Segundo fontes ouvidas pela reportagem, Petrobrás sempre produziu gasolina com valores iguais ou superiores aos estabelecidos pela ANP; especificação veio para frear combustíveis de baixa densidade vindos de outros países
Por Guilherme Weimann
A partir desta segunda-feira (3), passou a vigorar novos padrões para a gasolina vendida nos postos de combustíveis do país. Os novos critérios foram estabelecido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), com a justificativa de melhorar o rendimento do motor, com menor consumo e menos poluentes. Em contrapartida, o órgão prevê aumento nos preços do combustível.
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As novas especificações preveem uma massa específica mínima de 715 kg/m³ e de uma octanagem de 92 RON (sigla em inglês que significa “pesquisa do número de octanas”) para gasolina comum e 97 para a gasolina premium. A partir de janeiro de 2021, o índice passa a ser de 93 RON para a gasolina comum. Esta é a forma de medição utilizada na Europa e nos Estados Unidos.
Até agora, o índice utilizado pela Petrobrás era o IAD (Índice Antidetonante) de 87. O IAD é medido pela soma do RON e do MON (sigla em inglês que significa o “número de octanas do motor), dividido por dois. No geral, o RON tem um valor superior ao MON em até 10 octanas.
Lugar nenhum do mundo quer esses combustíveis, aí eles desovam aqui. Até por ser inferior, chega aqui com preço competitivo.
De acordo com o técnico, que preferiu não se identificar, da Refinaria de Paulínia (Replan) – a maior do Brasil em potencial de refino -, a gasolina da Petrobrás sempre superou os novos padrões da ANP. “A nossa gasolina sempre atendeu esses critérios, não muda nada. A nossa sempre teve RON acima de 92, inclusive. Não existe nenhum registro abaixo disso. A densidade não tem especificação atualmente, mas não me lembro de ver um valor de 715 kg/m³, isso é muito baixo”, relata.
Para o petroleiro, as novas regras servem apenas para frear as gasolinas de baixa qualidade, que entraram em abundância no país com o aumento das importações nos últimos anos. “As gasolinas importadas têm densidade muito mais baixas que a nossa. No entanto, atendem aos critérios da ANP e podem ser comercializadas aqui. Mas são combustíveis inferiores aos da Petrobrás, rendem menos. Lugar nenhum do mundo quer esses combustíveis, aí eles desovam aqui. Até por ser inferior, chega aqui com preço competitivo. Para nós, as novas especificações não mudam nada, apenas para postos que importam essas gasolinas de má qualidade”, explica.
Aumento das importações
Após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, a Petrobrás passou a adotar uma política de preços com paridade do mercado internacional, sob a gestão de Pedro Parente. Isso levou a aumentos semanais e até diários dos combustíveis, principalmente a partir de julho de 2017.
Nesse ano em que vigorou a política de preços, em 2017, as importações de gasolina cresceram 82% e do diesel 67%. Por outro lado, o fator de utilização das refinarias da Petrobrás, segundo a ANP, foi de 72,5% – com capacidade de 2,4 milhões de barris por dia de petróleo, produziu apenas 1,74 milhões.
A ociosidade das refinarias também se manteve no ano passado, apesar do recorde de produção de óleo cru. Em 2019, a estatal produziu em média 2,77 milhões de barris de petróleo por dia, enquanto refinou apenas 1,765 milhões em suas unidades.
A baixa qualidade do combustível importado é consequência dessa nefasta política de preço da Petrobrás.
Para o mecânico da Replan e diretor do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado-SP), Gustavo Marsaioli, essa política de priorizar a exportação de óleo cru e importação de derivados gerou essa piora na qualidade da gasolina disponível no mercado.
“Mesmo postos de bandeira Shell, Texaco, antes da política de preços que ocorreu no governo Temer, com o Pedro Parente, 90% ou mais do combustível brasileiro era produzido pela Petrobrás, porque o preço era imbatível. Com os constantes aumentos, começou a viabilizar o combustível de fora, mas a qualidade é inferior. A baixa qualidade do combustível importado é consequência dessa nefasta política de preço da Petrobrás”, opina Marsaioli.
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O sindicalista, entretanto, mostra-se pessimista em relação aos novos parâmetros adotados pela ANP. “Mesmo com a mudança nos critérios, a ANP tem uma capacidade baixa de fiscalização, então não acredito que mude muito o cenário. Está muito evidente que o atual governo não tem muito apreço por fiscalização, não apenas na área de combustíveis. Na questão ambiental verificamos a deterioração dos mecanismos de fiscalização”, avalia.
Marsaioli também ressalta que a qualidade dos combustíveis no país podem piorar ainda mais, caso a governo leve adiante o plano de privatizar oito refinarias da Petrobrás.