Em bate-papo, os convidados conversaram sobre os principais prejuízos e desafios que a população negra brasileira vem enfrentando
Por Andreza Oliveira
Nesta sexta-feira (29) foi ao ar mais um SindiPapo, série de lives que o Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) promove desde o início do período de isolamento social por conta do novo coronavírus. Dessa vez, o tema debatido na live foram os principais desafios enfrentados pela população negra no Brasil desde o início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Participaram da conversa a cantora, compositora e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB), o pesquisador, doutor em semiótica e Babalorixá Sidnei Nogueira e o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro NF) e da CUT Rio, Sérgio Borges.
Eventos recentes deixaram claro que a onda conservadora trouxe consigo o aprofundamento do racismo no mundo. No Brasil, em 18 de maio, João Pedro (jovem negro de 14 anos) perdeu a vida dentro de sua própria casa por conta de uma operação policial no Rio de Janeiro. Nos Estados Unidos, na segunda-feira (25), coincidentemente, Dia Mundial da África, um norte-americano negro foi asfixiado até a morte pelas mãos de um policial branco, o que gerou grande onda de revoltas e protestos por todo o país.
Cumprindo estritamente as medidas de isolamento por se enquadrar no grupo de risco, Leci Brandão concorda com a revolta dos norte-americanos que foram às ruas em protestos contra o assassinato do estadunidense George Floyd. “Eles estão quebrando tudo com razão. Aqui, infelizmente, nao fazemos assim. Se tivéssemos outro tipo de reação, muita coisa não aconteceria”, afirmou, reiterando que, para ela, no Brasil os jovens é que deveriam colocar ordem no país neste momento.
O dirigente sindical Sérgio Borges, que cresceu em uma periferia carioca, se identificou com a realidade de despreparo e violência policial que tirou a vida de João Pedro. “Sempre ouvi da minha mãe para eu nao usar capuz, não fazer movimentos bruscos e nem mesmo correr. É triste ver que hoje as mães não podem nem dizer para seus filhos ficarem em casa porque até lá dentro estamos correndo risco”, comentou.
Para o pesquisador e Babalorixá Sidnei Nogueira, os nomes, tanto de João Pedro quanto de George Floyd, representam um mesmo corpo negro recebendo a mesma sentença de morte. “A nossa morte é coletiva, nem gosto de falar dessas coisas pois sinto a dor do açoite da mão branca sobre meus ancestrais”, lamentou e lembrou que a população negra precisa se apropriar da negritude e evitar o negacionismo do racismo, que para ele, acontece até mesmo dentro do Poder Judiciário brasileiro.
Segregação racial e religiosa na política brasileira
Como a segunda mulher negra a ser eleita deputada estadual em São Paulo (estado em que quase metade da população se considera negra ou parda, de acordo com o IBGE) Leci conta o quão desafiador foi e continua sendo exercer seu papel em um lugar ocupado majoritariamente por homens brancos. “Em minha primeira entrevista como deputada, perguntaram como era o samba no meu gabinete, se havia malandros e mulatas”, lembrou.
Pautando desde sempre a questão racial em suas músicas e composições, antes mesmo de ingressar na política, Leci Brandão afirma que sua arte lhe ensinou sobre qual seria seu desafio a cumprir como deputada estadual. “Quando fui eleita, peguei todos os meus discos e tive a certeza de que era sobre tudo o que eu tinha cantado e interpretado que seria o meu mandato”, comentou, dizendo que atualmente mais ninguém lhe procura em seu gabinete para perguntar se está tocando pandeiro lá dentro.
Outro incômodo que a deputada apresenta é a falta de representatividade negra nos três poderes. Tema que, além de perpetuar o segregacionismo racial, também preocupa o Babalorixá Sidnei Nogueira. “Os nossos poderes Judiciário e Legislativo fazem de conta que acreditam no racismo brasileiro, enquanto o Poder Executivo trabalha para nos matar e dizer que racismo não existe”, afirmou o pesquisador que relacionou essa postura ao ataque da elite brasileira para que os negros e pobres percam seus direitos arduamente conquistados e não frequentem os mesmos espaços que eles.
O pesquisador, que lançou recentemente um livro sobre intolerância religiosa, comenta também sobre como o mito do estado laico marginaliza diversas religiões, principalmente as de matriz africana, em detrimento do cristianismo conservador. “Vivemos em uma sociedade teocrática onde corpos de pretos e pretas são invisibilizados junto com suas culturas, origens e crenças”, discorre.
Racismo no meio sindical
De acordo com Sérgio Borges, dirigente do Sindipetro NF e da CUT Rio, a maioria dos sindicatos já entendeu a necessidade de secretarias e coletivos de combate ao racismo, mas o fundamental é conscientizar a classe trabalhadora sobre sua identidade. “Enfrentamos dificuldades porque as pessoas acreditam que os trabalhadores podem ser empreendedores, assim perdemos nossa identidade e o mesmo acontece com o povo preto”, reconhece junto da necessidade de debates para evitar que isso continue ocorrendo.
Com o Brasil sob comando de um presidente que externaliza termos e conceitos racistas, apoiadores de Jair Bolsonaro se sentem representados e no direito de manifestar seus preconceitos o que, para Sérgio, dificulta ainda mais o debate com a população negra, principalmente dentro do meio sindical. “Buscamos utilizar debates, mas enfrentamos dificuldades dentro das estruturas sindicais, que muitas vezes, possuem e compactuam com esse viés conservador machista, racista e homofóbico”, afirma o dirigente, que apesar disso, se mostra esperançoso com os sindicalistas mais jovens que tentam desconstruir essas questões.
Outro ponto positivo para a consolidação deste debate racial com a população negra, de acordo com Sérgio, vem acontecendo com as ações de solidariedade dos Sindipetros em comunidades vulneráveis durante a pandemia de COVID-19. “Os sindicatos precisam ir além das questões corporativistas e se importar com a sociedade em torno. Neste momento, precisamos conscientizar essa população necessitada de que eles também pertencem à classe trabalhadora”, finaliza o dirigente.
Acompanhe na íntegra a conversa completa: