Carta de um petroleiro punido

Sindipetro Unificado publica, 4 anos depois, carta de petroleiro punido durante a greve de 2020

Quatro anos após a histórica greve petroleira de 2020, a segunda maior da história da categoria, tiramos do baú das memórias uma carta escrita ao calor do momento por um dos companheiros que foram punidos por exercer seu direito à greve. O relato, misto de revolta, orgulho pela trajetória de luta e gratidão pelos companheiros e companheiras, ficou longo tempo na gaveta, esperando o momento certo de ver a luz. O momento chegou.

Confira a íntegra:

Prezados amigos, companheiros e familiares,

Meu nome é Wladimir Coutinho dos Santos, trabalho na Petrobrás há 30 anos e estou lotado na UTE/LCP (Usina Termelétrica Luís Carlos Prestes), na cidade de Três Lagoas (MS).

Iniciei minha carreira em 1988 ainda como estagiário concursado, em 1989 assinei a CTPS como operador e desde então passei por várias unidades desta grande empresa, como plataformas, refinarias, fertilizantes, tratamento de gás natural e, hoje, geração de energia elétrica.

Nestes trinta anos, honrei meu uniforme como todo e qualquer petroleiro que se preza, que ama o que faz e sabe de sua importância para esta grande engrenagem que move o Brasil. Passamos por várias crises, ganhamos novos companheiros, perdemos outros, choramos, sorrimos e criamos uma grande família que se espalha pelo Brasil.

Nestes trinta anos, fiz uma carreira idônea, ganhando o respeito dos colegas e dando meu respeito a eles, isso tudo conquistado pelas atitudes e opiniões sempre claras e sem qualquer maquiagem.

Também fiz greves, apanhei da polícia, tive salário subtraído, perdi promoções, cursos, cargos, mas também por vezes pude conquistá-los, sempre com a certeza de dever cumprido, cuidando e sendo cuidado por cada um de vocês.

Entretanto, hoje venho aqui, tomado por uma imensa emoção e uma tristeza incomensurável, relatar o que venho passando no final de minha carreira como técnico de operação, sempre petroleiro.

Durante o mês de fevereiro, nós, trabalhadores do Sistema Petrobrás, fizemos uma greve dura e cruel, muito parecida com a greve de 1995, em defesa dos trabalhadores do Paraná, de nossos empregos e pelos empregos dos que também nos punem.

Foi dura, meu amigo, marcada por ameaças, traições de companheiros que outrora dividimos mesas de nossas casas e postos de trabalho. Mas assim é a política doentia em que vivemos. A Petrobrás não é uma empresa de um único dono, é de quem lá trabalha, é de quem sente orgulho de saber que esta empresa é brasileira e não desiste nunca: é uma empresa do povo brasileiro.

A greve se encerrou após duras negociações entre o governo e os trabalhadores, tivemos alguns ganhos, mas também sérios prejuízos. Faz parte da luta. Entre vários prejuízos que vamos experimentar estão os descontos como reflexo dos dias parados. Tudo bem, também faz parte, lutar com este governo irresponsável é difícil e, no nosso íntimo, ainda assim saímos vitoriosos.

Em árdua mesa de negociação, o TST, o MPT e a FUP, acordaram entre vários itens a não punição posterior dos trabalhadores participantes do movimento em razão da greve. Para nós isso foi uma grande vitória, mas para os nossos “patrões” foi a verdadeira e única derrota deles. Eu mesmo, após meu retorno, fui ameaçado pelo gerente do ativo onde trabalho, na frente de companheiros, dizendo: “você sabe que isso não vai ficar assim”.

Passaram-se duas semanas do ocorrido e no último sábado começaram as perseguições e punições. Estes que se acham donos da Petrobrás, donos de nossas vidas, em desacordo com qualquer orientação maior, resolveram nos punir com suspensão de cinco a quatorze dias, imputando sobre nós fatos inverídicos, deturpando nosso código de ética e conduta, desrespeitando o acordado na maior esfera judicial trabalhista, o TST, com a presença do custos legis, MPT e trabalhadores.

Na opinião desse trabalhador, esse senhor que se intitula dono de nossas vidas, como se “DEUS” fosse, cometeu vários desvios morais, irresponsáveis e por não dizer também vários crimes, que passo a expor agora.

