Em entrevista com o Sindipetro Unificado, Bárbara Bezerra, diretora da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindipetro Norte Fluminense, analisa a realidade das mulheres petroleiras e os desafios dentro da Petrobrás
Por Marcelo Aguilar | Revisão: Guilherme Weimann
“Eu sou uma exceção” , afirma a petroleira Bárbara Bezerra, consciente da raridade que representa ser uma mulher petroleira atuando há dezessete anos na área operacional da Petrobrás. Em geral, a realidade – em relação a dos homens – é bem diferente para as mulheres no setor de petróleo e gás. Enfrentam enormes dificuldades para entrar na indústria e, quando entram, sofrem as consequências de um ambiente hostil. Apesar disso, afirma a petroleira, “a organização das mulheres tem permitido conquistas históricas” e “é o único caminho” para conquistar avanços. Mãe, nordestina, formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Bezerra é técnica em Segurança do Trabalho na Petrobrás desde 2007 e já trabalhou no sertão, na floresta e no mar. Nesta entrevista, aprofunda não apenas as dificuldades, como também as importantes conquistas dos últimos anos.
Confira a íntegra:
Segundo estudo do Dieese, as mulheres representam apenas 17% da força de trabalho da Petrobrás. Na sua opinião, quais são os desafios para ampliar o contingente de mulheres na empresa?
Isso é um reflexo de um problema que parte já da educação. Culturalmente, somos induzidas a ter menos interesse pela área industrial e tecnológica e menos mulheres se interessam por estudar esses cursos técnicos. As turmas são extremamente masculinas e há um acesso menor para as mulheres, ou seja, menos estudantes e menos trabalhadoras. Mas acho que o problema maior não é ter só mais mulheres, a gente precisa garantir que as mulheres tenham carreira dentro da Petrobrás. Eu sou uma exceção, estou dentro desse 17%, estou na área operacional há 17 anos. Mas ao mesmo tempo eu ganho 24% a menos que um homem fazendo o mesmo serviço. Então, a gente tem que garantir muito mais. Não é só a questão de ter mais mulheres e sim mais garantias para que as mulheres que estejam aqui tenham mais carreiras e mais condições de se manter no trabalho.
Nos últimos anos, casos de assédio e violência foram denunciados na Petrobrás. Como você enxerga o ambiente de trabalho para as mulheres dentro da empresa? Essa situação melhorou? Quais medidas foram tomadas para enfrentar o problema?
O nosso ambiente de trabalho ainda é extremamente hostil e é um ambiente ainda favorável a opressões. Mas tivemos avanços nos últimos meses, inclusive programas para ter mais mulheres na liderança. Agora, para a gente não é importante só pegar uma mulher e colocar a placa de líder, a gente quer projetos, treinamentos, a gente quer um plano concreto para inserir as mulheres e dar-lhes oportunidades de carreira. Tem melhorado, mas quando a gente vai para as pontas, para a área industrial, a gente não vê mudanças significativas, as plataformas passaram a aceitar mulheres, mas os camarotes continuam proibidos, a gente continua com muita dificuldade de EPI [equipamento de proteção individual] feminino, e temos que manter uma luta muito séria ainda. É muito importante continuar dando muita visibilidade, para cobrar todas as situações que a gente vê que podem resultar em sucesso e diminuição de todas essas opressões.
O que representou a mudança no Governo Federal e na gestão da Petrobrás para as mulheres petroleiras?
A mudança do Governo Federal vem com uma mudança extraordinária para nós. Não se trata só de política, vai além disso, porque o que a gente precisa modificar é uma cultura. E a cultura fascista que estava implementada é uma cultura extremamente opressora às mulheres, estamos dentro da parte odiada pelo fascismo. Então, a mudança de governo possibilita muitas coisas, além de avanços como leis de igualdade salarial, nós conseguimos avançar por exemplo num feito histórico, que foi conseguir colocar no Acordo Coletivo de Trabalho [ACT] um método de combate aos assédios morais e sexuais, depois de ter escandalizado na imprensa diversos casos que ocorreram dentro da companhia. Isso não aconteceria no governo anterior, porque não haveria espaço. É uma mudança, sim, é uma esperança, sim, mas há muito o que fazer. A gente precisa de muitas mais políticas públicas para nos incluir e para tornar esse nosso trabalho mais igualitário.
Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres no setor de petróleo e gás, são similares às de mulheres de outras categorias?
