Entidades sindicais e de anistiados formam comissão para encaminhar ao MPT e ao MPF demandas por reparação dos crimes cometidos pela empresa durante a ditadura civil-militar
[Com informações da FUP]
É conhecida a colaboração de empresas, tanto privadas quanto estatais, à repressão e às violações de direitos humanos desatadas pela ditadura civil-militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Grande parte dessas evidências foram obtidas após muita luta do movimento social, incluindo o sindical, e a construção de alianças com universidades e institutos de pesquisa.
No dia 8 de agosto, representantes da Federação Única dos Petroleiros (FUP) participaram de uma audiência com representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério Público Federal (MPF), de organizações e de entidades de trabalhadores e trabalhadoras que lutam pelo direito à memória, verdade, justiça e reparação. O encontro ocorreu no marco de um Procedimento Promocional instaurado pelo MPT para apurar violações trabalhistas e ataques à liberdade sindical durante a ditadura militar na Petrobrás.
“A audiência é um processo que busca, a partir da escuta de representantes das federações e de associações de atingidos pela ditadura da categoria petroleira, construir uma proposta de reparação às violações sofridas por trabalhadores e trabalhadoras petroleiras, entidades sindicais, comunidades, assim como, por toda a população brasileira atingida no período nefasto que se estendeu por mais de 20 anos após o golpe de 1964”, explica Juliana Ferreira, assessora da FUP, cujo projeto de doutorado investiga os impactos da ditadura sobre os trabalhadores da empresa.
Ela destaca que, após o golpe civil-militar, a Petrobrás e outras estatais que eram pilares do desenvolvimento nacional passaram a sofrer um controle violento do regime, que teve por alvo central o movimento de trabalhadores e as ações coletivas da categoria petroleira. “Isso implicou na atuação imediata golpista de um sistema planificado de monitoramento, repressão e disciplina dos trabalhadores dentro da empresa, servindo como “laboratório” de sistema de controle e repressão fabril”, lembra Juliana, recorrendo ao relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Em sua participação na audiência, o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, enfatizou a necessidade da Petrobrás reconhecer que foi um agente de repressão durante a ditadura civil-militar. “A Petrobrás precisa, no mínimo, reconhecer os crimes que cometeu e reparar os trabalhadores, dirigentes sindicais e até mesmo os sindicatos que sofreram violações diversas durante a ditadura civil-militar”, afirmou.
Construção da Memória
O movimento sindical teve papel central na investigação das violações cometidas pela ditadura nas empresas e o papel destas na repressão. Após as comprovações e recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), trabalhadores de dez centrais sindicais e outras organizações da sociedade civil, que formavam o coletivo Memória, Verdade, Justiça e Reparação, entraram, em setembro de 2015, com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a empresa alemã Volkswagen. O resultado dessa ação, que derivou no pagamento de uma indenização de R$ 36 milhões por parte da empresa alemã, fez com que R$ 2 milhões fossem destinados à realização de uma pesquisa com mais empresas, dentre as quais se encontra a Petrobrás.
O projeto, chamado “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, foi fruto de um convênio entre o Ministério Público Federal (MPF) e Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), permitiu que 55 pesquisadores e ativistas dos direitos humanos realizaram um vasto levantamento que incluiu outras grandes companhias como a Folha de São Paulo, Companhia Docas, Josapar, Itaipu, Fiat, CSN, Cobrasma, Aracruz e Paranapanema.
No caso da Petrobrás, a pesquisa contou com a participação de seis pesquisadores. O trabalho, que coletou vasta fonte documental nos arquivos públicos e em entrevistas realizadas com petroleiros perseguidos, foi dividida em três eixos: 1) perseguição política e relações de trabalho; 2) repercussões das atividades da empresa sobre: populações urbanas em situação de vulnerabilidade (Vila Socó-Cubatão/SP – 1985) e povos indígenas (Vale do Javari/AM – 1981-1985; 3), beneficiamento econômico da empresa e seus diretores.
A equipe de pesquisa identificou e listou no relatório os diferentes tipos de danos provocados pela empresa, que vão desde danos à vida e à subsistência até danos à integridade física e psicológica e limitações diversas à liberdade sindical. No documento, afirmam: “rever e questionar períodos em que administradores da Petrobras praticaram o que o direito internacional qualifica como graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade não é, nem pode ser entendido como uma forma de depreciar a imagem da empresa”. Pelo contrário, escrevem: “considera-se que expor a verdade e abrir caminho para as necessárias reparações torna efetivo o previsto em nossa Constituição, ou seja, expor a verdade e reparar é dever da Petrobras”.
No relatório final, divulgado no último mês de abril de 2023, os pesquisadores listam também uma série de recomendações de medidas reparatórias a serem implementadas pela empresa.
O relatório completo pode ser acessado aqui:
Informe-Publico-Pesquisa-Petrobras-VF_Caaf_24abr23-1Em 2022, ainda no início da pesquisa, a comunicação do Sindipetro Unificado entrevistou o coordenador do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas), entidade parceira do projeto, Sebastião Neto, e a socióloga Luci Praun, pesquisadora colaboradora e doutora em sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde é coordenadora do projeto de pesquisa sobre o aparelhamento da Petrobrás pela ditadura.
Confira o vídeo: