Repúdios aos sucessivos aumentos dos preços dos combustíveis foram observadas em grande parte dos atos espalhados pelo país no último dia 2 de outubro
Por Guilherme Weimann
De acordo com levantamento dos organizadores, aproximadamente 700 mil pessoas em 300 municípios brasileiros saíram às ruas no dia 2 de outubro por “vacina no braço”, “comida no prato” e “fora Bolsonaro”.
Essas são as pautas que, atualmente, tornaram-se consenso em um espectro político cada vez mais amplo – além dos assíduos partidos de esquerda PT, PSOL e PCdoB, também participaram do último ato representantes do PDT, PSB, Rede, Solidariedade, Cidadania, DEM, MDB, PL, Podemos, PSD, PSDB e Novo.
Tudo está subindo, mas são justamente os reajustes dos combustíveis que refletem significativamente nos alimentos, por exemplo
A proximidade das 600 mil mortes por covid-19, a marca de 19,1 milhões de brasileiros passando fome e um presidente que insiste em defender pautas conservadoras no âmbito dos costumes e liberais no plano econômico contribuem para explicar por que essas foram, até o momento, as três principais bandeiras de luta da oposição.
Apesar disso, tem se tornado cada vez mais constante as reivindicações contrárias aos preços dos combustíveis – seja por meio dos grandes botijões de gás de cozinha que foram espalhados pelo Brasil por sindicatos da categoria, como também em manifestações espontâneas de consumidores indignados com os constantes reajustes.
Nesse sentido, a diretora do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cibele Vieira, chama atenção para o fato de que, implicitamente, os preços dos combustíveis impactam em praticamente todas as outras pautas que estão sendo colocadas por setores do campo progressista.
“Existe um efeito multiplicador quando se fala em política de preços dos combustíveis. Tudo está subindo, mas são justamente os reajustes dos combustíveis que refletem significativamente nos alimentos, por exemplo”, explica Vieira.
Essa opinião também é compartilhada pelo diretor do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (Sindipetro LP) e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), Fábio Mello. “O custo do transporte faz parte de qualquer planilha, de qualquer empresa, seja de uma indústria primária ou de transformação. O custo de todos os produtos está atrelado ao preço dos combustíveis. Infelizmente, o governo Bolsonaro, por meio de Paulo Guedes, pratica uma política interna de preços de derivados de petróleo como se o Brasil não tivesse uma gota sequer de petróleo”, aponta.
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A política de preços da qual o petroleiro se refere foi instaurada em outubro de 2016, há exatos cinco anos, logo após o impeachment que retirou Dilma Rousseff da Presidência da República. Na ocasião, o recém-nomeado por Michel Temer para o comando da Petrobrás, Pedro Parente, instituiu o preço de paridade de importação.
O PPI, como é conhecido, passou a atrelar os preços dos derivados de petróleo oferecidos nas refinarias da estatal à cotação internacional do barril de petróleo, ao dólar e uma estimativa de custos logísticos gastos pelos importadores de combustíveis.
Desde então, as refinarias passaram a operar, em média, com apenas 70% de suas capacidades, e os combustíveis têm sofrido reajustes constantes – em alguns momentos, quase diários. Nestes cinco anos, para os consumidores finais, a gasolina subiu 77,9%, o diesel 60,5% e o gás de cozinha 66,39%, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“A atual diretoria da Petrobrás está fazendo uma transferência de renda da população brasileira para os acionistas. E, na nossa opinião, a empresa deveria estar fazendo justamente o contrário”, afirma Vieira.
Entre 2019 e 2021, o preço praticado pela Petrobrás nas refinarias teve alta acumulada de 23,5% no diesel, 51% na gasolina e 85,4% no gás de cozinha. No mesmo período, a empresa distribuiu R$ 56,5 bilhões aos acionistas, R$ 41,9 bilhões apenas neste ano – grande parte desse valor foi destinado a investidores privados, já que a União, atualmente, detém somente 28,7% do capital social da companhia.
Privatizações
Na avaliação dos petroleiros, o pano de fundo da atual política de preços, que já perdura cinco anos, é a privatização do parque de refino da Petrobrás. O plano do governo de Jair Bolsonaro é privatizar 8 das 13 refinarias da estatal.
“A gente sabe que, se tiver uma insegurança em relação à política de preços, as empresas privadas vão se sentir inseguras em comprar as refinarias. Hoje, o placar está três a dois pra gente, já que três vendas foram barradas até agora. Nós não estamos com 100% de aproveitamento, mas também conseguimos até aqui atrapalhar o plano deles”, descreve Vieira.
Se não fizermos a luta contra a venda das refinarias, esse nosso discurso de que é possível fornecer combustível a preço justo vai se esvaziar
Esse “placar” apontado pela petroleira se refere, do lado da atual gestão da Petrobrás, às vendas da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), da Bahia, e da Refinaria Isaac Sabbá (Reman), do Amazonas, praticamente concretizadas. Por outro lado, os petroleiros até o momento conseguiram barrar ou atrasar o processo de privatização de outras três refinarias: Refinaria Alberto Pasqualini, do Rio Grande do Sul; Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), do Paraná; e Refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco.
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“Se não fizermos a luta contra a venda das refinarias, esse nosso discurso de que é possível fornecer combustível a preço justo vai se esvaziar. Porque nós não vamos mais ter uma empresa consolidada, integrada, espalhada estrategicamente pelo nosso território. Se avançarem essas privatizações, vamos perder esse debate”, opina Mello.
Expansão da pauta
Se a concretização das privatizações que estão no plano de negócios da atual diretoria da Petrobrás inviabilizaria a principal pauta dos petroleiros, que é o cumprimento do papel social da empresa a oferta de combustíveis a “preços justos”, o contrário também é verdadeiro.
Na opinião de ambas as federações de petroleiros, sem a ampliação da luta contra o aumento dos combustíveis, barrar as privatizações das refinarias se tornará cada vez mais difícil. O cenário, nesse sentido, parece ser promissor.
“Nós estamos dando aulas públicas para um segmento importantíssimo, que é o dos caminhoneiros. Grande parte deles já abandonou o bolsonarismo, principalmente por entenderem a responsabilidade do governo no preço dos combustíveis. Com essa pauta, nós podemos chegar a toda a sociedade”, sugere Mello.
Se existe uma tendência de crescimento das mobilizações contrárias ao atual governo, provavelmente o repúdio aos preços dos combustíveis também ganhará força.
“Há cinco anos, existe uma ofensiva contra o caráter público da Petrobrás. Para isso, existe todo um discurso de que a empresa está quebrada, de que o pré-sal precisa ser explorado o mais rápido possível por causa da transição energética e de que o mal de tudo era a sua constituição estatal. Até agora, a gente conseguiu fazer com que a população não caísse nesse discurso e, atualmente, existe um grande potencial de mobilização contrária a essa atual política de preços”, afirma Vieira.