Esse senhor fez reuniões na entrada dos turnos para comunicar as punições, os punidos chegavam para trabalhar e eram presenteados com um chamado para comparecer à sala de reunião gerencial, lá se encontravam sempre ele, o gerente setorial e um supervisor. Isto ocorreu uma vez no turno da manhã, uma vez no turno da tarde e duas no turno da noite. Causou uma indignação sem tamanho, não só aos envolvidos, mas também a quem chegava ali para trabalhar, ainda obrigava a um operador que já havia cumprido o seu turno a trabalhar mais outro turno, ato este em desacordo com ACT firmado entre a empresa e os trabalhadores.

Saliente-se que vivemos uma pandemia mundial, um vírus ainda sem cura, que se espalha silenciosamente, causando óbitos e intranquilidade por onde passa. Porque falo isso? Porque faltou a esse senhor o sentimento de respeito ao próximo, de humanidade, de honestidade. Faltou também a ele a análise das consequências que este ato vaidoso acarretaria.

Nós já estamos com nossos salários diminuídos, e não somos os únicos que sentimos isso, reflete-se exponencialmente em nossa vida familiar, tudo isso pela vaidade e prepotência de quem se acha melhor ou superior a todos nós.

Esta atitude, em um grupo operacional já reduzido, trouxe ainda mais prejuízo do que aqueles já experimentados pelos punidos, com dobras de até dezenove horas, ameaças em caso de não aceitação de trabalho na folga e, pior, exposição e diminuição da imunidade de cada um que lá fica obrigado a permanecer.

Fui tratado, depois de trinta anos de empresa, como um marginal, um bandido. Fui humilhado na frente de pessoas que nem mais considero como pessoas, tive que tirar forças de onde nem tinha para encarar meus colegas, estes sim que merecem meu respeito, tive que chegar em casa e encarar minha mulher e meus filhos tentando mostrar uma força difícil de manter.

Aqui preciso apenas ressaltar que graças a Deus tenho uma mulher que está comigo há trinta e três anos e nunca me abandonou ou pôs em dúvida a minha responsabilidade familiar, seja no provimento material ou sentimental, que este senhor que nos pune, infelizmente tenta destruir.

Já estou suspenso há quatro dias e, meus amigos, não está sendo fácil, estamos em isolamento social em razão da covid-19, mas mesmo assim agradeço a cada companheiro que se solidariza com nosso problema. O Brasil todo sabe da injustiça que está sendo cometida aqui.

No meu breve conhecimento jurídico de aproximadamente vinte anos, não posso deixar de imputar a este senhor algumas condutas reprováveis em uma sociedade, estas sim à margem das leis.

Em um momento crítico para toda a humanidade, retirar do convívio profissional quatro profissionais em um universo já reduzido, obrigando a outros tantos a realizarem escalas de trabalho mais que em duplicidade, retirar destes quatro profissionais a possibilidade de prover a eles mesmos e suas famílias condições de amenizar todo o prejuízo material, humano e por não dizer de saúde e descumprir um acordo judicial firmado entre empresa e trabalhadores na presença das mais altas instituições jurídicas brasileiras é no mínimo irresponsabilidade.

Não vou tipificar cada desvio de conduta aqui, até pela emoção que experimento ao escrever estas palavras, nas minhas conversas com os companheiros, já o fiz.

Quero agradecer, especialmente ao SINDIPETRO UNIFICADO na pessoa do diretor sindical PUNIDO e também amigo ALBÉRICO, ao jurídico deste mesmo sindicato na pessoa da DRA. DÉBORA, a FUP na pessoa do diretor SIMÃO ZANARDI, aos companheiros da UTGCA, na pessoa dos meus amigos TAVARES e NICOLINE, aos amigos da REDUC na pessoa do meus amigos MAGELA e VÍTOR, aos meus amigos do COMPERJ, na pessoa dos meus amigos PALAGANO e DAVID e por fim aos meus dezessete verdadeiros companheiros da UTE/LCP, por todo o esforço que vêm fazendo para reverter estas injustiças.

Sem querer mais esticar esse desabafo, venho aqui dizer a cada amigo, a cada companheiro, a minha esposa e aos meus filhos, que apesar de tudo isso e por vocês, vou me manter forte e preparado para mais essa luta, mais uma, talvez a mais dura, de tantas já travadas.

Sem mais por ora,

Três Lagoas, 20 de março de 2020.

Wladimir Coutinho dos Santos

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