Médico especialista em segurança do trabalho faz um balanço dos retrocessos em relação à segurança e saúde do trabalhador nos últimos anos
Por Guilherme Weimann
Políticas públicas de amplitude nacional impactam, direta ou indiretamente, na saúde da população. Por isso, as reformas trabalhista e previdenciária, por exemplo, acabaram criando um ambiente de trabalho muito mais hostil nos últimos anos.
Confira aqui o jornal especial sobre o benzeno.
Essa é a opinião do médico Adilson Campos, assessor do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) e professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP): “o risco de se trabalhar no Brasil aumentou muito”.
Nesta entrevista, publicada no Dia Nacional de Luta contra a Exposição ao Benzeno, ele analisa a extinção da Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNPBz) e outras medidas que reverberaram negativamente na segurança e na saúde do trabalhador brasileiro.
Confira:
Na época de sua criação, qual era a ideia que norteava a Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNPBz)? Com quais objetivos ela foi criada?
O benzeno é reconhecido mundialmente como um problema de saúde pública desde o final da década de 1970, começo da década de 1980. E é um problema que não afeta somente os trabalhadores, mas toda a população. Na medida em que você aumenta a quantidade de benzeno na gasolina, por exemplo, você está expondo todo mundo a partir da queima do combustível fóssil. Por isso, o benzeno é classificado nessa mesma época como cancerígeno.
Na medicina do trabalho se trabalha muito com limites de tolerância. Mas com o benzeno não existe isso, porque qualquer quantidade de benzeno traz prejuízos à saúde. Foi aí que se instituiu o Acordo Nacional do Benzeno e se criou a Comissão Nacional para que ela pudesse cumprir o papel de fiscalização do que ficou estabelecido no acordo.
Ao longo dos anos, a CNPBz conseguiu cumprir seus objetivos iniciais?
Foram estabelecidas comissões estaduais de benzeno e se estabeleceram grupos de trabalhadores de benzeno nas empresas, como na Petrobrás. Isso fez com que se gerasse mais informações sobre o assunto para as pessoas que lidam diretamente com essa substância. A informação é fundamental para se estabelecer ações de prevenção contra a contaminação. Além, é claro, da fiscalização dos ambientes de trabalho que passou a ser realizada pelos integrantes da comissão.
A trava automática da bomba de gasolina serve justamente para evitar com que o frentista chegue próximo e inale as substâncias presentes na gasolina, incluindo o benzeno
Também foram feitos trabalhos específicos em algumas categorias, como a de frentistas de postos de gasolina, para que os trabalhadores pudessem evitar os riscos de contaminação. Às vezes são medidas muito simples como, por exemplo, a importância de se respeitar a trava automática da bomba de combustível. Porque ela serve justamente para evitar com que o frentista chegue próximo e inale as substâncias presentes na gasolina, incluindo o benzeno.
É importante também destacar a importância da Fundacentro, uma instituição ligada ao governo com sede na cidade de São Paulo, que também sofreu uma grande precarização no governo Bolsonaro. Ela tem como objeto de trabalho a saúde do trabalhador, a partir de pesquisas realizadas por médicos, engenheiros, químicos e diversos outros profissionais.
Também é importante apontar a importância dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador. Eles nasceram na década de 1980, até antes da Comissão do Benzeno, e passaram a ter um papel fundamental em relação à saúde do trabalho, seja levando informação, seja no sentido de se tornar um espaço onde o trabalhador pode recorrer com a garantia de que as informações por ele compartilhadas sejam utilizadas para o seu bem e não para prejudicá-lo. São órgãos ligados ao Sistema Único de Saúde [SUS].
É possível mensurar as perdas ocasionadas com o encerramento formal da CNPBz?
O governo tem reformado normas regulamentadoras de segurança e medicina do trabalho de uma maneira que o risco de se trabalhar no Brasil aumentou muito. Quando o governo extingue uma comissão que tinha como obrigação fiscalizar ambientes de trabalho, isso representa um estímulo para que a segurança e saúde do trabalhador sejam pioradas. Não ter uma comissão nacional sobre o tema faz com que, de forma escalonada, também sejam extintas as comissões estaduais e os grupos nas próprias empresas. As consequências são enormes. E muitos desses retrocessos também estão relacionados com uma parcela do empresariado, que lucra em cima da segurança e da saúde do trabalhador.
Na sua opinião, é possível vislumbrar no próximo governo a retomada da CNPBz? E quais deveriam ser suas pautas prioritárias?
Mesmo com uma mudança do governo, nós teremos muitas dificuldades em recuperar tudo o que foi perdido em relação à saúde do trabalhador. Isso vai exigir muita perseverança. É importantíssimo, por exemplo, tentar reverter a reforma trabalhista, que ocasionou impactos negativos na saúde do trabalhador. A reforma previdenciária também reverberou diretamente na saúde do trabalhador.
É fundamental reverter essas reformas e recriar as comissões tripartites. Porque, sem elas, vale a lei da selva, ou seja, o mais forte é quem manda
Hoje, é uma burocracia gigantesca para um trabalhador adoentado se aposentar pelo INSS, por exemplo. Existem alguns casos de trabalhadores aposentados por invalidez há 10 anos que tiveram o benefício cortado abruptamente. Por isso, é fundamental reverter essas reformas e recriar as comissões tripartites. Porque, sem elas, vale a lei da selva, ou seja, o mais forte é quem manda. Praticamente todas as medidas do atual governo prejudicaram a saúde do trabalhador.