Treinamentos que estavam abandonados são retomados a toque de caixa
Por Luiz Carvalho
Em 17 anos de Petrobrás, o técnico de operação pleno e diretor de base do Unificado (Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo) Steve Austin contabiliza apenas duas horas de treinamento em um simulador. E isso há cerca de 10 anos. Treinamentos que estavam abandonados são retomados a toque de caixa
A realidade vivida por ele é comum a todos os petroleiros, mas passou a ser mascarada com a tentativa da empresa em transmitir uma imagem de preparação de seu efetivo que não corresponde ao que realmente acontece nas unidades da companhia.
A ausência de treinamentos ligados a esse mecanismo fundamental para preparar os trabalhadores foi um dos problemas apontados pelo sindicato para contrapor os argumentos da empresa que associou a redução do efetivo ao aprimoramento do processo produtivo.
Mas para entender o atual cenário é preciso relembrar o início do programa O&M (Organização e métodos de trabalho), em 2017, quando a Petrobrás impôs unilateralmente e sem uma auditoria externa medidas para readequação dos quadros. E readequação, no ambiente de trabalho, assim como reforma, na política, é sempre sinônimo de prejuízo para o trabalhador.
Na prática, a ideia era apresentar alguma justificativa para a diminuição do efetivo e a ausência da reposição de trabalhadores que deixaram a empresa, situação que gerou gargalos nas operações, levou a dobras de turnos e, consequentemente, a maior insegurança na produção.
Logo após a implementação do O&M, apenas na Replan (Refinaria Paulínia), ocorreram quatro paradas emergenciais e em agosto de 2018, a produção teve de ser paralisada na planta após um tanque de água ácida explodir e causar um incêndio.
O pior acidente da história da refinaria aconteceu poucos dias após uma parada de manutenção do craqueamento, realizado pela primeira vez por uma terceirizada.
Reação
Para frear o agravamento das más condições de trabalho na unidade, o Unificado ingressou com um processo na Justiça do Trabalho de Paulínia e chegou a obter uma liminar para impedir a aplicação da nova política. Mas a medida foi derrubada.
Porém, o embate resultou na expedição de uma solicitação de perícia para verificar se realmente o efetivo era suficiente para dar prosseguimento às operações, como alega a Petrobrás.
A perícia avaliou que “o estudo realizado pela Petrobras, não aponta inovações estruturais, tecnológicas, ou outro tipo de alteração que justificasse a diminuição de seu efetivo”. Além de não haver “nos documentos parâmetros do que seria ideal para execução de cada tarefa” e sequer existir “demonstrativos de treinamentos e/ou capacitação dos funcionários que justifiquem a redução do tempo gasto em suas atividades”.
A empresa alegou ainda que não houve demissões, mas ignorou um Programa de Incentivo de Desligamento Voluntário (PIDV), em 2016, dois anos após outro já ter sido adotado.
Simulador
Quando houve a primeira perícia, a Petrobrás vendeu a ideia de que a aplicação de treinamentos por simuladores era uma prática comum, mas a informação não é verdadeira.
Conforme aponta o técnico de operação da Replan e também diretor de base do Unificado Julio Ferreira, o mecanismo foi retomado emergencialmente para responder à avaliação.
“Esse processo foi abandonado pela empresa, apenas algumas pessoas passavam e esporadicamente, não era parte da preparação dos operadores. Em alguns setores, como o de estocagem, onde eu estou, nem tem, foi descontinuado pela própria refinaria”, diz.
Steve Austin, o operador que havia conhecido o procedimento há 10 anos, conta que existem os programas preparados para realizar o processo, mas falta pessoal treinado e tempo para realizar os exercícios.
“Cada refinaria tem sua rotina, então, é necessário que exista pessoal qualificado para programar o simulador conforme os parâmetros daquela planta. Tem de montar uma equipe para treinar os outros trabalhadores, mas é preciso tempo para isso e também para que os próprios petroleiros participem do processo. Como vai tirar alguém do seu trabalho se estamos com um efetivo reduzido?”, questiona.
Para ao diretor do Unificado, Gustavo Marsaioli, a retomada dos simuladores, como defendeu o sindicato, comprova que tanto o processo de preparação, quanto a irresponsabilidade da empresa ao não repor o efetivo são fato consumado dentro da companhia.
“A cada operador que sai de férias é preciso que alguém dobre o turno e, por isso, os treinamentos dos novos passaram a ficar mais rápidos, precários e limitados. A retomada do simulador após um período de abandono demonstra que estávamos certos em nossas ações, , que falta um treinamento mais aprimorado por parte da empresa, mas o que vemos agora é uma fraude”, critica.
Pode piorar
Mas como a dobradinha Jair Bolsonaro (sem partido) e Castello Branco (presidente da Petrobrás) sempre pode piorar algo que já vai mal, o cenário tende a ficar ainda mais grave.
Segundo Castello Branco, a meta é reduzir o número de trabalhadores em 34%, passando dos atuais 45 mil para 30 mil petroleiros. A expectativa é que somente com os PIDVS, até o próximo ano, 10 mil pessoas se desliguem da companhia, sem que exista nada planejado para reposição do pessoal.
O enxugamento, avalia Marsaioli, pode ser parte de um roteiro bem conhecido pelos servidores do país.
“Não é novidade que este governo tenta, a todo custo, entregar a Petrobrás para a privatização, ainda que de maneira fatiada, e avaliam que, diminuindo o quadro, fica mais fácil se livrar do principal patrimônio público do país. Nosso papel é lutar contra isso, uma prioridade absoluta para a categoria”, define.