São bem diferentes. Primeiro, como já falei, enfrentamos a dificuldade de estudar. Depois que a gente estuda e se capacita, a gente tem dificuldade de entrar na indústria, na parte técnica, porque quando eles veem mulheres acham que devemos trabalhar só no administrativo. Seja ingressando por concurso ou não. No setor privado isso fica muito evidente, as empresas nem sequer entrevistam mulheres, até publicam vagas só para homens. Nas plataformas isso é extremamente evidente, a gente não tem nem 3% de mulheres a bordo, e aí você vê um casamento difícil. Se as empresas nem entrevistam, e as plataformas nem tem vagas de mulheres, fica complicado.
É um setor muito hostil para a gente se manter, não é igual a outras categorias, como a das bancárias por exemplo, que não tem tantos empecilhos pelo gênero. Se a gente consegue entrar, como eu, que já trabalhei em sonda, em plataforma ou em refinaria, a gente tem diversas dificuldades de se manter lá, porque não tem banheiro, ou porque não tem EPI, ou porque na refinaria o banheiro mais próximo fica a um quilômetro. Isso é um absurdo. Em plataforma já tive que dividir um banheiro com sete mulheres por 14 dias, quer dizer, a gente se submete a situações assim, porque a gente termina tendo que engolir para se manter lá.
São dificuldades bem específicas, mas eu acho que principalmente há uma cultura de que é uma indústria que remunera um pouco melhor, e esses lugares que pagam melhor são destinados culturalmente só para homens. Então, temos muitos empecilhos, e acho que temos que falar bastante sobre eles explicitamente, por que é que não tem mais mulheres trabalhando aqui? Isso é fundamental para tornar o ambiente menos hostil à presença da mulher, que sempre deve ser avaliada pela sua competência técnica e pela sua capacitação e não pelo gênero.
Qual a importância do Coletivo Nacional de Mulheres Petroleiras e quais são seus principais objetivos e desafios?
O Coletivo Nacional de Mulheres Petroleiras é um movimento histórico e importantíssimo. Não vemos avanços sem o movimento organizado. Ele foi criado porque na FUP foi eleita uma diretoria, e quando acabou a eleição, verificou-se que não tinha nenhuma mulher fazendo parte da diretoria. Nenhuma. A partir daí as mulheres se organizaram no coletivo e conseguiram avanços. Um dos primeiros é garantir uma cota mínima de mulheres, que vai ser igual à participação que existe dentro da companhia, o que é pouco e não é correto ainda, porque em relação a população a gente tem um 51% de mulheres, ou seja, somos maioria. Mas é uma luta, uma construção e todas essas pautas terminam sendo levantadas. São bandeiras importantes e primordiais, nós estamos falando de Direitos Humanos e de Justiça Social, mas não tem como fazer esses avanços sem o movimento organizado.
No ano passado conseguimos outro fato histórico, unir as duas federações no intuito de construirmos uma pauta séria de combate ao assédio e na construção do primeiro Encontro Nacional de Mulheres Petroleiras. As diferenças políticas somem quando a gente tem um interesse maior de avanço e de diminuição das opressões. É muito histórico ter conseguido criar um grupo de trabalho sobre o assunto, um grupo sério, e conseguir colocar no ACT da Petrobrás cláusulas de combate ao assédio, escritas e aprovadas pelas mulheres das duas federações. Não tem como conquistarmos avanços sem estarmos organizadas, e só assim poderemos ocupar ainda mais. Apesar da cota na FUP ser igual à Petrobrás, nós estamos com 24% de mulheres e a gente pode avançar muito e colaborar com todas as bandeiras.
Mulher não é só para tratar de assunto de mulher, a gente tem que tratar de economia, a gente tem um combate seríssimo contra a privatização e nossa maior bandeira realmente é a reconstrução da Petrobrás. Como tem dito nossos movimentos, ‘não há democracia sem mulheres’. A gente defende a democracia e defendemos que as mulheres avancem e continuem organizadas, num futuro em breve mais igualitário.
Atualmente, três sindicatos da FUP são dirigidos por mulheres, dentre eles, o nosso. Como você visualiza isso?
É histórico e importantíssimo. Quando a gente coloca mais mulheres em posição de liderança e de visibilidade, isso faz com que outras mulheres tenham a permissão de acesso a esses lugares. A gente ter hoje três mulheres à frente de três Sindipetros é muito valioso, é muito importante para representatividade, para abrir caminhos e dar espaço. Agora, essas mulheres que estão em espaços de poder precisam de apoio, de estrutura, porque o nível de cobrança para uma mulher líder é muito diferente do de um homem líder, as perseguições são completamente diferentes. A gente vê a Bete na Bahia, por exemplo, sofrer vários ataques, inclusive racistas, coisa que o coordenador anterior não sofreu. A questão de gênero é um problema cultural para além de nossa querência, mas de fato ter mais mulheres sendo líderes e tendo representatividade é importantíssimo e é um grande avanço, sim. Precisamos de mais.