipetro-SP, a jornada de 12 horas não é a melhor alternativa, mas Ragusa ressalta que a categoria é soberana para definir em assembleia qual opção deseja referendar.
Impacto na saúde
Especialista em ergonomia pela Universidade de São Paulo (USP), Leda Leal destaca que nenhuma forma de revezamento é realmente boa para os trabalhadores e a escolha fica sempre a partir daquele que causa menor impacto.
“Somos seres diurnos, preparados para atividades durante o dia e descanso à noite. Quando invertemos isso, temos consequência para a saúde, porque contraria nossos mecanismos”, explica.
Professora titular da faculdade de Saúde Pública da USP Frida Fischer aponta como essa inversão pode impactar na vida dos petroleiros.
“O número de doenças crônicas em quem trabalha em horários não diurnos é maior do que se a pessoa trabalhasse somente durante o dia. Não há dúvidas a esse respeito. Nos anos 2000, fiz com um colega uma pesquisa em uma petroquímica que não era da Petrobrás e tinha jornada de 12 horas. No caso do turno diurno, não havia diferença significativa entre a 2ª, 6ª e 10ª hora. Mas no turno noturno, o alerta que a pessoa indicava na 10ª hora do turno era significativamente menor do que no início da jornada de trabalho”, aponta.
A doutora explica ainda que a metabolização das substâncias tóxicas com os quais a categoria tem contato é mais acentuada à noite. “Para trabalhadores em turno há exposições em múltiplas naturezas, físicas, químicas e biológicas e pouco se conhece sobre o efeito combinado dessas exposições, principalmente no período noturno, em que estariam mais suscetíveis aos efeitos da exposição ocupacional.”
Há também o aspecto legal do turno da jornada de 12 horas. Para assessoria jurídica da FUP (Federação Única dos Petroleiros), da forma como é aplicada atualmente, ela é ilegal porque demanda nova e específica negociação coletiva de trabalho, conforme determina a cláusula 50 do ACT, e por ferir a o artigo 2º da Lei 5.811/72, que o restringe a atividades específicas de no mar e em áreas terrestres distantes ou de difícil acesso.
Mesmo a reforma trabalhista de 2016, que permite a jornada estendida de trabalho, impõe 36 horas de descanso, porém com os intervalos legais de repouso e alimentação.
Bob Ragusa alerta para que a escolha da categoria vá além das facilidades que o momento atual representa.
“Pode parecer mais cômodo irmos menos vezes à empresa, passarmos mais finais de semana com nossa família, mas nossa luta deve ser para que tenhamos mais trabalhadores e um número menor de jornada. E, assim, possamos aliar saúde com a boa convivência. Não há nada mais importante que nossa vida, e isso deve ser considerado a médio e longo prazo”, define.