Espaço começou a ser construído em meio à pandemia, e conta com o apoio de moradores do assentamento Milton Santos, petroleiros e voluntários

Por Larissa Zeferino
Devido aos altos índices de analfabetismo entre a população rural, em outubro de 2020 foi iniciada a construção da Escola de Educação Popular Melina Melão, no assentamento Milton Santos, em Americana. A obra, que conta com o apoio de voluntários do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), teve o bombeamento da laje realizado em maio deste ano.
A construção, que começou com o levantamento de uma única sala para estudos, foi expandida graças a doações e ao trabalho conjunto dos trabalhadores. Com a ampliação, a perspectiva é de que, quando concluída, a obra tenha duas salas a mais: uma como um cinema comunitário; e a outra para atendimento populacional voluntário com psicólogos, advogados e outros profissionais.
Como as escolas de educação formal nos arredores do assentamento são voltadas somente para a educação infanto-juvenil, a construção é importante para os moradores do Milton Santos que não foram alfabetizados.
Liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) de Americana, Eunice Pimenta, que atuou como professora voluntária no assentamento Milton Santos, diz que a escola é voltada principalmente para a alfabetização de jovens e adultos, atividade que já era realizada para a população adulta, mas em um barracão. “Era um espaço social, então qualquer um podia entrar. Chovia dentro e os cadernos e livros acabavam danificados” descreve.
Após uma forte tempestade, que arruinou a biblioteca do local, as aulas foram suspensas e começaram as atividades de arrecadação para a construção de um espaço direcionado apenas para a educação, como duas festas juninas, por dois anos seguidos, que bancaram a primeira compra de materiais. Para completar os custos, surgiu a iniciativa de uma vaquinha on-line.
Início da construção
A construção da escola teve início em outubro do ano passado. Foram escolhidos mestres de obra entre os assentados, e profissionais de diferentes áreas se voluntariaram para trabalhar como serventes de pedreiro: professores, advogados e petroleiros.
Motivado pelo preconceito, o assentado Liormando José dos Santos é o responsável pela obra. Há cinco anos, ao tentar abrir uma conta no Banco do Brasil de Cosmópolis (SP), ele conta que foi barrado por não possuir um documento com assinatura. Após o ocorrido, ele decidiu se alfabetizar.
Meu presente ao fazer 49 anos foi o meu primeiro documento assinado.
Por causa disso, o assentado, trabalhador rural e pedreiro sempre se faz presente nos sábados em que a ação voluntária acontece. “Eu venho debaixo de sol e debaixo de chuva. Não importa o horário”, completa.

Professora voluntária na construção, Pilar Guimarães considera que outra forte motivação para a iniciativa é a importância de uma educação popular que tenha ligação com os princípios do MST, principalmente para adultos do assentamento que manifestam uma educação que permita cidadania.
Outro voluntário na construção da escola é o geógrafo e professor Marcos dos Reis, que vem acompanhado a obra desde o início e diz que, mesmo durante a fase mais branda da pandemia, todos os cuidados sempre foram tomados.
“Atuar em um trabalho tão realizador fez muito pela minha saúde mental”, explica o educador que seguiu à risca o isolamento antes de se voluntariar na construção da escola Melina Melão.
Diretor do Sindipetro-SP, Evandro Botteon também sente que a construção fez mais por ele do que o contrário. O petroleiro se juntou à obra em janeiro, antes da segunda onda de contaminação do país, e diz que todos os voluntários são bem conscientes e, para evitar aglomerações, o fluxo de ajudantes aos sábados não passa de dez.
O principal problema do país é a desigualdade, e isso se combate com a educação. Ajudar a erguer uma escola entre uma população com alto índice de analfabetismo é a transformação na veia.
Sindipetro e MST: parceria de luta e militância

