OAB deve notificar o ex-ministro de Bolsonaro, para que ele esclareça se o novo trabalho como consultor tem relação com a advocacia
Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve notificar o ex-juiz Sergio Moro, para que ele esclareça se o trabalho que vai desenvolver na consultoria norte-americana de gestão de empresas Alvarez & Marsal tem relação com a advocacia. O ofício deve ser enviado até esta terça-feira (1º), segundo a revista Época. Ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, Moro anunciou que será sócio-diretor do escritório em São Paulo. A consultoria é especializada em recuperação judicial e gestão de ativos, e atua como administradora judicial do Grupo Odebrecht.
A Odebrecht, desde sempre um dos alvos da Lava Jato, protocolou pedido de recuperação extrajudicial em agosto deste ano, autorizado em outubro pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. A gigante da construção civil tem dívidas de aproximadamente R$ 3,3 bilhões.
“Coisa estranha”
“É no mínimo uma coisa estranha, pouco ortodoxa, que o juiz que atuou no caso vá atuar como consultor”, diz o advogado Leonardo Yarochewsky. Para ele, a trajetória de Sergio Moro desde sua atuação na Lava Jato reforça a sensação de estranheza causada pelo anúncio de seu novo cargo, agora na Alvarez & Marsal.
“Ele foi um dos responsáveis diretos por afastar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva das eleições em 2018, em razão da condenação em Curitiba. Depois, aceita ser ministro do principal adversário (Bolsonaro), o homem que mais ganhou com a saída de Lula da corrida presidencial. Conforme se disse na ocasião, Moro já negociava o cargo antes mesmo de deixar a magistratura, o que compromete todo o julgamento. E, agora, aceita esse cargo no mínimo estranho, para não dizer antiético”, relembra o advogado.
Para o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, o movimento de Sergio Moro para ser consultor na Alvarez & Marsal de fato exige manifestação da OAB. “É antiético. Se ele atuou como juiz contra uma parte, não pode depois ser advogado da parte. Ele vai atuar como advogado consultivo, mas não deixa de ser advogado”, destaca. No Twitter, Moro confirmou o novo cargo. “Não é advocacia, nem atuarei em casos de potencial conflito de interesses”, alegou.
Juiz parcial
Dizer que o juiz atuou “contra uma parte” pode parecer equivocado. Mas Moro “se mostrou um juiz parcial, e um juiz parcial não é juiz”, observa Yarochewsky. “O princípio da imparcialidade é inerente à função de julgador. No caso Lula, o então juiz Moro foi uma espécie de partícipe do órgão acusador (Ministério Público), não se colocou numa posição equidistante entre acusação e defesa, muito pelo contrário.”
Em julho deste ano, o PT entrou com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) com três pedidos de investigação contra grupo de procuradores da operação em Curitiba e seu coordenador, o procurador da República Deltan Dallagnol. O partido denunciou acordo de cooperação ilegal firmado entre a força-tarefa da Lava Jato e o FBI.
O Ministério da Justiça informou não haver documentos em seu poder que oficializem a cooperação entre procuradores norte-americanos e brasileiros no caso de Lula. Em 2017, em evento público, o procurador americano Kenneth Blanco afirmou que os procuradores americanos cooperaram com os brasileiros na acusação do tríplex. Se o Ministério da Justiça não tem documentos, logo, essas tratativas não são oficiais e, portanto, são ilegais, argumenta a defesa de Lula.
“É possível que agora, com a cutucada do ministro Lewandowski, saia alguma coisa desse pedido (do PT, de julho)”, diz Aragão. Ele se refere à decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que na semana passada determinou que Lula deve ter acesso irrestrito ao acordo de leniência com a Odebrecht no qual ele é citado. (Leia a íntegra da decisão aqui).
Destruição econômica
Segundo dados divulgados pelo jornal Valor Econômico no ano passado, as principais empreiteiras do país envolvidas na Lava Jato comandada por Sergio Moro perderam 85% da receita líquida. Passaram de 71 bilhões para R$ 10,6 bilhões entre 2016 e 2018. O setor registrou perdas de 1 milhão de vagas de emprego entre 2014 e 2018, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada e Infraestrutura (Sinicon).
Em dezembro de 2014, oito meses após a deflagração da Operação Lava Jato, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou, em debate em São Paulo, que as instituições brasileiras não percebiam àquela altura a gravidade do enfraquecimento da Petrobras e das empreiteiras do país envolvidas em denúncias de corrupção. Ele lembrou na ocasião que a estatal brasileira e as construtoras eram responsáveis por parcela enorme do investimento no país, e não se poderia “reinventar” de repente grandes empresas da construção civil que participaram de obras do porte da usina de Itaipu, por exemplo.