Pré-candidatos divergem sobre atual política da empresa, que favorece acionistas privados às custas dos trabalhadores
Por Daniel Giovanaz, especial para o Sindipetro-SP
Em 2021, a Petrobrás reajustou 16 vezes o preço de venda da gasolina para as distribuidoras e 12 vezes o do diesel. Em decorrência disso, no acumulado do ano, de acordo com levantamento da reportagem a partir dos dados disponibilizados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o valor da gasolina nos postos subiu 46,5%, do diesel 46,8% e do gás 35,8%.
Quem paga a conta são os trabalhadores, e não só quando abastecem o carro: o aumento das despesas com transporte impacta no preço final de quase todas as mercadorias.
Os reajustes refletem variações na cotação do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional. Conforme o avanço da vacinação, a economia global se recuperou do tombo inicial da pandemia e fez disparar a demanda por combustíveis, elevando os preços.
Os brasileiros nem sempre foram reféns dessas oscilações. A atual política de preços da Petrobrás foi adotada em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Graças ao chamado Preço de Paridade de Importação (PPI), legado do governo Michel Temer (MDB), a gasolina ultrapassou pela primeira vez a casa dos R$ 8 nos postos de combustíveis em janeiro.
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“Se a economia será o tema das eleições deste ano, certamente o preço da gasolina, dos alimentos e da energia serão os objetos principais da discussão”, analisa Felipe Nunes, Ph.D. em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
“O preço dos combustíveis sempre foi um dos temas mais importantes do debate econômico no Brasil. Nossa frota é enorme, e os carros são abastecidos por combustíveis fósseis. É natural que as pessoas debatam esse assunto em ano de eleições, até porque é muito simples fazê-lo: basta comparar o preço da gasolina nos postos, antes e depois.”
Em 2018, a Petrobrás também foi assunto da campanha presidencial, por motivos diferentes. Os holofotes estavam voltados para a operação Lava Jato, e o discurso anticorrupção e antipolítica servia como pretexto para mudanças na gestão da empresa.
“Desde que Pedro Parente assumiu [a presidência da Petrobrás, em junho de 2016], há um processo de desinvestimento e de privatização de ativos, além da nova política de preços”, lembra Carla Ferreira, pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
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“A Petrobrás também reduziu investimentos no setor de energias renováveis e na sociedade – em projetos culturais, no esporte”, acrescenta Ferreira. Após a saída de Parente, em 2018, a presidência da empresa mudou de mãos três vezes, mas a tendência se manteve.
Com a privatização de refinarias e subsidiárias como a BR Distribuidora, já no governo Jair Bolsonaro (PL), a Petrobrás abre mão de agregar valor em derivados e se limita ao papel de produtora e exportadora de óleo cru.
Até 2016, o preço dos combustíveis era baseado nos custos de produção. Como o Brasil extrai petróleo mais barato do que a maioria dos países, a mudança feita durante o governo Temer permitiu ampliar a margem de lucro da empresa e dos investidores privados. Em 2021, a petrolífera distribuiu R$ 63,4 bilhões em dividendos, um recorde histórico.
Enquanto o mercado financeiro festeja os resultados, o combustível se consolida como vilão da inflação no Brasil. O índice subiu 10,06% em 2021 e atingiu o maior patamar dos últimos 6 anos para o mês de janeiro.
A escolha pelo PPI poderia fazer sentido se fôssemos um país fundamentalmente importador de derivados, e não um grande produtor de petróleo
“Porém, essa política foi adotada justamente em um momento em que o Brasil havia descoberto novos poços e estava iniciando uma produção significativa no pré-sal.”
Conforme estudo da Freie Universität Berlin, na Alemanha, ao menos 125,6 milhões de brasileiros, ou 59,3% da população, sofreram com insegurança alimentar na pandemia. Mesmo que nem todos estejam cientes da relação entre PPI e inflação dos alimentos, as pesquisas de intenção de voto refletem a insatisfação da maioria.
“As pessoas se orientam por uma variável muito simples, que é sua qualidade de vida. Se percebem que estão vivendo melhor do que antes, conseguem pagar suas contas em dia, comer bem, garantir um bom padrão de vida para seus filhos, a tendência é votar pela continuidade dos governos”, aponta o cientista político Felipe Nunes, que é diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa.
“O aumento dos preços, a inflação e o desemprego fazem com que as pessoas busquem alternativas ao governo atual, e a mais forte hoje é o ex-presidente Lula [PT]”, ressalta.
Na pesquisa mais recente da Quaest/Genial, Lula tem 45% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro. Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB) aparecem com 7% cada.
Redução de danos
O argumento para a mudança da política de preços, há 5 anos, era elevar a credibilidade da Petrobrás junto ao mercado internacional, sinalizando que não haveria interferência do Estado no controle de preços.
