Planos de previdência complementar podem ser transferidos para bancos

Votação de lei, que deve ocorrer até novembro deste ano, pode transferir planos de aposentadoria para a gestão dos bancos; especialistas alertam para riscos, inclusive com a Petros

Com reformulações suspeitas, alteração em leis e resoluções pode impactar planos previdenciários complementares fechados (Foto: Adobe Stock)

Por Andreza de Oliveira e Guilherme Weimann

Antes mesmo de tomar posse, o então deputado federal pelo PSL, Jair Messias Bolsonaro, mostrou que a Reforma da Previdência seria uma das prioridades do seu governo. Em novembro de 2018, o então futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu uma “prensa” no Congresso para aprovação da proposta de emenda constitucional sobre o tema.

A sua aprovação, em 2019, retirou direitos e aumentou a dificuldade para trabalhadores se aposentarem. Entretanto, o deputado federal e relator do projeto, Samuel Moreira (PSDB), retirou do texto final a proposta de capitalização – o que permitiria a criação de contas individuais pelos servidores públicos, rompendo com o caráter solidário dos fundos de pensão complementar.

Entretanto, setores do mercado financeiro não se contentaram com a negativa e estão se articulando pela mudança na legislação do setor. A Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK), grupo de trabalho que reúne, entre outros, representantes do Ministério da Economia, Banco Central, Superintendência de Seguros Privados (Susep) e Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), pretende apresentar um projeto de lei ao Congresso Nacional que incide diretamente sobre os Regimes Próprios de Previdência Complementar (RPPC).

O grupo irá propor alterações da Lei Complementar nº 108, com o objetivo de permitir a transferência dos fundos de pensão de servidores públicos (União, estados e municípios) para entidades abertas de previdência complementar – instituições financeiras que cobram taxas mais elevadas de administração.

Tal pauta, apesar de pouco veiculada, tem sido levantada pela Associação Nacional dos Participantes de Previdência Complementar (Anapar). “Quando se pega as alterações das resoluções em que tentam equalizar os planos abertos e fechados, nivelando os benefícios sem equiparar os sistemas, o que se pode concluir é o interesse em realizar um processo de transferência”, explica Antônio Bráulio, diretor Executivo da Anapar. 

Segundo a Anapar, o grupo que compõe a IMK pretende apresentar, até novembro deste ano, uma alteração na Lei Complementar nº 108/2001 – o que sinaliza o avanço da tentativa de interferência dos bancos nos planos de previdência complementar fechados. “Esse projeto vai ser a pá de cal porque estão se aproveitando de uma alteração específica para equalizar os planos”, comenta Bráulio. 

De acordo com a entidade, é ilusório imaginar que, se transferidos aos bancos, os planos de previdência complementar gerem maior rentabilidade aos assistidos. “As taxas de administração cobradas por instituições bancárias são maiores do que as cobradas por fundos de pensão, assim, no final da contribuição, o beneficiário terá um patrimônio acumulado menor”, afirma Luiz Felippe Fonseca, assessor previdenciário da Anapar e da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

Reformulações suspeitas

Servindo de introdução para demais mudanças no sistema previdenciário brasileiro, a Emenda Constitucional 103/19 – que estabeleceu a reforma da previdência -, foi fundamental para consolidar as propostas liberais defendidas pelo governo federal, como, por exemplo, a interferência da iniciativa privada em diversos âmbitos econômicos.  

A Reforma da Previdência foi a sementinha de tudo porque com ela ficou explícito que os entes públicos poderiam ter seus planos administrados por entidades abertas de previdência, como bancos e seguradoras.

Luiz Felippe Fonseca, assessor previdenciário da Anapar e da FUP

Em resumo, a Lei Complementar 108, de 2002, definia que a administração dos planos previdenciários cabia somente às entidades privadas de previdência complementar – que também não poderiam possuir fins lucrativos. 

Já a atualização, proposta pelo IMK, defende que o patrocinador público tenha a opção de mais um plano de benefício vinculado ao regime de previdência complementar, que também poderá ser gerido por entidades abertas, como os bancos. 

De acordo com Luiz Felippe, essa decisão de atualização tem um interesse muito claro: o patrimônio acumulado de mais de 290 planos previdenciários fechados, valor que gira em torno de R$ 1 trilhão. “Passam a permitir que bancos e seguradoras administrem pensões de entes públicos porque é um negócio que envolve muito dinheiro”, completa. 

Por que a transferência não é vantajosa aos participantes?

Se aprovadas as interferências na Lei 108/02, cálculos apontam que a mudança é vantajosa somente aos bancos, e não para os beneficiários. “Os bancos usam premissas com menores riscos, como uma menor taxa de juros para rendimentos e maior longevidade dos participantes, o que diminui os valores das parcelas de aposentadoria que serão sacadas”, alerta Fonseca, que também chama atenção para o fato de que as entidades bancárias, diferente dos fundos de pensão, precisam pagar lucros aos seus acionistas e investidores. 

Além disso, as taxas de administração aplicadas por bancos são diferentes das cobradas por fundos fechados. A Petros, por exemplo, cobra em torno dos 0,2 e 0,3% ao ano, enquanto os bancos cobram em média 1,5%. “Com um patrimônio total de R$ 100 bilhões, a Petros tem uma receita média por volta dos R$ 250 milhões, enquanto um banco teria de lucro cerca de 1,5 bilhões, então fica uma suspeição sobre quem estaria ganhando com essa transferência”, informa o assessor. 

Outro problema que pode ocorrer com a transferência dos planos previdenciários para a administração privada, é o beneficiário precisar enfrentar a publicidade de produtos bancários, como as vendas casadas – prática abusiva, mas que ainda é comum no Brasil.

É uma disputa grande no mercado porque os planos fechados detêm uma quantia próxima de R$ 1 trilhão de reais, então os bancos têm interesse em colocar a mão nesses recursos.

Antônio Bráulio, diretor executivo da anapar

Para barrar os retrocessos e riscos para os beneficiários de planos de previdência complementar, Bráulio sugere a mobilização de atividades contra a implementação dessas medidas. “Nós, da Anapar, temos chamado os sindicatos também para uma parceria em defesa desses planos porque temos a consciência de que, sozinhos, não romperemos com esse trato que vem para cima dos trabalhadores, especialmente dos aposentados”. 

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