Petrobrás tenta impedir solidariedade, mas petroleiros não abandonam ninguém

Ações em todo país seguem, enquanto direção da empresa aciona Sindipetro-NF para impedir distribuição de máscaras

Alesssandro Trindade com a máscara da discórdia (Foto: Arquivo pessoal)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) minimiza o impacto da covid-19 e as vidas perdidas para a pandemia, sob sua gestão, a direção da Petrobrás segue o mesmo princípio e produz pérolas como uma ação para impedir que sindicalistas distribuam máscaras de proteção em aeroportos.

No dia 22 de maio, o jurídico da companhia ingressou com um pedido de tutela inibitória para impedir que o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) desse continuidade à entrega de kits aos trabalhadores que embarcavam em aeroportos da região.

Para barrar a ação, a direção da Petrobrás alegou que os materiais utilizam indevidamente a logomarca da empresa e faziam campanha política e ideológica ao trazerem a inscrição ‘privatizar faz mal ao Brasil’.

O argumento beira o surreal, na visão dos petroleiros, que apontam a má qualidade do produto oferecido pela empresa como um motivador para o início das ações, conforme destaca o Diretor de Comunicação do Sindipetro-NF, Rafael Crespo.

“A empresa estava distribuindo nos aeroportos máscara de péssima qualidade, era um quadro recortado de TNT com furos do lado e elástico na ponta. Ficamos muito preocupados e resolvemos fazer e entregar máscaras triplas, com base nas recomendações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que realmente protegessem os petroleiros”, explicou.

Além da originalidade dos argumentos, o dirigente cita ainda outros aspectos nebulosos no processo.

“A liminar foi concedida no plantão judicial, que normalmente trata de temas urgentes, casos de vida ou morte, que não podem esperar ao dia útil seguinte  para serem decididos. E a definição do juiz vai para além do pedido da Petrobrás, que já era ridículo, determinando que não podemos utilizar nenhuma marca da empresa em nenhum de nossos materiais”, criticou.

Crespo afirma que o sindicato irá recorrer da liminar e avalia que até mesmo a esfera escolhida para impedir o trabalho do sindicato é inadequada. “A ação não faz sentido sob nenhum aspecto, inclusive porque, ao reclamar da questão de marca, a Petrobrás ignora que nossas ações são de atividade sindical, não estamos fazendo uma disputa comercial. O julgamento, caso houvesse, deveria ocorrer na esfera trabalhista, não civil”.

Vai continuar

Coordenador do Departamento Jurídico do Sindipetro-NF, Alessandro Trindade, diz que o sindicato irá continuar com a campanha.

“Não vamos acatar, continuamos no aeroporto porque entendemos que atual gestão está pouco se lixando para a saúde e vida do trabalhador. Chamamos várias reuniões de negociação para discutir a covid-19 e a empresa ignorou. Nossa obrigação é proteger os petroleiros, tantos os próprios, quanto os terceirizados”, explica.

Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, até o início de maio, mais de 800 petroleiros foram contaminados em plataformas e refinarias. Cerca de 1.700 estão sob investigação.

Além da distribuição dos kits nos aeroportos, Trindade diz também que serão entregues materiais em todos os prédios administrativos das bases no Rio e já estão ocorrendo distribuições em comunidades cariocas.

Não para aí

Enquanto a Petrobrás tenta frear ações solidarias, a rede de parcerias segue forte. Em diversos estados do país, comitês de petroleiros têm se organizado em campanhas de solidariedade, como é o caso dos operadores de destilação da Replan (Refinaria Paulínia).

Os trabalhadores arrecadaram recursos para a aquisição de 450 kg de alimentos, em abril, e mais objetos de limpeza e utensílios de higiene pessoal, em julho, que foram doados ao assentamento ‘Marielle Vive’, em Valinhos (veja fotos abaixo).


“O pessoal do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra) sempre apoiou nossas lutas, inclusive passando noites em portarias, ajudando em manifestações, e vimos nesse momento uma maneira de retribuir”, afirma o técnico de operação sênior João Santo Frisanco ao apontar o caráter coletivo da ação e destacar a importância de se estabelecer uma rede solidária.

Solidariedade que também não faltou aos trabalhadores do Edifício Consolação (Edicon), espeço alugado pela Petrobrás que funciona no modelo coworking.

Após uma reportagem do Sindipetro-SP sobre a demissão de terceirizados em plena pandemia, outras denúncias chegaram ao sindicato e um grupo de petroleiros resolveu, por meio de uma plataforma, fazer uma arrecadação para comprar cestas com mantimentos, itens de farmácia e botijões de gás para os seis ex-funcionários. A campanha segue neste link enquanto os trabalhadores estiverem sem emprego.

A medidas escancaram a necessidade de transformar um cenário que se aprofundou após a Petrobrás dar as costas à sua responsabilidade social. Todas as funções, de serviços de limpeza e recepção a atividades administrativas, são de baixíssima remuneração, com salários que não atingem R$ 2 mil.

Dirigente sindical e técnico de administração e controle do Edicon, Tiago Franco, afirma que em carta entregue aos trabalhadores demitidos, fizeram questão de deixar claro que não há superiores ou inferiores nessa relação.

“Na carta nós apontamos que a Petrobrás e suas contratadas são responsáveis por garantir a renda de quem trabalha para ela desde o início da crise e que não somos os salvadores, não estamos acima de ninguém, mas exercemos nossa obrigação de sermos solidários como classe trabalhadora para que possamos juntos construir um país mais justo assim que tudo isso acabar”, afirma.

Acima, Tiago e Lúcia durante entrega de uma das cestas (Fotos: Arquivo pessoal)

A resposta de uma das demitidas, Lúcia, mais uma brasileira de sobrenome Silva, que tenta driblar a pandemia, demonstra o impacto que um país sem governo pode causar a milhares de pessoas. Vivendo de bicos, seu sonho da carteira assinada durou pouco sob uma Petrobrás que fecha os olhos para o papel cruel de suas terceirizadas.

“Eu entrei na empresa dia 12 de fevereiro, sai dia 17 de março. Antes eu tinha alguns bicos, mas por causa da pandemia, ninguém me chamou mais. Estou passando apuro, é muito difícil, e peço para Deus que volte tudo normal. Tenho muita esperança que a empresa me recontrate, porque eu adoro trabalhar”, diz.

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