Um novo sindicalismo para novos tempos

Em artigo exclusivo ao Sindipetro-SP, a economista Juliane Furno afirma que o pragmatismo do “possível” nunca foi aliado do movimento social; exigir o “impossível”, em contrapartida, ajuda um governo popular a dialogar com seus opositores com base em demandas latentes

sindicalismo
Economista aponta a necessidade de reconhecimento das novas categorias sociais de trabalhadores (Foto: Pedro Strapasolas/Brasil de Fato)

Por Juliane Furno*

No findar da década de 1970, o Brasil vivenciou o nascimento de uma efervescência social que foi tanto produto da abertura política quanto resultou na derrocada final do regime autoritário civil-militar que havia assumido o poder em 1964. Dentre o que ficou conhecido como “novos movimentos sociais”, um deles despontou com mais primazia e foi cunhado como “novo sindicalismo”. Tal movimento era a resultante de três fatores fundamentais: o primeiro deles foi o surgimento e emergência de categorias profissionais relativamente novas e potencializadas, justamente, pelo modelo econômico próprio da ditadura militar.

O prosseguimento do projeto industrialista consolidou a indústria automobilística e outras indústrias de base, com destaque para o setor de petróleo e gás e a siderurgia. Por outro lado, o sistema financeiro também foi intensificado, dando lugar ao fortalecimento da categoria bancária. Ou seja, “novos” sujeitos deram um contorno próprio ao “novo sindicalismo” que teve como protagonistas da luta sindical um conjunto de trabalhadores de categorias profissionais que não herdaram com tanta força as formas políticas próprias das categorias que haviam sido hegemônicas no período pregresso.

Leia também: Crise na República Brasileira. Cederemos à Barbárie?

No entanto, em que pese isso, talvez o elemento mais significativo, o segundo, que vocacionou aqueles trabalhadores a selarem seu nome na história tenha sido a ousadia e a radicalidade política, especialmente afirmando os princípios da liberdade e da autonomia sindical em contraposição a herança consolidada do movimento sindical hegemônico no período pregresso, que travou a luta política dentro das regras do jogo do sindicalismo de Estado e, por isso, eram denominados de “pelegos”.

O terceiro e último fator que foi essencial para a influência política decisiva do movimento sindical na luta pela redemocratização foi sua vinculação estreita com os demais movimentos sociais, com destaque para os movimentos eclesiais de base, os movimentos de luta pela terra, os estudantes, os movimentos de luta contra carestia e demais organizações de base. A vinculação tênue entre luta corporativa por recomposição salarial, melhores condições laborais e luta contra a ditadura foi fundamental para que os movimentos sociais atuassem de forma conjunta, exercendo uma pressão contínua em vários flancos de batalha.

A realidade é complexa e contraditória, e essas contradições moldam os limites e as possibilidades da ação política

Findada a ditadura militar e restabelecida a frágil democracia brasileira representativa, os movimentos sociais – e, por isso, também o movimento sindical – ingressaram em um período marcado por novas contradições, no melhor sentido no termo. A realidade é complexa e contraditória, e essas contradições moldam os limites e as possibilidades da ação política.

Durante o primeiro Governo Lula, o movimento sindical retomou um certo protagonismo com as marchas que conquistaram a Política de Valorização do Salário Mínimo. No final do Governo Dilma, mais uma vez o movimento sindical voltou à cena com o retorno expressivo do número de greves, mostrando efervescência no campo mais corporativo.

O “tempo” acelerado do mundo do trabalho não está sendo acompanhado do “tempo” mais arrastado das transformações organizativas

No entanto, é necessário um balanço crítico dessas experiências históricas para avaliar as possibilidades do futuro. As novas configurações do mundo do trabalho e a acelerada precarização dos vínculos laborais estão ameaçando o poder do movimento sindical ser aquele ator de influência decisiva na sociedade. O “tempo” acelerado do mundo do trabalho não está sendo acompanhado do “tempo” mais arrastado das transformações organizativas.

É preciso inaugurar um novo “novo sindicalismo” e podemos aprender com as lições do passado: em primeiro lugar, reconhecer a força das novas categorias sociais que deverão ser a força dinâmica da luta social, com o aprendizado e em comunhão com as categorias mais organizadas historicamente. Além disso, em um período de crise institucional, ameaça democrática e fortalecimento da direita liberal, o movimento sindical deverá redobrar sua aposta na mobilização política, em parte na defesa intransigente do governo e em parte na sua cobrança. Devemos saber o que é papel dos partidos, dos governos e dos movimentos sociais. O pragmatismo do “possível” nunca foi aliado do movimento social, e a política do “possível” ajuda a reajustar o centro político mais à direita. Exigir o impossível é, também, nossa tarefa política e ajuda um governo democrático e popular a dialogar com seus opositores com base na existência de demandas latentes na sociedade.

O pragmatismo do “possível” nunca foi aliado do movimento social, e a política do “possível” ajuda a reajustar o centro político mais à direita

Por fim, as pautas do mercado de trabalho e as categorias isoladamente estão, cada vez mais, nubladas pela precarização da legislação trabalhista pós reforma. Dessa forma, o movimento sindical deveria apostar, tal como no passado, na afirmação dialética de pautas próprias de categorias com pautas próprias da classe, contribuindo – inclusive – para forçar que as estruturas organizativas, em especial das centrais sindicais, rompam com a separação muito estanque entre categorias e exerça mais um papel de entidades vocacionadas àquelas pautas que são de interesse do conjunto dos trabalhadores, engrossando nossa capacidade de atuar de forma conjunta.

*Juliane Furno é economista-chefe no IREE – Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa.

Posts relacionados

Editorial: Já estamos vacinados

Guilherme Weimann

Live debate rumos do sindicalismo a partir da desvalorização do trabalho formal

Guilherme Weimann

Opinião: O desafio do sindicalismo brasileiro diante da pandemia da Covid-19

Guilherme Weimann