Neste artigo, escrito para o Jornal Petroleiros do Sindipetro Unificado, a coordenadora do Coletivo de Mulheres Petroleiras da FUP, Bárbara Bezerra, critica a ofensiva legislativa contra o aborto legal e chama a combater o fascismo com organização e luta
Por Bárbara Bezerra*
Nas últimas semanas, assistimos o tema “aborto” ser trazido à tona como um grande problema da humanidade, como um grave dano moral a ser excretado da sociedade vil e assassina de bebês. O presidente da Câmara trouxe o PL 1904 para ser votado com urgência, ou algo de muito grave aconteceria ao Brasil. Será? Do quê essa “novidade” está tratando mesmo?
Inicialmente, quero corrigir o tema. Trata-se de um PL do Estupro. Pois sim. Quando o assunto principal é aumentar a pena para quem aborta e diminuir para quem estupra, temos que tratar o PL de acordo com quem ele favorece, não é mesmo? E essa urgência? O que aconteceu para ser modificado assim, no apagar das luzes, fugaz como um relâmpago? Nada de novo. Mas para entender os interesses exclusos sobre a neo judicialização desse tema, precisaremos fazer algumas retrospectivas.
Primeiro, temos que entender que a lei não é nova. A lei é de 1940. A discussão sobre o aborto também não é nada nova na sociedade brasileira. Lembro aqui de uma capa da revista Veja, de 1997, onde tinha a foto de várias mulheres com a frase “Eu fiz aborto”. No meio da capa um ícone da TV brasileira, a apresentadora Hebe Camargo. E, curiosamente, outras mulheres famosas, inclusive duas que sucumbiram ao fascismo atual do país.
Segundo, precisamos falar do avanço do fascismo no nosso país nos últimos anos, principalmente nos dois últimos governos, o do golpe e o seguinte. A filósofa Márcia Tiburi nos diz que “Fascismo é uma expressão que vem sendo usada para definir formas espetaculares de exposição de preconceitos raciais, sexuais, de gênero, de classe e vários outros ao nível do cotidiano concreto ou virtual. (…). Mas o fenômeno atual caracteriza-se por explosões de ódio que causam espanto a quem olha o mundo e a sociedade em termos democráticos”.
O fascismo que entranhou-se no Brasil nos últimos anos odeia mulheres. E nós sabemos disso. Ele não nos deixou quietas em casa, lavando nossas roupas sujas. Tivemos que nos manter mobilizadas nas ruas, desde o histórico “Ele Não”, até mesmo no resultado apertado das eleições presidenciais de 2022, onde nós fizemos a diferença.
O que observamos com preocupação é que o fascismo sofreu essa pequena derrota nas eleições presidenciais de 2022 e ele detesta perder. Afinal, que fique explícito entre nós, a democracia não acabou com o fascismo. É notória a necessidade de enraizar-se no judiciário, no parlamento, nas escolas, nas igrejas. Ele precisa se perpetuar de qualquer maneira. A falsa moral é sempre boa companhia dele e serve de boa ignição para seu sistema de ódio.
Artur Lira e CIA pensaram em cacifar essa Lei já pouco cumprida. Diminuindo o direito ao aborto legal para 22 semanas de gestação. Tratando o assunto como óbvio, de pleno acordo com a sociedade onde pátria, moral e família estão acima de tudo. Acredito que a reação contrária, rápida e contundente das mulheres organizadas, não era algo que tropa e CIA contavam.
E aqui vou lhes contar um segredo que eles não sabiam: violência contra meninas, uma unanimidade brasileira. Ouso dizer que todas nós lembramos de alguma violência sexual sofrida na infância. Se não foi diretamente no nosso corpo, foi de uma irmã, de uma prima, de uma vizinha, fazendo com que nos sintamos culpadas ou feridas. Se não foi comigo, poderia ter sido. Sempre ali, dentro do ambiente doméstico, com pessoas de “confiança”, de forma sorrateira a violência sexual é convivida, e negada.
Todas nos sentimos culpadas de alguma forma por sermos vítimas. Guardamos o silêncio dessas dores e transformamos em luta sempre que vemos sinais dela se perpetuar ou se voltar para nossas meninas. Não é fácil admitir que já silenciamos violências, é um processo doloroso, angustiante, com nó na garganta. Mas a ameaça de perpetuação dessa violência é reagida com essa força veloz que vimos nos últimos dias e não só por mulheres politicamente ativas. A tentativa de retrocesso coloca em voga de fato outro assunto: a cultura do estupro. Essa sim, precisa de leis que a combatam, precisa de urgência e é uma cicatriz profunda na sociedade brasileira.
Não contavam com a força das nossas dores. Sigamos, atentas, juntas e fortes, combater ao fascismo é fundamental para nossa paz.
*Bárbara Bezerra é diretora do Sindipetro NF e coordenadora do Coletivo de Mulheres Petroleiras.