“Pedro Parente era um grande operador da Bolsa, com uma mente bastante financeirizada. Em um contexto de Lava Jato e desmoralização da Petrobrás, criou-se o caldo político que permitiu aquelas mudanças”, lembra o sociólogo Rafael Rodrigues da Costa, coordenador técnico do Centro de Economia Política do Petróleo (Ceppetro).
“Quando os preços internacionais caem lá fora, o consumidor brasileiro paga menos. Mas, quando o dólar e o preço do barril de petróleo sobem, como vimos, é ótimo para o acionista e péssimo para a população”, compara.
O pesquisador lembra que há alternativas para suavizar a volatilidade internacional sem que o Estado controle diretamente o preço.
“A Dinamarca, por exemplo, é um país exportador de petróleo. Quando o preço sobe acima de 5% no mercado internacional, existe um dispositivo em que o governo tributa a empresa exportadora, para que não fique tão caro para o consumidor interno”, explica o coordenador do Ceppetro.
“É um fundo de estabilização, que permite que o exportador ganhe dinheiro, ao mesmo tempo em que protege o consumidor.”
Com essa opção, o preço não ficaria congelado, mas a petrolífera preservaria sua saúde financeira – evitando aumentar o endividamento da empresa.
Perspectivas
Quatro projetos com essa finalidade tramitam no Congresso Nacional. Um deles, o PL 1.472/2021, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), propõe justamente um fundo de estabilização, financiado por um imposto sobre a exportação de óleo bruto e pelo lucro da Petrobrás com o PPI.
Isso não significa que está aberto o caminho para a reversão das mudanças ocorridas na Petrobrás desde 2016. Além da venda de ativos, a União perdeu espaço na composição acionária da empresa.
Qualquer tentativa de alteração na política de preços precisará enfrentar o interesse de acionistas privados e estrangeiros, que hoje representam 40% do capital acionário da Petrobrás.
“Os planos de governo ainda não foram divulgados, mas Lula e Ciro Gomes são os candidatos que falam em tornar a Petrobrás novamente um ator relevante no cenário nacional. Eles expressam a intenção de aumentar investimentos, comprar ativos e revogar o PPI”, analisa Rafael Rodrigues da Costa.
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“Já os demais candidatos, da direita, mantêm o discurso de mais privatizações. Então, a divisão é muito clara. Mas, mesmo que seja eleito um candidato de esquerda, terá que haver muita pressão política, da sociedade, para que as mudanças necessárias aconteçam.”
Em várias entrevistas, Lula ressalta o compromisso de implementar uma política de preços mais justa: “É importante que o acionista receba seus dividendos quando a Petrobrás der lucro, mas eu não posso enriquecer o acionista e empobrecer a dona de casa que vai comprar um quilo de feijão e paga mais caro por causa da gasolina”, escreveu em sua conta no Twitter, no início do mês.
Ciro Gomes, que considera o PPI “absurdo”, promete reunir o Conselho de Administração da Petrobrás já no primeiro dia de governo, caso eleito, para revogar a atual política de preços.
Moro, Doria e Bolsonaro não questionam o atrelamento do combustível às oscilações no mercado internacional e confirmam a intenção de privatizar os ativos da petrolífera que restam sob controle do Estado.
Quando o assunto é gasolina cara, o atual presidente e sua base de apoio costumam apontar o dedo para os governadores.
Em outubro de 2021, a Câmara aprovou o PLP 11/2020, que propõe reduzir o peso do ICMS sobre os combustíveis. A proposta está parada no Senado e sofre oposição de governadores e prefeitos.
Carla Ferreira, do Ineep, enfatiza que a alíquota média do ICMS, no conjunto dos estados, se manteve estável em 2021. Portanto, é o PPI, não o imposto, que explica as variações no preço dos combustíveis.
“O Ineep vem formulando alternativas para não penalizar tanto o consumidor. Primeiro, precisamos de uma política que não considere somente o mercado internacional, mas o custo de extração”, explica a pesquisadora.
“O segundo ponto é a criação de um fundo de estabilização que garanta compensação ao produtor, ou ao importador, em períodos de alta dos preços. Por fim, debatemos a criação de um mecanismo fiscal, um tributo com alíquota variável, conforme a oscilação dos preços, para evitar perdas na arrecadação.”
Como a avaliação da economia é ruim, a equipe de Bolsonaro tentará trazer a corrupção e as pautas de costumes para o centro do debate
Embora a política de preços divida Bolsonaro e Lula, é improvável que o atual presidente saia em defesa do PPI nos debates eleitorais.
“Como a avaliação da economia é ruim, a equipe de Bolsonaro tentará trazer a corrupção e as pautas de costumes para o centro do debate e colocar a culpa dos problemas atuais nos governos anteriores, do PT”, observa Felipe Nunes, da Quaest Consultoria e Pesquisa.
“Isso não é uma novidade brasileira, mas uma tendência de governos que atuam no espectro da direita no mundo inteiro. Se essa estratégia vai funcionar, só saberemos ao final da campanha”, finaliza.