Dividendos somarão R$ 180 bilhões, o que equivale a 125% do lucro da empresa neste ano; 45% desses recursos vão para acionistas estrangeiros
Por Vinicius Konchinski, especial para o Sindipetro-SP | Edição: Guilherme Weimann
O conselho de administração da Petrobrás aprovou nesta quinta-feira (3) o pagamento de R$ 43,7 bilhões em dividendos a acionistas. Em sua última reunião para análise de resultados da estatal antes de o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumir o governo e o controle da empresa, o grupo decidiu antecipar a remuneração de investidores repassando a eles praticamente todo o lucro do terceiro trimestre da companhia.
De julho a setembro, a Petrobrás lucrou R$ 46,1 bilhões – alta de 48% na comparação com o mesmo período do ano passado. Desde o início do ano, são R$ 144 bilhões em lucros – valor que supera o lucro recorde de R$ 106 bilhões obtido durante todo o ano passado por conta dos altos preços dos combustíveis vendidos pela estatal à população brasileira.
E, apesar dos lucros recordes neste ano, a soma dos dividendos pagos pela Petrobrás é ainda mais alta. Considerando a remuneração anunciada na quinta, a estatal já comprometeu-se em pagar R$ 180 bilhões a seus acionistas em 2022. Isso é 125% o valor do lucro da empresa. Ou seja, no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), a Petrobrás está repassando a seus investidores mais dinheiro do que a própria empresa ganhou.
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“De forma absurda, a política de dividendos da Petrobrás permite pagamentos trimestrais com saque, inclusive, na conta reserva de lucros, o que implica redução do patrimônio líquido da empresa”, explicou o presidente da Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro), Mário Dal Zot.
O patrimônio líquido é uma espécie de poupança de empresas. Serve geralmente para pagar investimentos, os quais, no longo prazo, tendem a garantir mais lucros.
No caso da Petrobrás, com mais dividendos e menos patrimônio, o investimento está limitado. A Anapetro teme que isso possa comprometer o futuro da empresa em prol de interesses imediatistas de acionistas.
Isso é um verdadeiro crime lesa-pátria
Por isso, a associação e a Federação Única dos Petroleiros (FUP) informaram que vão questionar na Justiça o pagamento de dividendos tão altos.
“Isso é um verdadeiro crime lesa-pátria”, reclamou o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar. “Em 2022 serão R$ 180 bilhões de adiantamento de dividendos referentes a 2022, mais R$ 37 bilhões pagos no primeiro semestre, relativos a restos a pagar de dividendos de 2021. Ou seja, a Petrobras vai distribuir mais de R$ 210 bilhões a acionistas.”
Para o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP), a atual política de pagamentos de dividendos da Petrobrás é hoje “um dos maiores programas de concentração de renda e de evasão de divisas no país”.
“A gente concentra renda porque o lucro da Petrobrás vem dos preços elevados de gasolina e gás pagos pela população. Ainda perde dinheiro porque boa parte dos dividendos da Petrobrás vai para o exterior”, complementou.
Atualmente, mais de 45% dos acionistas da estatal são estrangeiros. O governo, que é o controlador da empresa, tem 36% das ações.
Efeito Bolsonaro
Foi no governo Bolsonaro que a Petrobrás pagou, pela primeira vez em sua história, mais dividendos do que o total de seu lucro. Segundo um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de 1995 a 2018, a Petrobrás distribuiu a seus investidores, em média, 30% dos seus ganhos anuais.
Sob Bolsonaro, a empresa aprofundou sua busca pelo lucro vendendo combustível no Brasil a preços internacionais e ainda passou a destinar esse ganho quase que diretamente a acionistas. Em 2020, por exemplo, a empresa lucrou R$ 7,1 bilhões. Distribuiu a investidores R$ 10,3 bilhões – ou seja, 145% do ganho anual.
Em 2021 e 2022, a lucratividade da companhia disparou junto com o preço do barril de petróleo mundo afora. Alinhada com interesses de grandes bancos de investimento, a Petrobrás manteve a estratégia de pagar elevados dividendos.
Em agosto, inclusive, ela acabou eleita a empresa que mais remunera acionistas no mundo, segundo dados da gestora de investimentos Janus Henderson.
Enquanto isso, o investimento da estatal está em queda. De 2018 a 2021, ele caiu mais de 30%. No ano passado, foram 8,7 bilhões de dólares em investimentos. Isso é 81% a menos do que o recorde registrado em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff (PT). Naquele ano, foram investidos 48 bilhões de dólares.
De acordo com o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto, em 2022 a Petrobrás reaplicou em suas atividades 25% do que ela lucrou, percentual que ele considera baixo.
Lula já afirmou que pretende mudar a política de preços e de investimentos da Petrobrás, o que tende a reduzir os dividendos. De 2003 a 2010, quando Lula presidiu o país, eles nunca passaram de 37% do lucro da companhia, mantendo uma média de 32%.
Na sexta-feira (4), representantes de investidores demonstraram preocupação com essa eventual mudança na política de remuneração numa conferência em que executivos da Petrobrás detalharam os resultados trimestrais da empresa. Os diretores indicados por Bolsonaro defenderam que os atuais pagamentos não comprometem a situação da companhia, mas admitiram que os dividendos podem mudar assim que Lula tomar posse.