O Sindipetro-SP e o os assentamentos do MST da Região Metropolitana de Campinas (RMC) mantêm uma parceria histórica devido à luta e ideais compartilhados. Eunice, que participa da militância de trabalhadores rurais desde a fundação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na década de 70, conta que viu essa conexão nascer: ”Desde a fundação do MST, o Sindicato dos Petroleiros, que é um sindicato de muita resistência, esteve do lado da luta de classes”, afirma.
De acordo com Botteon, esses laços se estreitaram ainda mais após iniciativas coordenadas para potencializar a venda e distribuição de cestas orgânicas produzidas pelos assentados para membros do sindicato e outros interessados. “Você vê que é um produto diferenciado, de primeira linha e a preço justo. E a partir disso você começa a pensar mais sobre de onde vem o seu alimento. Através da comida se faz um vínculo de discussão política e reflexão, também”, explica o petroleiro.
A parceria na venda de orgânicos teve início em 2017 e segue até os dias de hoje, com a distribuição acertada por meio de um grupo no Whatsapp. “O processo de construção praticamente começou com o nosso grupo de consumo de cestas orgânicas. A parceria que a gente tem com o sindicato dos petroleiros é muito grande”, comentou a militante, afirmando que a iniciativa colaborou para o início da construção da escola
Outra ação solidária, que teve início há mais de um ano por conta da pandemia, foi a encomenda por parte do Sindipetro-SP, de cerca de mil cestas orgânicas de assentamentos da RMC para distribuir em ações solidárias para famílias impactadas pela crise do coronavírus.
Pilar, que participa das políticas dos assentamentos do MST desde 2007, acredita que a distribuição de cestas é fundamental para criar conexões e assegurar a dignidade das famílias do Assentamento no contexto de crise econômica em que o país se encontra.
Assentado desde 2005, Liormando presenciou muitas das lutas do Assentamento Milton Santos. O mestre de obra reforça a importância de ações coletivas em um contexto de militância: “Se você tentar quebrar um palito de fósforo sozinho, ele quebra fácil. Mas se você juntar uns 10, 12, já fica mais dificil”.
O impacto da covid-19
Mesmo seguindo todas as recomendações estabelecidas pelos órgãos de saúde, Eunice declara que se expor para trabalhar na construção tem sido uma atitude bem delicada. “A maior dificuldade é a de ousar trabalhar durante essa crise sanitária” relata.
Reforçando o posicionamento da militante, a professora Pilar considera que, se não fosse o alto número de mortes pela pandemia, o processo de construção poderia envolver outros trabalhos de base com o intuito de abranger a população, como a exibição de vídeos, palestras e oficinas aos moradores do assentamento.
Temos que lidar com a existência de um governo com projeto de morte em vida para toda a população. As perdas e a falta de acesso à saúde e trabalho dignos nos cercam de todos os lados.

Os entrevistados consideram que os desmontes por parte do governo federal reforçam a importância de atitudes como a construção da Escola Popular Melina Melão, afinal, como pontua o diretor do Sindipetro-SP, mesmo que a ação não possua impacto no macroambiente educacional do país, beneficiará a comunidade ao redor do assentamento.
O geógrafo Marcos completa: “É um trabalho de formiguinha, mas esse tipo de iniciativa impulsiona muitas ações. Essas pessoas aprendem e levam adiante, mesmo que não seja algo imediato”.
Segundo Eunice, no momento há cerca de 35 pessoas já interessadas nas aulas da Escola Melina Melão, e esse número tende a aumentar após a finalização da obra, quando as aulas serão amplamente divulgadas para a população dos arredores.
Apesar da grande mobilização para arrecadar recursos e voluntários, a escola ainda não está finalizada, faltam portas, janelas, rebocos e outras peças necessárias. Porém, o dinheiro arrecadado acabou. No momento, Eunice e outros trabalhadores do MST realizam o levantamento do que já foi feito e dos materiais e gastos que ainda serão necessários para finalizar a construção. “Vamos divulgar o que foi feito com as doações que recebemos e fazer uma vaquinha para terminar”, assegura.
O assentado Liormando não vê a hora de ver a obra finalizada e, conceitua que, apesar das dificuldades enfrentadas no caminho, o trabalho coletivo faz toda a diferença. “Devido ao preconceito que passei, queria era levantar essa escola logo … essa obra não está sendo levantada com material, mas sim com gestos de solidariedade, e o que a gente faz com amor e carinho vira ouro”, finaliza.